20 Dezembro 2013
O embaixador especial da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Eliminação da Hanseníase, Yohei Sasakawa, lamentou hoje (18) o fato de o Brasil ainda não ter atingido o patamar estabelecido pelo organismo para erradicação da doença, que é menos de um caso da doença a cada 10 mil habitantes. Ao lembrar os avanços da ciência, que garantiram tratamento e cura, ele enfatizou que é preciso intensificar os esforços para atacar a doença, marcada pela discriminação e pelo estigma.
A reportagem é de Thais Araujo, publicada pela Agência Brasil, 18-12-2013.
"O Brasil é um país capacitado para sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas é o único que não conseguiu eliminar a doença. É uma questão muito estranha", disse o embaixador, durante solenidade, na Câmara dos Deputados, da qual também participaram integrantes da Frente Parlamentar de Erradicação da Hanseníase e Doenças Elimináveis.
Sasakawa destacou, por outro lado, o empenho do Brasil para garantir o pagamento de indenização a pacientes que foram segregados em razão da doença. "Neste aspecto, o Brasil é o país mais adiantado e deve servir de modelo para o mundo", acrescentou.
De acordo com o Ministério da Saúde, a meta é eliminar a hanseníase - menos de um caso para cada 10 mil habitantes - até 2015. "Para a eliminação da hanseníase é necessário a execução de ações programáticas, como diagnóstico, tratamento, vigilância dos contatos, prevenção de incapacidades e reabilitação física, além da educação em saúde. Atualmente, essa endemia atinge cerca de 29,3 mil pessoas em tratamento no país. A doença tem cura e o tratamento é gratuito pelo SUS", informou a pasta.
Conforme o ministério, país registrou cerca de 33 mil casos novos em 2012, queda de 32,6% em comparação a 2002, quando foram identificados 49 mil novos casos. "De acordo com a Organização Mundial da Saúde, Sudão do Sul e Libéria também são países que buscam eliminar a carga dessa endemia", diz, acrescentando que, neste mês, foram repassados R$ 15,6 milhões a 40 municípios para o combate da doença – essas cidades respondem por cerca de 24% dos casos novos de hanseníase. Em março, uma campanha fez diagnóstico de casos suspeitos de hanseníase em escolas públicas, quando 9,3 milhões de estudantes em cerca de 750 municípios.
Para o deputado Nilmário Miranda (PT-MG), coordenador da frente parlamentar, ainda que o Brasil seja referência na reparação às violações de direitos humanos, é já pague indenizações a ex-pacientes, é preciso avançar mais e estender essa reparação aos filhos que foram separados dos pais que tinham hanseníase até a década de 1980. O isolamento de pessoas com a doença, imposto oficialmente pelo governo, durou pelo menos 40 anos.
No fim da década de 1940, uma lei federal determinou o afastamento compulsório de recém-nascidos filhos de vítimas da doença, o que provocou a separação de milhares de famílias. Muitos dos filhos desses pacientes, nascidos nos chamados leprosários, foram abandonados à própria sorte ou levados para unidades conhecidas como preventórios.
"Temos que trabalhar em duas frentes: na erradicação da doença e pela reparação dos direitos humanos também dos filhos, na medida em que se retirou dessas crianças o direito do convívio familiar, tendo sido internados em condições de alta violação [de direitos]. Isso tem que ser reparado", disse.
A Comissão Nacional dos Filhos Separados pelo Isolamento Compulsório calcula que o número de brasileiros nessa situação possa chegar a 40 mil. Em agosto, o governo anunciou que pretende indenizar os filhos separados dos pais em decorrência da doença.
Após a solenidade na Câmara, representantes do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e filhos que viveram a separação compulsória foram recebidos pela ministra Maria do Rosário, na sede da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Ela assinou o Apelo Global contra a Hanseníase, movimento que reúne diversas entidades internacionais e manifesta o compromisso de luta contra a discriminação global das pessoas atingidas pela hanseníase.
O coordenador do Morhan, Arthur Custódio, que também participou do ato na secretaria, defendeu a intensificação das campanhas ligadas à doença no Brasil, para garantir que a população saiba identificar os sintomas e procure atendimento médico para identificar precocemente os sintomas. Ele lembrou que são registrados cerca de 33 mil novos casos a cada ano no Brasil, o que faz com que o país, em números absolutos, fique atrás apenas da Índia que, com uma população cinco vezes maior, tem 127 mil novos casos por ano.
"Além disso, a distribuição dos casos pelo território brasileiro é irregular e acompanha o mapa da pobreza, com maior incidência nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O problema é que temos percebido que as pessoas estão tendo diagnóstico mais tardio e, em decorrência, ficando com mais sequelas. Por isso, é fundamental fazer mais campanhas que alertem a população sobre a importância de buscar atendimento médico assim que surgirem os sintomas ", disse. Estudos indicam que, se a doença for logo diagnosticada, a cura pode chegar a mais de 80% dos casos.
A goiana Marísia da Silva, de 47 anos, foi levada a um preventório, junto com suas três irmãs, aos 5 anos de idade, quando seu pai foi diagnosticado com a doença. Ela permaneceu no local, sem qualquer contato com outros parentes, até a adolescência. Hoje, ainda precisa de tratamento psicológico para superar o trauma.
"Foram anos de muito sofrimento, uma verdadeira tortura, porque a gente não entendia direito o que estava acontecendo e não podia chorar, abraçar, dar um beijo no nosso pai. Coisas simples que a maioria dos filhos faz, nos foi negado", contou Marísia, que há cerca de três anos foi diagnosticada com a doença. "Eu passei pelo tratamento, já estou na fase final, mas não preciso ficar longe das minhas filhas. Isso não tem preço", acrescentou.
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa crônica que atinge, principalmente, a pele e os nervos dos braços, mãos, pernas, pés, rosto, orelhas, olhos e nariz. O tempo entre o contágio e o aparecimento dos sintomas varia de dois a cinco anos. Se for logo diagnosticada, a cura pode chegar a mais de 80% dos casos. Os sintomas mais comuns são manchas brancas, vermelhas ou marrons em qualquer parte do corpo, com alteração da sensibilidade, caroços, algumas vezes avermelhados e doloridos, perda de sensibilidade ao calor, à dor e ao tato, febre, edemas e dores nas juntas. O tratamento pode durar de seis meses a um ano e é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
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Embaixador da OMS lamenta que Brasil ainda não tenha eliminado hanseníase e pede esforços - Instituto Humanitas Unisinos - IHU