20 Junho 2013
Apesar de governo e oposição tentarem jogar um sobre o outro a responsabilidade, tanto o PT como o PSDB, passando por siglas do peso do PMDB, estão perplexos e até agora não têm um diagnóstico sobre os motivos que levaram tanta gente às ruas.
Entre os partidos há apenas duas certezas: o movimento veio para ficar e há um fato novo na política brasileira que terá repercussão sobre a sucessão presidencial de 2014.
O comentário é de Raymundo Costa e publicado pelo jornal Valor, 20-06-2013.
Fato novo é algo sempre muito respeitado e temido pela classe política, dona de um invejável instinto de sobrevivência. Ignorá-lo pode significar ser varrido do mapa, sem ao menos ter tempo para entender o que está acontecendo.
É inevitável a associação com Fernando Collor, o primeiro presidente eleito diretamente depois do regime militar, defenestrado do cargo, por um impeachment em 1992. Com os protestos contra seu governo ganhando corpo, Collor pediu para a população sair às ruas, num certo domingo, vestida de verde e amarelo. Uma multidão tomou as ruas. Mas vestia preto. O Maio de 68, na França, começou por causa de um problema de alojamentos. Mudou o mundo.
Há um certo consenso, também, de que nenhum político deve se aproveitar da ocasião. Mas como o escorpião, a classe não nega sua natureza, como se vê na troca de acusações mútuas, especialmente, entre o PSDB e o PT.
Outro consenso diz que as manifestações ainda serão maiores nos próximos dias, e que elas vieram para ficar. Hoje são difusas, mas, certamente, no futuro próximo, haverá uma convocação para um "Padrão Fifa" na educação, na saúde pública e nos transportes. Basta para isso que alguém aperte uma tecla e faça um convite, pelas redes sociais, como fazem as torcidas de clubes de futebol para marcar brigas de rua.
Ninguém duvida que o desgaste maior será para a presidente da República, um símbolo em cujo colo são jogadas, inevitavelmente, as responsabilidades pelas mazelas no país. Já aconteceu antes com outros presidentes. É certo, no entanto, que Dilma Rousseff, no governo e com os instrumentos de que dispõe tem condições de reverter o atual quadro de dificuldades, no qual foi apanhada, talvez não por acaso, quando sofre perda significativa de popularidade.
Nos maiores partidos ninguém vê, também, quem entre os atuais candidatos pode se beneficiar do "fato novo". O mais próximo do que se passa na rua, que se diz apartidária e escorraçou das manifestações até siglas radicais como o PSTU, é a ex-senadora Marina Silva e sua Rede Sustentabilidade, que se pretende diferente da política tradicional.
Mas para isso Marina tem de caminhar no fio da navalha, como todos os outros candidatos, de Dilma Rousseff a Aécio Neves, passando pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que é a novidade da atual sucessão, mas não necessariamente o desaguadouro das insatisfações difusas.
A política não tradicional, diga-se, mostrou sua face no governo Collor e deu no que deu.
Há um fato novo na política brasileira e esse fato ainda precisa ser compreendido pela classe política do país. Se puderem, os partidos esperam que as manifestações se diluam na poeira das ruas. Mas é difícil cooptar um movimento que não tem rosto e pode ser acionado a partir de uma postagem em rede social.
A internet, definitivamente, entrou na agenda dos políticos brasileiros como algo mais que um meio para enviar propaganda política. O risco é que eles tentem domá-la por meio de um projeto de lei eleitoral cujo texto já está sendo debatido na Câmara, com regras para as próximas eleições.
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Protestos vieram para ficar até 2014 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU