11 Novembro 2013
Se houvesse necessidade de se provar o quanto o Papa Francisco capturou o interesse da mídia global, o fato de que durante a semana passada, dentre todas as outras coisas, um Sínodo dos Bispos emergiu como uma notícia “atraente” poderia servir para isso.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 08-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu cobri oito sínodos, do começo ao fim, e, embora todos eles tenham sido interlocutores úteis, nenhum até agora realmente atingiu o mundo como uma tempestade. Geralmente, eles são histórias internas, cobertas por especialistas e ignoradas por praticamente todo o resto.
No entanto, na quarta-feira, eu realmente me encontrei na CNN usando os termos lineamenta e instrumentum laboris, pedaços de vocabulário sobre um sínodo, algo que eu juraria que nunca sairiam da minha boca na televisão comercial. (Os termos referem-se, respectivamente, a um documento de discussão inicial preparado para um sínodo, geralmente com um ano ou mais de antecedência, e a um documento de trabalho para a reunião em si, elaborado com base nas reações ao primeiro trabalho.)
A fermentação neste momento se deve em grande parte a um conjunto de 38 perguntas divulgadas pelo Vaticano para o Sínodo, incluindo questões polêmicas como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o divórcio e a contracepção. Por um lado, as pessoas parecem surpresas pelo fato de o Vaticano estar realmente pedindo opiniões; por outro, dada a reputação de Francisco como dissidente, há uma tendência natural em alguns setores a se perguntar se essas questões são um prelúdio para a revolta.
Com isso, algumas breves perguntas e respostas sobre o Sínodo.
Solicitar informações é algo novo para o Vaticano?
Ao menos teoricamente, não. Como sugerido acima, o escritório do secretário para o Sínodo dos Bispos, no passado, elaborou um documento que define o terreno para um sínodo, chamado lineamenta, e enviou-o para as conferências episcopais, ordens religiosas, e outros participantes, pedindo para que este fosse estudado e comentado. O documento geralmente inclui um conjunto de perguntas para reflexão não tão diferentes das divulgadas nesta semana.
As instruções que acompanham o lineamenta geralmente convidam as conferências episcopais a medir a temperatura das bases antes de elaborar suas respostas, da forma que pareça mais adequada a elas, de modo que haja ao menos uma referência à participação popular. Desta vez, o escritório do Sínodo não lançou um lineamenta completo, mas sim um "documento preparatório” mais resumido, porém o impulso é o mesmo.
Assim, quando o porta-voz do Vaticano, o padre jesuíta Federico Lombardi, disse nesta semana que a solicitação de opiniões faz parte da “prática habitual” de um Sínodo, ele estava certo, mas para ser honesto, às vezes, tem sido uma prática mais honrada na violação do que na observância. Você teria que fazer bastante esforço para encontrar um católico comum que se lembre de ter sido perguntado sobre seus pontos de vista em sínodos anteriores, mesmo que, teoricamente, isso sempre tenha feito parte do combinado.
Se há um contraste real com as práticas do passado, provavelmente não é tanto pelo fato de o Vaticano estar fazendo perguntas, mas sim porque as pessoas parecem preparadas para acreditar que Francisco está realmente interessado nas respostas.
Os católicos têm de esperar para serem convidados a dar sugestões?
Certamente não, um ponto confirmado na terça-feira durante uma coletiva de imprensa no Vaticano com o arcebispo Lorenzo Baldisseri, o novo secretário do Sínodo dos Bispos, que disse que os fiéis comuns podiam escrever diretamente para o seu escritório e que as suas contribuições serão consideradas na elaboração dos materiais sinodais.
O cânone 212 do Código de Direito Canônico afirma que "os fiéis tem a faculdade de expor aos Pastores da Igreja as suas necessidades, sobretudo espirituais, e os seus anseios". Sob essa ótica, ninguém é obrigado a esperar por um questionário formal para desabafar. Na verdade, os católicos geralmente não são tímidos ao exercer esse direito.
Então o processo é basicamente "mais do mesmo"?
Novamente, não. Concentrar-se no questionário faz com que se perca a novidade real, que é que, pela primeira vez, um Sínodo está sendo organizado como dois eventos em um: um "Sínodo extraordinário" em 2014 para recolher ideias e propostas iniciais, e, em seguida, um "Sínodo ordinário" em 2015 para adotar as soluções propostas a serem apresentadas ao papa.
Em parte, essa decisão saiu do primeiro encontro entre o papa e o seu grupo de oito cardeais de todo o mundo, no início de outubro, em que o desejo de uma forma mais participativa e mais bem pensada do processo sinodal foi um dos tópicos prioritários. Uma das conclusões foi a de que é preciso haver uma lacuna entre as discussões e a elaboração de propostas, de forma a que os participantes reflitam sobre o que ouviram e solicitem as reações de outras fontes.
Esse intervalo de um ano entre debate e conclusões, obviamente, convida todo o mundo católico, e não apenas os mais ou menos 300 participantes reunidos na sala do Sínodo, em Roma, a entrar em ação.
Quando Baldisseri referiu-se na terça a alterações "metodológicas" projetadas para tornar o Sínodo "uma ferramenta real e efetiva para a comunhão", isso é provavelmente uma grande parte do que ele tinha em mente.
Sob essa ótica, meia palavra basta: o encontro de outubro próximo não é um momento "vai ou racha" para quaisquer novas abordagens que Francisco possa enfim lançar com relação às famílias. É mais um ato de abertura, com o principal evento vindo em seguida, em 2015.
Convocar esse encontro significa que Francisco está contemplando mudanças radicais na doutrina da Igreja sobre a família?
Tudo depende do que se entende por "radical".
Se alguém está esperando que o papa vai jogar pela janela a doutrina existente sobre questões polêmicas como o casamento gay ou o controle de natalidade, eles provavelmente vão se decepcionar. Lembre-se que, quando Francisco foi perguntado, no avião papal do Brasil para Roma, sobre as suas opiniões pessoais sobre o aborto e o casamento gay, ele disse que elas são as visões da Igreja, porque ele é um "filho da Igreja".
O Vaticano vem tentando minimizar as expectativas de revolução nesse sentido. Na coletiva de imprensa de terça-feira, por exemplo, o arcebispo italiano Bruno Forte, que vai desempenhar um papel de liderança no Sínodo, disse que este não foi convocado para "discutir questões doutrinais", mas sim para examinar a prática pastoral.
Em geral, o impulso das perguntas não é perguntar às pessoas sobre os seus pontos de vista sobre o conteúdo do ensinamento da Igreja, mas sim como ele pode ser melhor apresentado e como melhor trazê-lo até o nível de "varejo".
No entanto, há outras duas áreas em que o papa sinalizou abertura para alterações substanciais, e ambas parecem destinadas a figurar com destaque nas discussões do Sínodo.
A primeira diz respeito aos católicos divorciados em segunda união, incluindo a questão de admiti-los aos sacramentos. Também no avião papal em julho, Francisco chamou o presente momento de um "kairós" para a misericórdia, conectando essa percepção à situação dos fiéis divorciados e recasados, e deu a entender que estaria aberto a examinar a prática ortodoxa de abençoar um segundo casamento sob certas circunstâncias.
Como Francisco colocou o tema sobre a mesa – baseando-se, aliás, em Bento XVI, que em duas ocasiões referiu-se ao cuidado pastoral dos fiéis divorciados e recasados como uma "questão em aberto" –, os participantes sinodais provavelmente vão se sentir fortalecidos a expor os seus pontos de vista.
A segunda tem a ver com a anulação, ou seja, a declaração formal dada por um tribunal da Igreja estabelecendo que um casamento nunca existiu. Durante anos, alguns teólogos e canonistas têm argumentado que as tendências na cultura moderna seduzem as pessoas a se casarem mais como uma experiência do que como um compromisso de vida real, levantando questões sobre se elas são realmente capazes de consentir com o casamento, o que o direito canônico estabelece como um requisito para a sua validade.
Dentre outras coisas, é possível que os participantes do Sínodo possam pressionar por revisões ao processo de anulação, com a intenção de torná-lo menos complicado e árduo – justificado, talvez, como parte do esforço de se aproximar daquelas que o documento do Sínodo se refere como “pessoas feridas”.
Essas duas possíveis zonas de reforma podem não ser tão brilhantes do ponto de vista midiático, mas para os milhões de católicos de todo o mundo, pessoalmente afetados por eles, elas seriam de fato relevantes.
Alguma outra coisa que devamos saber?
Lembre-se de que um sínodo de bispos não é o ramo legislativo da Igreja Católica, por mais tentador que seja pensar nele nesses termos. Em última análise, um sínodo apenas faz recomendações ao papa, e cabe a ele decidir o que fazer.
O cânone 331 diz que o papa “goza na Igreja de poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal”, o que basicamente significa que a bola sempre para nas suas mãos. É claro, Francisco tem dito repetidamente que a Igreja precisa de um estilo mais colegial e sinodal de tomada de decisão, por isso ele certamente pode aceitar qualquer contribuição que lhe pareça séria – mas, no fim, ainda mais importante do que aquilo que vai emergir no Sínodo é o que está na sua cabeça.
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Quando o Sínodo se torna ''atraente'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU