03 Setembro 2013
A matéria de capa da revista Galileu de setembro mostra uma série de problemas enfrentados por agricultores brasileiros relacionados ao uso de agrotóxicos. Denúncias como as presentes na revista mobilizaram cerca de 50 entidades e movimentos sociais, que incluem instituições como a Fiocruz, o Inca e o MST, em torno da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Nesta entrevista, o coordenador da campanha, Cléber Folgado, fala da pressão política pelo banimento de substâncias proibidas em outros países e sobre as disputas travadas pelo movimento contra o agronegócio e a indústria química.
A entrevista é de Tiago Mali, e publicada pela revista Galileu.
Eis a entrevista
Como começou a Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida?
Começou em abril de 2011, mas isso já é debatido faz tempo por movimentos sociais do campo. Nossa ideia é chamar atenção para os problemas de saúde, econômicos e ambientais que estão relacionados ao consumo excessivo de agrotóxicos no Brasil.
A proposta é banir todos os agrotóxicos?
São vários problemas que identificamos de pessoas com os agrotóxicos e também tem especialistas mostrando que não há nível seguro de exposição a eles. Então, o ideal seria não permitir mais usar agrotóxicos, mas é claro que isso seria gradual. É preciso primeiro passar por um processo de mudança de modelo de agricultura. Hoje o Brasil privilegia o agronegócio, dando muito mais crédito à monocultura para a exportação do que à agricultura familiar. Essa monocultura precisa de muito agrotóxico para ser produtiva; a agricultura familiar, não, pode usar técnicas de agroecologia.
A ideia primeiro é banir a utilização dos agrotóxicos perigosos já banidos nos outros países [desde 2008, a Anvisa começou a reavaliar se deixa no mercado 14 substâncias proibidas em outros países mas ainda liberadas no Brasil; dessas, até agora, apenas 5 tiveram resultados publicados, com 4 proibições]. O objetivo de não usar mais agrotóxicos na agricultura como um todo seria mais a longo prazo.
Daria para produzir alimento em quantidade sem eles?
Há uma falácia do agronegócio que diz que sem agrotóxicos não teria alimento barato para a população, que teria fome no mundo, a própria Kátia Abreu diz isso. Isso é uma mentira, uma chantagem. Hoje, a agricultura familiar produz 70% da comida que chega à mesa dos brasileiros, e faz isso com pouco veneno. De acordo com o Censo agropecuário do IBGE, apenas 30% das pequenas propriedades usam agrotóxico. Das grandes propriedades, são 80%. O que acontece é que a soja e o milho produzidos com muito agrotóxico acabam sendo exportadas como ração pra China. Se a agroecologia tiver os mesmos incentivos que os agrotóxicos, não vai subir o preço dos alimentos pro brasileiro.
E quais problemas de saúde chegam até a campanha?
Primeiro são as intoxicações agudas: aquelas imediatas, ou pela alimentação contaminada com algum resquício de agrotóxico ou por conta do camponês entrar em contato direto na hora em que está aplicando do produto. Isso é muito recorrente, vem muito trabalhador rural entrar em contato se queixando disso. Daí vem várias coisas: dor de cabeça, vômito, diarréia. Mas esse não é o principal problema. O principal problema são as intoxicações crônicas. São pequenas quantidades de agrotóxico que vão se acumulando no organismo ao longo dos anos e às vezes com 5, 10, 15 anos, isso varia de organismo para organismo, dá problema. Aí tem várias doenças. Por exemplo, infertilidade masculina, muito comum, ou má formação das crianças. Em Lucas do Rio Verde (MT) pesquisas encontraram até sapos com má formação. Um outro problema muito grave é o câncer.
Tem identificação de casos de câncer?
Na nossa avaliação, esse tem sido um dos principais problemas. Tem havido um crescimento absurdo dos casos de câncer no Brasil. Alguns dos agrotóxicos mais utilizados no país, como o glifosato, são cancerígenos. Nós temos identificado que nas regiões camponesas onde há um alto uso de agrotóxico, tem uma alta taxa de câncer.
Por exemplo?
Isso foi identificado no relatório do deputado federal Padre João. O Relatório, feito em 2011 dentro da Subcomissão de Seguridade e Família na Câmara, identificou que em Unaí (MG), uma das regiões com alta aplicação de agrotóxico, tem dados de constatação de casos de câncer muito superior à média nacional.
Mas há comprovação de que esses casos se devem aos agrotóxicos? Essa relação direta é difícil de estabelecer, não?
Há um problema aí, que gera discussão entre os cientistas. Por que, ao mesmo tempo em que tem profissionais da saúde que fazem essa relação, há outras pesquisas que dizem que não tem. Mas existem, sim, estudos mostrando um aumento de casos. Alguns deles estão no dossiê sobre os agrotóxicos da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Também há uma região no Ceará de alto uso de agrotóxicos, na chapada do Apodi, onde há pesquisas mostrando esse aumento de câncer na população. Além disso, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) divulgou um relatório que faz a relação entre o uso de agrotóxico e câncer no Brasil.
Como está a discussão do ponto de vista político?
Em 2011, tivemos um primeiro grande aceno do governo à nossa causa. Durante a marcha das Margaridas, a presidente Dilma anunciou que iria construir um grupo de trabalho interministerial para pensar o que ela chamou de plano nacional de enfrentamento dos agrotóxicos e dos seus impactos na saúde e no meio ambiente. A pauta, que ninguém queria assumir nos ministérios, ficou sob a responsabilidade do [ministro da Secretaria-geral da presidência] Gilberto Carvalho. Houve uma primeira reunião na qual ficou decidido que eles iam usar as informações do relatório aprovado pela subcomissão da Câmara, para pensar políticas sobre o tema dos agrotóxicos. O grande problema foi que não houve mais uma reunião depois disso.
Em que pé estão essas disputas de vocês?
É importante entender que a política do governo pra agricultura prioriza o agronegócio. É aquela coisa de dizer que o agronegócio é muito importante pra economia porque é responsável por 40% das exportações, informação, inclusive, questionável. Mas, enfim, dentro dos últimos governos andaram políticas que beneficiam o agronegócio em relação à utilização de agrotóxicos. Por exemplo, tivemos proibição de um tipo de pulverização aérea de agrotóxicos que afeta as abelhas, mas logo depois, o agronegócio conseguiu reverter a proibição.
Do ponto federal, nos últimos anos o agronegócio vem tendo vitórias e nós, derrotas. Nos municípios, temos tido algumas vitórias. Conseguimos alguns municípios do interior, no Espírito Santo, no Ceará, aprovar leis para proibir a pulverização aérea, a capina química no perímetro urbano. Em Rondônia usam agrotóxicos para matar plantas nas escolinhas, e conseguimos ter essa proibição. Há uma outra disputa muito importante em curso, sobre o órgão de avaliação de agrotóxicos.
Qual é essa disputa?
A liberação do agrotóxico hoje é de responsabilidade de três órgãos. Do ponto de vista da saúde, a Anvisa; do meio ambiente, o Ibama; e da eficácia agronômica, quem avalia é o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa). Cada um dos órgãos tem que dar um parecer. Em algumas audiências realizadas no Senado, a Anvisa diz que teve dificuldades de fazer o processo de avaliação porque o Ibama atrasa. O Ibama vem e diz que o problema é do Mapa, que diz que o problema é da Anvisa. Fica um empurrando a culpa por outro. Por conta disso, se iniciou um debate no Senado sobre a necessidade de criação de uma agência só para cuidar de agrotóxicos. E que essa agência ficaria sob responsabilidade do Mapa, que, querendo ou não, é o ministério do agronegócio no Brasil.
Eu participei de uma audiência pública dizendo o problema não era a atuação da Anvisa. A agência tem uma atuação séria, mas falta de profissionais. No Brasil, eram 46 pessoas pra cuidar isso enquanto nos EUA são mais de 800. Além disso, tem o problema das denúncias que foram feitas no ano passado.
As do Luiz Cláudio Meirelles, ex-gerente de toxicologia da Anvisa?
Isso. Ele constatou que havia uma pessoa dentro da agência que estava falsificando pareceres de aprovação de agrotóxicos e enviando isso pra empresas e para o Ibama pra acelerarem o processo no outro órgão. O Luiz Cláudio descobriu as irregularidades em agosto de 2012, e, até novembro, o presidente da Anvisa não havia feito nada. O Luiz Cláudio acabou colocando isso no Ministério Público e, em função disso é demitido. O resultado é que ficou fortalecida a ideia de que a Anvisa não está funcionando, o que ajuda na articulação de um órgão que centraliza as aprovações.Ficamos sabendo que a Casa Civil começou a montar um grupo interministerial pra pensar como construir essa agência única de agrotóxicos no país.
E essa agência única não seria mais eficiente?
Somos extremamente contrários à nova agência. Não achamos que o governo precisa inventar a roda. Não precisa inventar nada. Isso não vai resolver o problema, que está na estrutura que esses órgãos responsáveis hoje têm pra fazer os trabalhos deles. Eles não têm recursos para pesquisa, quase não têm profissionais destinados a essas áreas de avaliação. Uma nova agência seria, na verdade, um instrumento que vai tirar as atribuições da Anvisa pra facilitar liberação de agrotóxicos.
A Anvisa tem sido uma pedra no sapato do agronegócio porque tem tido papel importante na fiscalização e denúncia das contaminações de agrotóxicos. Também foi importante na reavaliação dos agrotóxicos já aprovados, mas que são muito perigosos, embora isso esteja demorando. A criação dessa agência avaliadora subordinada ao Mapa só serviria para facilitar a aprovação de mais substâncias perigosas. O que o governo precisa fazer é reestruturar a Anvisa. A legislação brasileira de agrotóxicos é boa. O problema é que a maior parte do que está no papel não é cumprido ou cumprido apenas pela metade, porque o Estado não oferece condições para as agências fiscalizarem.
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"Política do governo favorece agrotóxicos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU