02 Outubro 2013
"Meiner verehrungs- würdigen Großmutter", à minha venerável avó. A poesia de Hölderlin está entre as preferidas de Francisco, que a conhece de cor, em alemão. Bergoglio, o papa que veio do fim do mundo, gosta de citar versos escritos na língua do seu antecessor. E falou da sua avó, figura central da sua formação, também na Jornada Mundial da Juventude, relembrando os deveres com relação aos idosos sozinhos e doentes no lugar mais cheio de energia vital que se pode imaginar, a praia de Copacabana, onde três milhões de jovens tomavam banho de manhã e ouviam o pontífice romano à noite. (Aliás, Bergoglio foi professor de literatura: quando tinha 28 anos e lecionava no Colegio de la Inmaculada Concepción, em Santa Fé, em 1965, convidou Jorge Luis Borges, já célebre, para dar aulas aos seus estudantes: o maior poeta argentino aceitou o convite daquele jovem e desconhecido padre jesuíta, e se tornaram amigos).
A reportagem é de Aldo Cazzullo, publicada no jornal Corriere della Sera, 29-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É um Francisco vivo e verdadeiro que sai das páginas de Gian Guido Vecchi, no livro Francesco. La rivoluzione della tenerezza. Não é uma figura vista na TV ou elucubrada de longe; é um homem relatado em primeira mão nesses meses extraordinários em que ele revolucionou a figura e o ofício do papa.
Vecchi, aluno de Massimo Cacciari e do cardeal Carlo Maria Martini, vaticanista do jornal Corriere ainda com o Papa Ratzinger, conta ao leitor detalhes inéditos e interpretações autênticas das obras e das palavras de Francisco. O prólogo parte da Jornada Mundial da Juventude. A edição do Rio não foi como as outras. Foi uma viagem programática. Discursos e gestos compõem uma espécie de encíclica.
Antes, Francisco foi para Aparecida, o maior santuário mariano do mundo, onde, como presidente da reunião dos bispos latino-americanos, havia posto a primeira pedra do pontificado futuro, chamando a atenção, mais do que para os preceitos morais, para a evangelização e para os últimos, os marginalizados, os excluídos.
Depois, após os dois primeiros dias de repouso e de oração, o papa dirigiu aos jovens do mundo, escolhendo a imagem dos discípulos de Emaús que se afastam de Jerusalém depois da morte de Jesus: os fiéis que escapam da Igreja. Desse modo, Francisco fez a pergunta central da viagem ao Brasil e da sua estreia como pontífice: ainda somos uma Igreja capaz de aquecer o coração?
A sua reforma é, acima de tudo, de atitude. Pelo estilo e pela atitude, o seu ponto de referência, escreve Vecchi, é Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus. A imagem da Igreja como hospital de campanha – entregue ao mundo na entrevista à Civiltà Cattolica – em que os feridos devem ser cuidados sem "pensar no colesterol" já está em embrião nos discursos do Rio. Antes, o Evangelho, a misericórdia, a Igreja próxima. O resto, incluindo as proibições morais, vem depois.
Francisco fala aos bispos de "conversão" pastoral, a metanoia que, no grego dos Evangelhos, vem do verbo metanoein e, literalmente, significa "mudar de mente", de modo de pensar. A renovação da Igreja depende, acima de tudo, disso. Se os fiéis se afastam, exatamente como fizeram os discípulos de Emaús, é sinal de que "faz falta uma Igreja que não tenha medo de entrar na noite deles. Precisamos de uma Igreja capaz de encontrá-los no seu caminho. Precisamos de uma Igreja capaz de inserir-se na sua conversa. Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com aqueles discípulos, que, fugindo de Jerusalém, vagam sem meta, sozinhos, com o seu próprio desencanto, com a desilusão de um cristianismo considerado hoje um terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido".
A Igreja de Francisco não deve ser "autorreferencial", fechada em si mesma, composta por "puros", afetada pelo "clericalismo". A Igreja deve estar aberta ao mundo. Bispos e sacerdotes são chamados a se organizarem "para servir a todos os batizados e aos homens de boa vontade": uma expressão que inclui todas as pessoas, mesmo os crentes de outras religiões e os não crentes.
A espiritualidade do jesuíta é evidente quando ele adverte que, no "diálogo com o mundo atual", é preciso estar ciente de que "Deus está em todas as partes: é preciso saber descobri-Lo para poder anunciá-Lo no idioma de cada cultura". Buscar e encontrar Deus em todas as coisas, segundo um princípio fundamental de Santo Inácio de Loyola: porque " Deus trabalha e age por mim em todas as coisas criadas sobre a face da terra", como lemos nos Exercícios Espirituais.
Daí as palavras de Francisco aos bispos brasileiros: "Existem pastorais distantes, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais... obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho". Mas desse modo ignora-se a "revolução da ternura" provocada pela encarnação do Verbo. "Há pastorais estruturadas com tal dose de distância que são incapazes de atingir o encontro: encontro com Jesus Cristo, encontro com os irmãos".
Francisco defende a centralidade da misericórdia: para com os homossexuais, os perseguidos, os prisioneiros, os pobres das favelas. Assim também se explica o seu estilo, a escolha de passar no meio da multidão, correndo o risco de bagunçar o cerimonial e comprometer a sua própria segurança pessoal.
Isso aconteceu desde os primeiros dias do pontificado, com a caminhada entre as pessoas do lado de fora da Igreja de Sant'Anna, depois a missa. Aconteceu no Rio e vai acontecer de novo. Pense-se na cadeira vazia no concerto, com os políticos na segunda fila para a photo-oportunity que ficaram de boca aberta: "Eu não sou um príncipe renascentista, eu tenho que trabalhar". E também a decisão de renunciar ao apartamento papal, ou de levar sua mala pessoalmente.
Não é populismo: é proximidade com o povo. Assim ele se volta para Nossa Senhora Aparecida: "Tu, ó Mãe, não hesitaste, e eu não posso hesitar".
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A encíclica dos jovens - Instituto Humanitas Unisinos - IHU