07 Janeiro 2014
No próximo mês, o Papa Francisco irá nomear no mínimo 14 cardeais, uma ação que não terá somente impacto em seu papado e na Igreja de hoje, mas também irá determinar a direção da instituição religiosa após o seu papado. Um destes cardeais pode até mesmo vir a ser o próximo papa.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 06-01-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por causa de papel dos cardeais na Igreja, a sua criação é uma das ações mais importantes tomadas pelos papas. Os cardeais cumprem três funções importantes na Igreja.
Primeiro, eles assumem a liderança em seus próprios países de origem. Embora canonicamente não tenham nenhum poder sobre os demais bispos, eles tendem a assumir as maiores arquidioceses e a ter grande influência em suas conferências episcopais. Também eles recebem maior atenção da mídia; as pessoas que usam o solidéu vermelho têm a tendência de se destacarem entre a multidão.
Segundo, os cardeais ajudam o papa na governo da Igreja universal. Não somente são os cardeais as lideranças dos principais órgãos na Cúria Romana; os cardeais diocesanos também servem como membros das congregações do Vaticano e dos conselhos como assessores destes órgãos e do papa. Eles têm mais chances de serem escolhidos para participar nos Sínodos dos Bispos.
Por fim, e isto é o mais importante, eles irão eleger o próximo papa, que, muito provavelmente, será um cardeal, embora isso não seja necessário. Como resultado, a nomeação de certos cardeais é um dos modos mais importantes pelos quais os papas podem influenciar na direção futura da Igreja.
Hoje, a Igreja é uma instituição de muitas nações e culturas, e não simplesmente a Igreja europeia de séculos atrás. O Colégio dos Cardeais precisa refletir esta realidade. Por falar em internacionalização do Colégio dos Cardeais, o gigante aí é a Itália, que, com apenas 4% dos católicos do mundo, sempre teve uma parcela desproporcional do colégio.
Até o papado de Pio XII, a maioria dos cardeais era da Itália. Quando ele foi eleito em 1939, 57% dos cardeais eram italianos, e 32% eram do resto da Europa. Ele reduziu este contingente a um terço do colégio ao passo que aumentou o número de cardeais de fora do continente, incluindo os primeiros cardeais com sedes na China, na África e na Índia. Porém, o maio campeão foi a América Latina, que saiu dos 3% para 16% do colégio cardinalício, preparando o palco para a eleição do primeiro papa latino-americano no ano passado.
Os italianos ensaiaram um fraco retorno sob o papado de João XXIII, mas foram reduzidos a 24% pelo Papa Paulo VI. O Papa João Paulo II continuou nesta direção de forma que, em sua morte, os italianos tinham somente 16,5% do colégio. No entanto, sob o Papa Bento XVI os italianos tiveram um forte retorno: eles recuperaram tudo o que perderam sob o papado de João Paulo II e constituíram 24% do conclave que elegeu o Papa Francisco.
A primeira pergunta com a qual o Papa Francisco deve se deparar é: Ele permite a Itália manter os ganhos feitos sob o papado de Bento XVI, ou ele segue o exemplo dos papas Pio XII e João Paulo II, reduzindo o contingente italiano?
Se a Itália for a gigante no colégio cardinalício, então América Latina é a Cinderela. Esta região tem mais de 40% dos católicos do mundo, mas nunca havia tido 20% do Colégio dos Cardeais.
Atualmente, a América Latina tem apenas 14 cardeais, 13% do colégio. Portanto, o Papa Francisco tem a oportunidade de refazer a liderança da Igreja no continente que ele conhece melhor. Mesmo se ele se mantiver coerente com os números históricos, o papa poderia facilmente apontar de 8 a 10 cardeais na América Latina. Então, é possível que, ao menos, a metade dos cardeais seja desta região. Se ele seguir o exemplo de João Paulo II, que reduziu o contingente italiano de forma a aumentar o número de cardeais da Europa oriental, Francisco poderá ir além.
Se o papa seguir as tendências históricas, haverá poucas nomeações no resto do mundo. A Europa ocidental tem, hoje, 18% do colégio, o que significa que poderá ganhar alguns poucos cardeais.
Os EUA, o continente asiático, a África e a Europa oriental têm, tradicionalmente cada um, 10% do colégio. Isso significa somente um novo cardeal para cada um deles.
Os arcebispos dos EUA mais prováveis de se tornarem cardeais são Dom Charles Chaput, da Filadélfia, ou o Dom Jose Gomez, de Los Angeles, porém estes poderiam facilmente ser suplantados este ano, já que seus predecessores, os cardeais Justin Rigali e Roger Mahony, estão ainda abaixo dos 80 anos de idade. Raramente a Igreja tem dois cardeais abaixo de 80 anos oriundos de uma mesma diocese. Isso irá significar que os EUA fiquem sem chapéus vermelhos neste ano.
Finalmente, o papa irá provavelmente nomear, pelo menos, dois novos cardeais para a Cúria Romana, o novo secretário de Estado e o prefeito para a Congregação para a Doutrina da Fé. Como já argumentei alhures, isso seria um grande erro. A Cúria Romana jamais será verdadeiramente reformada na medida em que seus membros sejam feitos bispos e cardeais. Ela irá continuar a agir como uma corte papal, em vez de agir como um serviço civil trabalhando para o papa e para o colégio dos bispos.
Ainda em 1939, quase a metade dos cardeais eram membros da Cúria. Pio XII reduziu este número para 24%. João XXIII elevou ao número de 37%, mas Paulo VI voltou para a casa dos 27%, e João Paulo II voltou aos 24%. A Cúria recuperou o terreno sob Bento XVI, papa que deixou os cardeais da Cúria na casa dos 35% de eleitores no conclave do último ano. Aqui, Papa Francisco precisa imitar o Papa Pio XII e João Paulo II, e não João XXIII e Bento XVI.
Apesar da absoluta discrição dos papas na nomeação dos cardeais, a tradição tem peso forte em suas escolhas. Por exemplo, quase todos dos seus indicados serão arcebispos nomeados sob o pontificado de Bento XVI ou de João Paulo II. Levarão anos para ele nomear seus próprios arcebispos, cardeais.
Esperamos que o mês de fevereiro não seja a única chance do Papa Francisco de criar novos cardeais. Neste ano, outros 10 cardeais farão 80 anos de idade, seguido de outros 5 em 2015 e 13 em 2016. Portanto, ao final de 2016, sem contar com mortes, ele poderá substituir 42 membros do colégio.
Tudo isso pressupõe que o Papa Francisco irá observar o limite canônico de 120 cardeais com menos de 80 anos, idade na qual os cardeais perdem o direito de voto em um conclave. Ele poderá simplesmente acrescentar dois outros nomes, já que mais dois cardeais irão fazer 80 anos em março. Ele poderá nomear ainda mais outros, se seguisse o exemplo de João Paulo II, que elevou o número a 135 em 2001. Dada a vontade do Papa Francisco em quebrar a tradição e ignorar o direito canônico, não me surpreenderia em vê-lo nomear mais do que 14 cardeais. Isso lhe permitiria fazer mais cardeais ao redor do mundo.
Passarão muitos anos, é o que esperamos, antes de sabermos se um dos novos cardeais será o próximo papa. O certo é que eles terão uma profunda influência sobre o futuro da Igreja.
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Entre os cardeais a serem nomeados pode estar incluído futuro papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU