17 Dezembro 2013
"Sabe-se que o mundo está crise. Os líderes mundiais não têm imaginação para propor uma agenda esperançosa. Salvo honrosas exceções, estão escravizados pelas engrenagens do sistema.", escreve Valdecir Luiz Cordeiro, professor de Teologia na FAJE e no Centro Loyola de Espiritualidade e Cultura, em artigo publicado no portal da Editora Paulus, 11-12-2013.
Eis o artigo.
A Pontifícia Academia de Ciências realizou, dia 07 de dezembro, o seminário “A emergência das pessoas socialmente excluídas”. A novidade é que o Papa Francisco convidou os movimentos sociais para as conferências. Participaram, com passagens pagas pelo Vaticano, entre outros, o advogado argentino Juan Grabois, representante do Movimento dos Catadores de Papel de Buenos Aires, e o economista e ativista social brasileiro João Pedro Stédile. Assim, evidencia-se que o Papa representa o compromisso com os trabalhadores e sinaliza que a Igreja quer ouvir o ponto de vista dos excluídos, não apenas as suas instâncias burocráticas e os cientistas renomados.
O website da Academia informa que o seminário refletiu sobre a emergência de um novo sujeito socialmente excluído. Trata-se de “uma massa humana que normalmente se instala nas periferias geográficas das cidades, criando moradias informais e movimentos populares com seus próprios líderes, pessoas que são capazes de procurar e organizar parcialmente o trabalho remunerado, mas de um tipo que normalmente não é reconhecido pelos órgãos governamentais ou associações tradicionais”.
O Papa traz para o debate acadêmico as pessoas que emergem dos escombros das sociedades surgidas nesta fase do capitalismo globalizado. Sabe-se que o mundo está crise. Os líderes mundiais não têm imaginação para propor uma agenda esperançosa. Salvo honrosas exceções, estão escravizados pelas engrenagens do sistema. Mais de 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo. A ideologia do livre mercado deixa ao relento dois terços da população mundial. Por isso, os líderes populares afirmam que não bastam ações cosméticas, com a finalidade de salvar o sistema injusto. É necessário mudar. Alguns dados apresentados no seminário corroboram este sentimento.
Concretamente, toda pessoa tem que ter direito a trabalho, pois sem trabalho ninguém se realiza. Mas o número de pessoas excluídas do mercado de trabalho já ultrapassa o dos trabalhadores representados por sindicatos. 70% dos trabalhadores indianos e filipinos e 40% dos trabalhadores asiáticos e latino-americanos são empregados no mercado informal. No Brasil, o emprego formal melhorou nos últimos anos, passando de 45,3%, em 2001, para 56% em 2011, um percentual ainda muito aquém do ideal.
Toda pessoa tem que ter direito a moradia. Mas na realidade há mais de 200 mil favelas no mundo hoje. Toda pessoa tem que ter direito a educação de qualidade, que forme para a liberdade, para além do mero treinamento de operários para o sistema.
J. P. Stédile lembrou que sem estas três coisas o discurso cristão, baseado nos valores de solidariedade, de igualde, de fraternidade, se torna vazio, um discurso hipócrita. Talvez seja o caso de certos seguimentos da sociedade brasileira, que se fazem ouvir na velha mídia, exigindo educação de qualidade e que tudo funcione conforme o padrão Fifa, ao mesmo tempo em que encampam verdadeira guerra contra os pobres, e não abrem mão dos juros e outros privilégios.
A iniciativa do Papa Francisco vem em boa hora. A Igreja precisa se abrir. Como comunidade de pessoas livres e criadoras (Cf. Gl 5,13ss), tem a missão de levar esperança para as pessoas. Por isso, precisamos ouvir os povos (Cf. Ex 3,7; Mt 9,36), aprender com eles, e defender os trabalhadores, escutar seus clamores, reconhecer e apoiar suas lutas.