03 Setembro 2013
Por sete anos, ele sofreu críticas e acusações. E nesse domingo, 24 horas depois do anúncio da demissão, ele reagiu com um amargo canto do cisne. "Houve tantos problemas, especialmente nos últimos dois anos. Lançaram acusações sobre mim... Um cruzamento de corvos e víboras... Mas isso não deveria ofuscar o que eu considero como um balanço positivo", desabafou o cardeal Tarcisio Bertone.
A reportagem é de Paolo Rodari e Maurilio Abela, publicada no jornal La Repubblica, 02-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia seguinte, o anúncio da destituição tem o sabor de um castigo. O purpurado que reinventou as viagens "em vez" do papa (Cuba, Croácia e inúmeros outros destinos nacionais e estrangeiros) encontra-se como "ex" justamente na enésima saída dos muros leoninos: o 60º aniversário das lágrimas da Nossa Senhora em Siracusa, ontem à tarde.
Foram acima de tudo essas viagens, incomuns para a aveludada e discreta diplomacia do outro lado do Tibre, que provocaram as primeiras desmentidas venenosas da hierarquia. Críticas que ele recebeu muitas vezes incrédulo.
"Virá o tempo em que serei eu a falar", disse Bertone em plena tempestade do Vatileaks, em 2012, quando as acusações de mau governo eram pesadas. O cardeal ainda detinha nas mãos as rédeas do poder, uma estrutura ao seu lado para defendê-lo e protegê-lo. Agora, esse aparato não existe mais, e Bertone encontra-se sozinho em um voo para a Sicília, estupefato pela falta de atestados de proximidade daquela velha guarda que lhe era vassala.
Certamente, ele nega que as coisas estejam assim. E confidencia: "A primeira palavra que Bergoglio me disse, sussurrando-a no meu ouvido, voltando à Sistina depois da vestição, foi: 'Agradeço-lhe pela sua fidelidade e lealdade'".
Em Siracusa, apenas o fiel secretário, padre Lech Piechota, está ao seu lado, mas ele não tem mensagens particulares para lhe comunicar. Sic transit gloria mundi. O homem mais poderoso do Vaticano deixa em torno de si mais silêncios do que declarações de elogio pelos anos recém-transcorridos. Sinal de que os 45 dias de interregno que o separam da rendição definitiva serão um parêntese de vazio para o purpurado acostumado a estar sempre no centro da ação.
Quando se tornou primeiro-ministro vaticano, em setembro de 2006, depois do diplomata Angelo Sodano, ele se apresentou como um secretário da Igreja e menos de Estado. "Mais Evangelho, menos diplomacia", foi o lema que diversos observadores lhe deram. Mas, ao contrário – se por culpas apenas suas ou também de outros é a história quem vai dizer –, ele não conseguiu ser plenamente nem uma coisa nem outra.
Depois de Siracusa, Fátima. Por ironia do destino, será outro evento "on the road" que manterá Bertone no seu posto até meados de outubro, uma prorrogação incomum para a Cúria Romana, devido à peregrinação internacional ao santuário português que o cardeal irá presidir em nome do pontífice nos dias 12 e 13 de outubro.
Em suma, essas viagens que tantas críticas têm atraído dentro da hierarquia não apenas vaticana, mas também da Igreja no mundo, caracterizam os seus últimos dias na sela da Secretaria de Estado, um salesiano que já tinha conquistado no ex-Santo Ofício a plena confiança de Ratzinger (ele era o secretário do importante dicastério), ocupando-se dos dossiês mais urgentes: as divergências com a teologia da libertação, o cisma de Marcel Lefebvre, o terceiro segredo de Fátima, as supostas aparições de Nossa Senhora em Medjugorje, o caso Emmanuel Milingo.
Mas esse seu "protagonismo" fez com que ele não fosse capaz de se proteger, uma vez ao lado de Bento XVI, das principais pedradas da última temporada eclesiástica. Em particular, os processos judiciais que envolvem o IOR, o banco vaticano para o qual Bertone se consumiu em excesso como presidente do Comitê de Vigilância.
Ele se consumiu bastante, com certeza, mas o tempo nem sempre é cavalheiro. Ao contrário. A última bofetada foi recentemente o deslocamento dos seus ex-fidelíssimos ministros das finanças vaticanas (os cardeais Giuseppe Versaldi, Giuseppe Bertello e Domenico Calcagno), que, juntamente com as declinantes fortunas do seu "patrono", buscaram e encontraram margem em Santa Marta. O Papa Francisco, de fato, soube envolvê-los na nova época de purificação e moralização da Cúria.
Nesse domingo, Bertone não falou deles. No entanto, no debate buscado e obtido com os jornalistas em Siracusa antes da missa, recentes feridas se reabriram, de certa forma. "Eu sempre dei tudo, mas certamente tive os meus defeitos. Se eu tivesse que repensar agora em certos momentos, eu agiria diferente", confidenciou.
E ainda: "Mas isso não significa que não se tenha tentado servir a Igreja. Até porque, por um lado, houve eventos que escaparam, até porque esses problemas estavam como que 'selados' dentro da gestão de certas pessoas que não se punham em conexão com a Secretaria de Estado".
Põe-se o sol em Siracusa. E Bertone também fecha a cortina sobre a primeira aparição pública depois do anúncio da demissão pedida em voz alta por aquela parte do colégio cardinalício que, durante o conclave, rompeu com o partido romano pressionando pela eleição de um papa chamado "do fim do mundo".
Poucas semanas atrás, um dos principais eleitores de Bergoglio, o arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, disse: "Espero que, depois das férias de verão, se concretize algum sinal a mais com relação à mudança na gestão". Ele não sabia que Francisco já tinha comunicado a Bertone a demissão durante a viagem ao Brasil. Depois, na semana passada, a audiência concedida a Sodano com o anúncio do retorno de um diplomata à liderança da Secretaria de Estado.
Bertone, nos últimos meses, havia desejado uma nova prorrogação, ao menos até o aniversário dos 79 anos, no dia 2 de dezembro. Não foi contemplado.