Por: Jonas | 22 Julho 2013
“Acredito que as lutas democráticas contemporâneas, mais do que baseadas nas velhas antinomias (como o estatal/privado), localizam-se na expansão dos conceitos do público e o comum. Porque o público ultrapassa a distinção entre privado e estatal e o comum ultrapassa a distinção entre identidade e alteridade”, avalia o professor e pesquisador Luciano Sanguinetti, ex-decano da Faculdade de Jornalismo e Comunicação Social - Universidade Nacional de La Plata, em artigo publicado no jornal Página/12, 17-07-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Henry Jenkins, um dos mais importantes inovadores em matéria de novas tecnologias e educação, definiu em três conceitos a “grande transformação” da civilização contemporânea: a convergência dos meios de comunicação, a cultura participativa e a inteligência coletiva. Sobre estas trilhas o mundo se move hoje. Os meios de comunicação tradicionais (rádio, cinema, televisão, imprensa) do século XX estão se fundindo numa única plataforma de múltiplas linguagens, formatos, idiomas, estilos, que se cruzam e fluem, no século XXI, naquilo que chamamos de entorno digital. Contudo, esta convergência é ampliada e aprofundada com a expansão de diversos terminais de recepção: computadores, celulares, telões de rua, Internet, blogs, redes sociais, onipresentes e transversais. Em qualquer lugar e a qualquer momento suas mensagens nos alcançam. No carro, em casa, numa aula, no escritório, viajando na rodovia ou numa praça. Por outro lado, as últimas transformações sociotécnicas estão fortalecendo uma cultura participativa. O que significa isto? Que já ninguém contenta em ser espectador. Os que nos anos 1960 era uma performance das elites, como os happenings de Marta Minujin, pioneiros na Buenos Aires pop de poucos, hoje é massivamente desfrutado, consumido, divulgado, experimentado e criado. Como demonstraram os fãs do último Gran Hermano, os espectadores querem dirigir o jogo. E esse jogo pode correr pela rede como ir para as ruas, como nas mobilizações recentes no Brasil ou na Argentina. Por último, a inteligência coletiva. Pierre Lévy a advertiu, em princípios do século XXI, como uma diferença qualitativa na experiência do conhecimento. O saber é mais útil e profundo quando somos em maior número participando de sua construção. E essa construção, na medida em que é mais coletiva, é mais democrática.
Estas são as causas pelas quais desaparecem várias das distinções que organizaram nossos marcos de interpretação da ordem social: o culto e o popular, o estatal e o privado, o lar e o trabalho, o estudo e o ócio, o consumo e a cidadania. As políticas dos internautas, como sugere o título do último livro de Mario Carlón, tendem à autonomia. Ou seja, cada um quer decidir para onde dirigir seus esforços e seus desejos, sozinhos, acompanhados, em grupos, em comunidades, coletivamente, mas nunca em massa. Não compreender este processo é ir contra a história. Isto não significa supor que neste contexto hipermediatizado não haja disputas, nem conflitos. Tampouco nos permite imaginar que o mundo digital é transparente. Pelo contrário, o espaço dos fluxos, como já foi definido há tempo por Manuel Castells, volta a ser um campo de batalha. Agora, qual é o sentido das lutas democráticas atuais? Irei arriscar uma hipótese: acredito que as lutas democráticas contemporâneas, mais do que baseadas nas velhas antinomias (como o estatal/privado), localizam-se na expansão dos conceitos do público e o comum. Porque o público ultrapassa a distinção entre privado e estatal e o comum ultrapassa a distinção entre identidade e alteridade. Ao que mais me refiro?
Usemos estas categorias para pensar, por exemplo, a escola pública. Na Argentina, a educação é pública, com dois modelos de gestão: estatal ou privada. No entanto, é pública porque é um direito garantido pela lei e definido em suas políticas curriculares, seus conteúdos acadêmicos, suas prescrições pedagógicas, pelo Ministério da Educação da Nação e o Conselho Federal (que integram todos os ministros de Educação das províncias). No caso da província de Buenos Aires, a lei diz expressamente que “as crianças e jovens são sujeitos de direitos”, e a “educação e o conhecimento, um bem social e público”. Neste sentido, não importa quem o administre, o fundo da questão é que tem que estar garantido para todos os habitantes do território argentino.
Com o comum, referimo-nos ao que nos interpela como sociedade. O que é isso? Podem ser muitas coisas, mas se há algo que atravessa profundamente as sociedades contemporâneas é o “conhecimento”. É o conhecimento que define hoje o modo de desenvolvimento, da maneira como o chamou Manuel Castells: o modo informacional de desenvolvimento, motor da economia do mundo. O comum é hoje o conhecimento. E o conhecimento, na escola, nos meios de comunicação, no trabalho, na rua, é de todos, do contrário estaríamos novamente na barbárie, antes do pacto; porque o pacto social abre o caminho para o comum, apesar de nossas diferenças. Se buscássemos a identidade sozinhos, estaríamos negando a dialética da vida, se primássemos a alteridade, não haveria nós. No público existe mais do que o estatal e no privado deve existir menos exclusão. O que quero sugerir é que há uma correspondência entre as transformações na cultura dos meios de comunicação contemporâneos, que torna possível tantas interações, e o crescimento dos valores do público e do comum.
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O público e o comum na era digital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU