Por: Cesar Sanson | 04 Outubro 2013
A participação na eleição de 2014 dos jovens que emergiram das ruas durante as manifestações não será proporcional à mobilização provocada no auge dos protestos de junho.
A reportagem é de Fernando Taquari, Fábio Brandt, Guilherme Serodio e Renata Batista e publicada pelo jornal Valor, 04-10-2013.
O Rio é a praça que mais aproxima os protestos das ruas. Em São Paulo e Brasília algumas das principais lideranças do movimento rechaçam de forma veemente a possibilidade de capitalizar o apoio conquistado junto à população para se filiar a um partido e participar da campanha eleitoral do ano que vem. A resistência evidencia o descrédito da juventude brasileira com o sistema político nacional. A aversão já tinha ficado explícita durante os protestos, quando manifestantes queimaram bandeiras de diversos partidos em atos pelo país.
Neste aspecto, a situação no Brasil é oposta ao que ocorreu no Chile após as manifestações estudantis de 2011 e 2012. Muitos líderes que organizaram a revolta por uma reforma no sistema educacional do país vão disputar as eleições parlamentares do dia 17 de novembro. Nomes como Giorgio Jackson, Francisco Figueiroa e Camila Vallejo, tida como a musa da primavera estudantil, vão tentar abrir caminho em um Congresso dominado pelos mesmos políticos há duas décadas. As eleições no Brasil, no entanto, caminham em sentido contrário.
Considerado como um dos principais responsáveis pelo recuo dos governos no aumento das tarifas de ônibus, metrô e trens, o Movimento Passe Livre (MPL) não filiou nenhum integrante para a campanha de 2014. Foi além. Quem concorrer a algum cargo público será automaticamente excluído do grupo. "Não acreditamos na via institucional. Não adianta ser mais um lá dentro (Congresso). O Estado e o sistema eleitoral estão moldados para blindar os interesses capitalistas", diz Mayara Vivian, estudante de 23 anos de Geografia e uma das principais porta-vozes do MPL durante as manifestações. "Acreditamos na ação direta e na pressão popular. Os protestos mostraram que somos capazes de pressionar os governos".
Pablo Capilé, gestor do Fora do Eixo, e Bruno Torturra, coordenador de comunicação do FDE, e face da Mídia Ninja já negaram em redes sociais a hipótese de concorrer no próximo ano.
O filósofo Vladimir Safatle, professor na Universidade de São Paulo (USP), afirma que os jovens e a população de um modo geral estão conscientes de que o Legislativo vive um estado de "putrefação e imobilismo". "A volta do Renan Calheiros à presidência do Senado após ser acusado de corrupção não é um acidente de percurso. Representa a essência desse processo de esgotamento", declara.
Além disso, Safatle diz que as eleições no país perderam legitimidade e estão no "limite da farsa" ao exigir dos candidatos uma mobilização enorme de recursos. "Essas distorções no sistema permitem que os mesmos atores políticos se perpetuem no Poder. A melhor ideia que surgiu dos protestos foi a da Assembleia Constituinte, que foi descartada em 24h".
Após algumas investidas, o filósofo aceitou o convite para se filiar ao PSOL. Aos 40 anos, é mais um ideólogo das manifestações que uma de suas lideranças. Descarta qualquer possibilidade de tentar um mandato na Câmara ou no Senado. Sobre as especulações de que poderia concorrer ao governo de São Paulo, Safatle afirma que ainda é prematuro para realizar o debate. Apesar disso, assume discurso de candidato ao dizer que falta ao Brasil um partido de esquerda que faça um contraponto ao modelo de governo do PT e do PSDB. O filósofo enfatiza a necessidade de uma "reforma fiscal de esquerda que corrija as injustiças dos impostos concentrados no consumo, que penalizam os mais pobres". Também defende que os conselhos consultivos no país tenham poder de deliberação e veto.
Líderes de partidos que participaram das manifestações concordam que não surgiu dos protestos nenhum nome capaz de levar para a eleição o sentimento de indignação que tomou conta das ruas. O presidente nacional do PSTU, Zé Maria, afirma que o PSTU conseguiu filiar cerca de 500 pessoas após as manifestações, em sua maioria jovens, mas acha "pouco provável" que esses novos filiados sejam candidatos em 2014. O primeiro motivo é que o partido é "muito rígido". "Precisa ter compromisso com o projeto e o programa do PSTU. Além disso, não tem vantagem. Se você ganha, seu salário fica com o partido e você recebe um salário de trabalhador".
Em Brasília, nenhum novo líder é identificado. Para o jornalista Edemílson Paraná, integrante do grupo Brasil & Desenvolvimento, que organizou alguns dos protestos na capital, as manifestações foram positivas, mas foram avessas às instituições. Segundo Paraná, integrantes de seu grupo viajaram para o Rio e Fortaleza (CE) durante os protestos e não detectaram o surgimento de manifestantes interessados em entrar na política. O que ele percebe é que eventuais candidatos relacionados aos protestos já faziam vida partidária anteriormente.
O Brasil & Desenvolvimento foi formado por estudantes UnB em 2008 para discutir "soluções para o país dentro de uma perspectiva acadêmica". Em abril de 2013, pouco antes das manifestações, o grupo entrou em bloco para o PSOL. "Não entramos pensando em ter candidato. Mas percebemos que, atuando fora da institucionalidade, deixamos de participar de discussões importantes, como é a eleição", afirma Paraná. Apesar do pouco espaço dado nas manifestações para os partidos e os candidatos, Paraná também aposta que os protestos foram positivos para o crescimento do grupo. Ele diz que, depois que os protestos esfriaram, o Brasil & Desenvolvimento passou a organizar debates em praças públicas em Brasília e conseguiu até usar camisetas do grupo e falar do PSOL, mas fora dos tumultos das manifestações.
No Rio, onde as manifestações nas ruas permanecem desde o mês de junho, os atos não foram coordenadas por um único movimento. Ainda assim, o Fórum de Lutas Contra o Aumento da Passagem, coletivo que organizou as maiores manifestações na cidade do Rio, sempre contou com a presença de militantes de partidos de esquerda. Um desses militantes, o estudante de direito da UFRJ, Julio Anselmo, já foi candidato à Câmara de Vereadores pelo PSTU na eleição de 2012. Líder do DCE da UFRJ, Anselmo acredita que a mobilização popular vai trazer mais votos aos partidos de esquerda em 2014.
O impacto das mobilizações já é verificado pelo PSOL-RJ. No Estado, o partido registrou quatro mil novas filiações nos últimos 12 meses. Desde junho foram 1100 novos nomes, principalmente de jovens até 28 anos, em um aumento de 60% em relação a igual período do ano passado. Para o presidente estadual interino do PSOL, Rogério Alimandro, o crescimento é uma consequência do momento político.
Os partidos no Rio também foram buscar a filiação de moradores de favelas que participaram dos protestos. O estudante Denis Nevis, um dos líderes da primeira passeata feita pelos moradores da favela da Rocinha nas ruas do Leblon, diz que muitos partidos o procuraram desde que a mobilização ganhou visibilidade. "Houve muita procura dos partidos após a primeira reunião com o governador, mas quando deixamos claro que o objetivo não era eleitoral, foi diminuindo", diz Nevis. "Na comissão de moradores da Rocinha, Vidigal e Chácara, ninguém cedeu ao assédio", acrescenta.
A intenção, dizem os líderes desses atos, é manter a característica apartidária do movimento. "Essa é uma posição muito fechada do grupo. Nós dialogamos com partidos, mas não nos envolvemos na política partidária", afirma a estudante de direito Simone Rodrigues, membro do movimento Rocinha Sem Fronteiras. Ela própria já foi sondada pelo PT ainda antes das manifestações. Simone não descarta a adesão a um partido, mas diz que só faria esse movimento após uma reforma política que acabe com as coligações, reduza o número de partidos, mude as regras de financiamento de campanhas e acabe com o voto de legenda, entre outros pontos.
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Manifestantes das 'Jornadas de junho' resistem à filiação partidária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU