22 Julho 2013
Sejamos claros: a primeira viagem transoceânica de Francisco nos dias 22 a 29 de julho ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, será percebida quase certamente como um grande sucesso. Ele provavelmente irá atrair grandes e entusiastas multidões, o seu estilo livre e caloroso deverá se sair tão bem na estrada como em Roma, e a sua preocupação palpável pelos pobres deverá tocar cordas profundas em uma sociedade em que a justiça social é uma idée fixe.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 19-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além disso, em meio a um outono de descontentamento, os brasileiros parecem famintos por uma boa história para contar sobre si mesmos. Quando a palavra final for dada, a manchete dominante provavelmente será algo como: "Francisco traz paz e conquista corações".
Dito isso, toda viagem papal é uma viagem ao desconhecido, e Francisco enfrenta alguns riscos reais nessa viagem, alguns imediatos e de curto prazo, outros de longo prazo e mais difíceis de avaliar em meio à euforia.
Em termos de segurança e de controle da multidão, as autoridades do Brasil anunciaram que estão categorizando os eventos no itinerário do papa como "verde", "laranja" ou "vermelho", correspondentes ao nível de ameaça que eles acreditam que cada um deles apresenta. "Roubando" uma página da sua cartilha, vamos expor aqui diversos pontos de interrogação que se colocam diante de Francisco no Brasil em níveis ascendentes de seriedade.
Além do imaginário e dos roteiros tranquilizantes, dependendo da forma como o novo pontífice navegar por esses riscos, haverá um longo caminho para moldar o substantivo sucesso ou fracasso da viagem.
Riscos "verdes": percalços e protestos
As ruas do Brasil têm estado agitadas recentemente, e uma causa principal é a percepção de que o governo está gastando montanhas de dinheiro em eventos ostentosos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, enquanto os serviços públicos, como educação, saúde e transporte, definham.
Teoricamente, os brasileiros poderiam ver a Jornada Mundial da Juventude como outro caso em questão e jogar as suas frustrações contra o papa. Há ao menos três razões convincentes, no entanto, de por que isso parece bastante improvável.
Em primeiro lugar, há uma dinâmica básica em praticamente todas as viagens papais, independentemente do pontífice. Potenciais nuvens de tempestade, tais como o ressentimento acerca dos custos e da reação pública mista diante da mensagem do papa, dominam a cobertura prévia. Depois que ele aterrissa, as coisas saem melhor do que o esperado, e, por fim, a viagem é definida como um sucesso – em parte, é claro, porque ela é medida contra as expectativas de desastre que a mídia ajudou a criar.
Até agora, não há nenhuma razão para se pensar que as coisas não vão acontecer desse jeito desta vez também.
Em segundo lugar, Francisco chega com altos níveis de popularidade, assim como as percepções de que o seu coração está no lugar certo diante das preocupações que levaram os manifestantes brasileiros às ruas. Ele também se beneficia do frisson de ser o primeiro papa latino-americano da história a fazer o seu triunfal retorno à casa.
De certa forma, Francisco já alcançou o tipo de status moral icônico que envolve alguém como Nelson Mandela, e poucos movimentos dedicados à busca da justiça, de qualquer corrente, gostariam de acabar se dando mal com ele.
Em vez disso, os antagonistas nas tensões internas do Brasil parecem estar competindo entre si para ver quem consegue mostrar mais deferência e respeito.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, pediu recentemente que os manifestantes não joguem as suas queixas contra o papa, porque ele não é o culpado pelos "pecados dos políticos brasileiros". De fato, disse Paes, talvez Francisco os perdoaria se eles fizessem uma boa confissão. Os líderes das revoltas, por sua vez, disseram aos jornalistas que eles não têm intenção de incomodar Francisco, porque os seus ressentimentos não são dirigidos contra a ele.
Os ativistas que impulsionaram o povo para as ruas em junho anunciaram que vão realizar protestos nos dias 26 e 27 de julho no Rio de Janeiro sob o slogan "Papa, veja como somos tratados!". O pressuposto é de que Francisco é um farol moral que o fato de expor as falhas da classe política do país diante dos seus olhos poderia envergonhá-los a ponto de promover uma reforma.
Isso não é um agouro nada bom para os políticos, mas também não parece augurar nenhum percalço antipapal maciço.
Em terceiro lugar, não há nenhuma comparação em termos de quantidade de dinheiro público que está sendo investido em eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e a quantidade investida na semana da Jornada Mundial da Juventude.
Oficialmente, o governo brasileiro está derramando 13 bilhões de dólares na Copa do Mundo, e grande parte dessas despesas para instalar camarotes luxosos em estádios de futebol. Em contraste, os vários níveis do governo estão contribuindo com apenas 60 milhões de dólares com a Jornada Mundial da Juventude em subsídios de segurança e transporte. Assim que os brasileiros perceberem a disparidade, eles provavelmente ficarão muito menos propensos a amontoar a viagem papal junto com os outros objetos da sua manifestação.
Riscos "laranjas": segurança e manipulação
Sempre que um grande líder mundial aparece em público, incluindo o papa, sempre há um risco remoto de violência. Embora não haja nenhuma razão para se pensar que no Brasil isso é mais provável do que em outros lugares, também não há nenhuma razão para se pensar que no Brasil isso é menos provável.
Se algo acontecer, no entanto, não será porque o cobertor de segurança brasileiro não era grosso o suficiente.
O Ministério da Defesa anunciou um aumento no número de militares de plantão para 10.266, a partir de uma convocação inicial de 8500. Enquanto isso, as autoridades do Rio de Janeiro se comprometeram a encenar "a maior operação policial da história da cidade", deslocando 12 mil oficiais regulares e 1.700 membros de uma unidade de segurança de elite para a proteção do papa.
Somando-se a isso, há 24 mil soldados, policiais e especialistas em segurança. As autoridades vaticanas expressaram "total confiança" nos preparativos de segurança, e essa maciça organização de tropas provavelmente é parte do motivo.
Outro risco, e um risco que é mais difícil de ser evitado com o deslocamento de pessoas no campo, é que as palavras e os atos de Francisco possam ser explorados por diversos atores – políticos, ativistas, especialistas e meios de comunicação – para reforçar um lado ou outro nas batalhas internas do país.
Neste momento, grande parte do drama político no Brasil está focado no futuro da primeira presidente mulher do país, Dilma Rousseff. Há não muito tempo, a sua reeleição em outubro de 2014 parecia uma conclusão previsível, mas agora alguns acreditam que ela foi suficientemente enfraquecida a ponto de tornar as possibilidades mais abertas não só para um concorrente da oposição de centro-direita, mas, potencialmente, até mesmo dentro do seu Partido dos Trabalhadores de centro-esquerda. Uma pesquisa divulgada na última terça-feira constatou que o índice de aprovação de Dilma estava em 49%, contra os 73% de junho, antes do início dos protestos.
Como resultado, os brasileiros estarão acompanhando de perto o que vai acontece durante a viagem de Francisco, para ver se ela irá inclinar o campo de disputa em favor de alguém.
Eu perguntei a um veterano jornalista brasileiro qual será a reação se, por exemplo, Francisco disser algo genérico sobre a pobreza durante o seu primeiro encontro com Dilma Rousseff na próxima segunda-feira à tarde. Sem precisar pensar a respeito, aqui está o que ele disse:
No fim, pode haver pouca coisa que Francisco possa fazer para evitar um curto-circuito nesse tipo interpretação, a não ser evitar gestos ou linguagens partidários. No fim da viagem, no entanto, ainda há um risco de que ela possa acabar sendo um presente político para alguém – com o potencial de amargar e antagonizar o perceptível perdedor.
Riscos "vermelhos": missão e ecumenismo
Provavelmente, o risco mais sério que Francisco enfrenta é que a sua viagem será um triunfo de curto prazo, mas sem as consequências de longo prazo que ele sem dúvida deseja que ela tenha.
O Brasil é um bom termômetro para as tendências mais amplas que afetam a Igreja em todo o continente. Para se ter uma noção de quais elas são, aqui está a manchete de um novo estudo do Brasil divulgado pelo Pew Forum na última quinta-feira: "A mudança da paisagem religiosa do Brasil: Católicos romanos em declínio, protestantes em ascensão".
Como o estudo do Pew observa, o Brasil é o maior país católico do mundo, com uma população católica estimada em 123 milhões. O catolicismo tem sido a tradição religiosa dominante no país, e por um longo tempo basicamente a única, desde a época da colonização portuguesa no século XVI.
No entanto, a parcela católica da população vem caindo drasticamente nas últimas décadas e, ao longo dos últimos 10 anos, o número total de católicos começou a declinar também. Há um quarto de século, mais de 90% do Brasil eram católicos; uma década atrás, eram 74%; e hoje, são 65%.
Não é preciso um grande salto de imaginação para prever uma situação não muito distante em que os católicos no Brasil representem uma minoria estatística.
Os grandes vencedores dessa transição têm sido os protestantes, principalmente os evangélicos e pentecostais, que agora somam 42 milhões ou 22% da população. Os ganhadores também incluem os brasileiros sem nenhuma filiação religiosa, que no Ocidente nós provavelmente chamaríamos de "secularistas". Eles agora incluem 15 milhões de pessoas, mais de 8% do total nacional.
O estudo do Pew constata que a imigração e a demografia não levam em conta o aumento do pentecostalismo no Brasil, dentre outras coisas porque menos de 1% da população é de estrangeiros. O principal fator, de acordo com o estudo, é a "mudança religiosa" – e embora eles sejam muito educados para dizê-lo em voz alta, o que eles querem dizer com isso são as deserções da Igreja Católica.
Talvez o mais relevante para o futuro é que os dados do Pew sugerem que o catolicismo está tendo um momento especialmente difícil entre os jovens e entre os moradores da zona urbana – em outras palavras, precisamente entre os grupos demográficos destinados a dar o tom no Brasil. Aqui está um dado fascinante: de acordo com o estudo do Pew, apenas 46% da população do Rio de Janeiro, a cidade que Francisco vai visitar na próxima semana, se identificam, de fato, como católicos.
Essas tendências colocam dois desafios claros.
O primeiro é a situação ecumênica. O Brasil está fazendo a transição de uma sociedade religiosamente homogênea para uma mistura eclética de diferentes filiações, o que significa que os líderes católicos têm bastantes coisas para fazer em termos de diálogo e de encontro. As relações entre os evangélicos, os pentecostais e os católicos no Brasil são um saco misturado: alguns se dão muito bem e percebem causas comuns no que diz respeito ao crescente impulso do secularismo, enquanto outros estão aferrados a rivalidades confessionais.
Em meados dos anos 1990, por exemplo, o bispo Sérgio von Helde, da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das maiores denominações pentecostais na América Latina, foi à TV na Festa de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira nacional do Brasil, e chutou uma imagem de Nossa Senhora, declarando: "Isto não é uma santa!". Um grande tumulto se seguiu, no qual católicos indignados atacaram igrejas pentecostais, e von Helde foi julgado por desrespeito público contra um símbolo religioso e condenado a dois anos de prisão.
Para ilustrar que tais tensões não estão totalmente dissipadas, consideremos que há três grandes redes de TV brasileiras com correspondentes a bordo do avião papal para a viagem de Francisco. No entanto, a segunda maior rede do país, a Record, de propriedade de um bilionário evangélico/pentecostal chamado Edir Macedo Bezerra, não está representada.
No programa oficial da visita papal, não há nenhum encontro previsto entre Francisco e líderes de outras denominações cristãs, embora Bento XVI tenha realizado exatamente uma dessas sessões ecumênicas quando ele visitou o país em 2007. Dada especialmente essa omissão, é incerto se a viagem vai gerar qualquer novo impulso ecumênico.
No fronte missionário, tanto durante os seus 15 anos como arcebispo de Buenos Aires, na Argentina, quanto desde que se tornou papa, Francisco tem articulado repetidamente a sua visão de uma Igreja mais evangélica – uma Igreja que, para usar a linguagem do papa, fica "fora da sacristia e sai às ruas".
Esse foi o coração da visão sobre o catolicismo na América Latina expressada no documento de 2007 aprovado pelos bispos do continente, no encontro de Aparecida, no Brasil, o famoso santuário mariano que Francisco visitará no dia 24 de julho.
Se há algum lugar no mapa católico onde uma versão mais missionária do catolicismo está em ação, é sem dúvida o Brasil. É aí que reside o drama genuíno da viagem: Francisco conseguirá traduzir a sua popularidade pessoal em uma explosão duradoura de energia missionária?
Se sim, talvez os historiadores sóbrios, e não apenas jornalistas e especialistas empolgados, vão declarar o seu primeiro retorno latino-americano como um sucesso. Se não, então a viagem pode acabar parecendo um exercício tranquilizador com resultados mistos.
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Francisco no Brasil: riscos e possibilidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU