07 Setembro 2013
Fotos: Luciano Gallas |
Para Mario Sergio Salerno, o Sistema Produtivo Brasileiro tem uma malha industrial diversificada, embora com lacunas importantes, conta com a ampliação dos serviços técnicos de apoio (entre os quais, serviços de metrologia, laboratórios técnicos e o funcionamento de centros de educação tecnológica) e possui um expressivo sistema universitário, ainda que elitista. Entretanto, ao mesmo tempo, é “baseado em mão-de-obra não qualificada, de baixa escolaridade, e na desvalorização do operariado e dos serviços ‘não universitários’ (ligados ao comércio, por exemplo). E uma indústria que ocupa pouca mão-de-obra qualificada, por definição, inova pouco”.
Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – USP e coordenador do Laboratório de Gestão da Inovação da mesma instituição, Mario Salerno considera que a inovação industrial passa tanto pelo nível de escolaridade dos trabalhadores quanto pelas decisões políticas tomadas nos gabinetes governamentais. O engenheiro proferiu a palestra Tecnologia e trajetória recente da política industrial brasileira na noite de quarta-feira, 04-09-2013, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A atividade integrou a programação do II Seminário preparatório ao XIV Simpósio Internacional IHU: Revoluções tecnocientíficas, culturas, indivíduos e sociedades.
Salerno tratou principalmente do tema da inovação tecnológica em sua abordagem. Para fazer sua análise, fixou inicialmente a definição de alguns termos, já que a palavra inovação contempla uma gama ampla de conceitos e possibilidades. “Patente é um direito previsto em lei e pressupõe uma invenção. Já a descoberta tem que ser reconhecida socialmente como tal. A inovação, por sua vez, pressupõe algo novo ou diferente que gera negócio. Portanto, ela se realiza no mercado e possui como principal agente a empresa, que pode ser privada ou estatal”, afirma o professor. Ainda assim, conforme entende o docente, o Sistema Nacional de Inovação é resultado de um conjunto de agentes e instituições, entre os quais as próprias empresas, as universidades e as agências governamentais, articuladas com base em práticas sociais.
Industrialização tardia
“O Brasil teve uma industrialização tardia e uma inovação hipertardia. Nós temos uma estrutura internacionalizada antes mesmo de ser industrializada”, ressalta o professor Mario Salerno. Foi durante o governo de Getúlio Vargas que foi construída a estrutura industrial brasileira, a partir da criação das indústrias de base de capital estatal. Entretanto, segundo Salerno, foi no governo Juscelino Kubitschek que o sistema produtivo moldou-se de fato, adotando as características básicas ainda hoje verificadas. Juscelino adotou uma prática de “internacionalização ao contrário”, atraindo empresas multinacionais, principalmente do setor automobilístico, e “limou as montadoras nacionais, substituídas pelas multinacionais que vieram para cá para produzir para o mercado interno sob o argumento de que as montadoras até podiam ser multinacionais, mas as autopeças eram nacionais”, pondera o engenheiro.
O docente ressalta que o desenvolvimento industrial do país não é fruto da ação isolada de empresas ou do mercado de forma geral, e sim consequência direta das políticas industriais implementadas pelos vários governos ao longo da trajetória histórica do país. Durante o período de ditadura militar, por exemplo, foram instaladas as indústrias químicas e farmacêuticas e criados os estudos de pós-graduação (nos anos 1970, financiados com recursos públicos). Ainda hoje, as empresas multinacionais, cujo poder de decisão está no exterior, dominam as principais cadeias de valor da indústria nacional. “As multinacionais trazem o projeto de produto das matrizes quase pronto, com pequenas adaptações”, enfatiza o engenheiro, sendo que o processo de inovação industrial se dá justamente em meio aos procedimentos de desenvolvimento do produto, os quais ocorrem na matriz da empresa.
Estratégias empresariais
Mario Salerno lembra duas estratégias empresariais típicas: a liderança em custo – caracterizada pela conquista de mercado a partir do menor preço e, portanto, do menor custo de produção, cuja estratégia tradicional está baseada na racionalização, na gestão da qualidade e nos salários baixos – e a diferenciação – caracterizada pela conquista do mercado a partir da inovação e diferenciação de bens e serviços, possuindo estruturas flexíveis, articulação em rede, mão-de-obra mais escolarizada e salários mais altos. O docente demonstra que a segunda estratégia impacta de forma mais positiva na geração de renda do que a outra.
O mesmo ocorreria com a inovação. “As inovações incrementais são a maioria. Elas capturam menos valor e estão muito ligadas a melhorias incrementadas no produto e no processo”. Por outro lado, “as inovações radicais são badaladas, dão prestígio, são mais raras, mais difíceis de acontecer e de gerenciar, implicam mais riscos, mas capturam mais valor”, destaca ele, para completar em seguida: “Todas as empresas que inovam radicalmente também inovam incrementalmente. De qualquer forma, a estratégia é inovar para gerar e capturar mais valor”. Salerno ressalta que empresas do Japão e da Coréia do Sul cresceram adotando uma das duas estratégias: ou ofereciam produtos com mais recursos do que aqueles já existentes no mercado ou ofereciam produtos com menos recursos (ainda que mantidos os principais) e mais baratos.
Desafios
Embora o governo Lula tenha retomado propostas consideradas por Mario Salerno como significativas em termos de políticas industriais com foco em inovação – entre as quais a expansão das universidades federais e das escolas técnicas, a criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI, a Lei de Inovação (Lei 10.973, de 2 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo) e a Lei do Bem (Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, que dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica) –, o engenheiro aponta alguns desafios importantes a ainda serem enfrentados pelo Brasil. Entre eles, estariam a articulação dos três níveis federativos, que segue aquém do desejado; a adequação institucional, que obedece a um modelo dos anos 1950 e1960, caracterizado como “cimento+aço”, e a dificuldade de implementação de ações interinstitucionais.
(Por Luciano Gallas)
Quem é Mario Salerno
Mario Sergio Salerno é graduado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP, mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, especializado em Inovação Tecnológica e Desenvolvimento pela University of Sussex, Inglaterra, e doutor em Engenharia de Produção pela USP. É professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP, onde coordena o Laboratório de Gestão da Inovação.
Para ler mais:
- Política de inovação brasileira deveria ser mais intensa. Entrevista especial com Mario Salerno publicada nas Notícias do dia, de 04-09-2013, no sitio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
- O trabalho mediado pelas inovações tecnológicas. Impactos e desafios. Entrevista especial com Mario Salerno publicada nas Notícias do dia, de 29-05-2013, no sitio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
- Inovação tecnológica para o desenvolvimento... mas de quem?. Reportagem publicada nas Notícias do dia, de 21-05-2013, no sitio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
- Os desafios da (re)industrialização. Artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo publicado nas Notícias do dia, de 03-04-2012, no sitio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
- A concentração do investimento e da produção em poucos setores. Entrevista com Mansueto Almeida na edição 338 da IHU On-Line, publicada em 09-08-2010.
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“Uma indústria que ocupa pouca mão-de-obra qualificada, por definição, inova pouco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU