10 Julho 2013
“As manifestações deram uma sacudida que o Brasil ainda não conhecia”, assinala o geógrafo.
Confira a entrevista.
Foto: www.swissinfo.ch |
Surpreso com as manifestações que tomaram as ruas brasileiras nas últimas semanas, Hervé Théry, pesquisador francês, aponta as desigualdades sociais como uma das causas dos protestos. “Muitas pessoas acharam que o aumento de 20 centavos era irrisório para gerar essa manifestação, mas há tanta desigualdade de renda no país que, para uma parcela significativa da população, 20 centavos (que vai a 40 centavos por dia e, assim, a 2 reais por semana), acaba sendo uma despesa grande”, aponta na entrevista a seguir concedida por telefone à IHU On-Line. Na avaliação do geógrafo, as manifestações “abrem possibilidade para o que ontem parecia impossível, mas que agora pode ser pensado como algo possível, a exemplo de uma reforma política ou uma política fiscal diferente”.
Autor de Atlas do Brasil: Disparidade e dinâmicas do território, Hervé Théry comenta que ao publicar a primeira edição do estudo, em 2003, tinha a expectativa de que o PT reduzisse as desigualdades sociais e as disparidades entre ricos e pobres. Dez anos depois, afirma, “serei menos afirmativo, porque muitas estruturas que estavam no modelo de desenvolvimento do PT foram descartadas. O sistema econômico mudou pouco, políticas sociais regrediram, mas em compensação algumas medidas mudaram a perspectiva da sociedade, como o aumento significativo do salário mínimo”. E acrescenta: “Trata-se de uma agenda social que consiste em dar um pouco mais aos pobres para que fiquem felizes, do que realmente romper com a condição de pobreza”.
Hervé Théry (foto abaixo) é graduado em História e em Geografia pela Université Paris I. É também mestre e doutor em Geografia pela mesma instituição. Trabalha como pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique, professor visitante da USP, pesquisador convidado da Universidade de Brasília – UnB e diretor do Observatoire Hommes-milieux OHM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que relações o senhor estabelece entre as manifestações que ocuparam as ruas brasileiras nas últimas semanas e as desigualdades sociais que existem no país?
Foto: www.iisd.ca |
Hervé Théry – Tem uma relação parcial, apesar de o pontapé inicial ter sido o aumento do preço da passagem do transporte público. Muitas pessoas acharam que o aumento de 20 centavos era irrisório para gerar essa manifestação. Mas há tanta desigualdade de renda no país que, para uma parcela significativa da população, estes 20 centavos (que vai a 40 centavos por dia e, assim, a 2 reais por semana), acaba sendo uma despesa grande.
IHU On-Line – Em que regiões do país as desigualdades predominam?
Hervé Théry – Na publicação intitulada Atlas do Brasil: Disparidade e dinâmicas do território, escolhemos não falar em desigualdades, porque esse termo já faz um julgamento sobre o sistema. Optamos por mostrar as diferenças nas diversas regiões do país. Obviamente as regiões Sul e Sudeste se destacam em ralação às regiões Norte e Nordeste. É possível observar cinturões de pobreza em volta de cidades de classe média imediata. Há quem diga que as desigualdades no Brasil são tantas que chegam a ser fractais, repetindo-se em cada escala. As regiões brasileiras são mais ou menos ricas, e dentro de cada estado as capitais são mais ricas, tendo cidades mais ou menos pobres.
IHU On-Line – As manifestações apontam alguma mudança na resolução das desigualdades sociais?
Hervé Théry – Para ser honesto, eu não havia previsto essas manifestações. Muitos especialistas brasileiros também não conseguiram prever essa onda de protestos. Tais manifestações abrem possibilidade para o que ontem parecia impossível, mas que agora pode ser pensado como algo possível, a exemplo de uma reforma política ou uma política fiscal diferente. Não digo que tudo mudará de um dia para o outro, mas pode mudar a perspectiva. A popularidade da presidente diminuiu e alguns ministros já mudaram bastante o discurso. Então, essas manifestações deram uma sacudida que o Brasil ainda não conhecia.
IHU On-Line – Por que as manifestações foram uma surpresa para o senhor?
Hervé Théry – Quem vive no Brasil ou é brasileiro sabe que há uma tendência na cultura do país de resolver pessoalmente as dificuldades com o apoio da família e dos amigos, e raramente se recorre a uma ação coletiva, muito menos a de sair às ruas. Olhando a retrospectiva, as últimas manifestações foram as Diretas Já, na década de 1980, e a manifestação do impeachment do presidente Collor, em 1992. Em 2002 não teve manifestação, porque foi a eleição do Lula, e 2012 acaba de passar. Então, vamos ver, de dez em dez anos, esse tipo de onda, sem nenhuma regularidade e nenhuma periodicidade obrigatória. Costumo dizer que gostaria que os franceses resmungassem e manifestassem menos e que os brasileiros se manifestassem mais.
IHU On-Line – Que avaliação faz dos dez anos da gestão do PT no governo nacional em termos de políticas sociais para diminuir as desigualdades?
Hervé Théry – Quando publicamos a primeira edição do nosso atlas, em 2003, escrevemos na orelha do livro: “Esse é o Brasil que o PT vai mudar”. Havia a expectativa de que este partido teria herdado um Brasil e iria construir outro. Dez anos depois, serei menos afirmativo, porque muitas estruturas que estavam no modelo de desenvolvimento do PT foram descartadas. O sistema econômico mudou pouco, políticas sociais regrediram, mas em compensação algumas medidas mudaram a perspectiva da sociedade, como o aumento significativo do salário mínimo. Como milhões de brasileiros ganham o salário mínimo, milhares de dezenas de pessoas passaram da miséria para uma pobreza mitigada, que introduziu esperança e aumentou as expectativas, as quais constituíram combustível das passeatas. Pessoas que pensavam que, graças a essas mudanças, mudariam de vida ainda esbarram em problemas que não tinham antecipado.
Tem de se considerar também que algumas regiões que estavam muito atrasadas começaram a recuperar o atraso, especialmente o Nordeste, não tanto através da renda e da criação de emprego, mas das transferências do programa Bolsa Família e de um melhor atendimento nas escolas. Isso fez com que o Nordeste saísse de índices muito baixos. Trata-se de um reequilíbrio.
IHU On-Line – Como romper com a agenda social brasileira assistencialista e resolver problemas de ordem estrutural?
Hervé Théry – Esse é o “x” do problema. São as questões estruturais que supõem uma mudança profunda do sistema, porque o que foi feito até então pode ser chamado de assistencialismo. Ou seja, trata-se de uma agenda social que consiste em dar um pouco mais aos pobres para que fiquem felizes, e não realmente romper com a condição de pobreza. Acho que ninguém discute muito que as duas alavancas principais para sair do desenvolvimento e crescer são educação e emprego. Outros casos conhecidos historicamente, como no Japão, na Coreia do Sul, em Singapura, mostram um esforço em educação para que as pessoas se qualifiquem mais e tenham empregos qualificados. É isso que cria um crescimento rápido.
Na França, a educação é universal desde 1870. E o crescimento econômico forte, o milagre francês, ocorreu exatamente 20 anos depois com a nova geração mais qualificada. Não é nenhuma surpresa que o investimento em educação custa caro, dá retorno lento, mas é a chave do sucesso.
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Expectativas sociais: o combustível das manifestações. Entrevista especial com Hervé Théry - Instituto Humanitas Unisinos - IHU