25 Junho 2013
Aqui está uma receita para a má interpretação: comece com um intenso fascínio público com um novo papa e acrescente uma falta básica de movimento substancial em matérias de política e de pessoal. Polvilhe a coincidência de o novo regime ter alcançado a sua marca de 100 dias e misture com um ciclo de poucas notícias.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 24-06-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Duas histórias da imprensa italiana ao longo do fim de semana ilustram bem o suflê de frisson resultante.
Na noite de sábado, Francisco decidiu no último minuto faltar a um concerto musical no Vaticano, deixando o trono papal vazio. Fotos da "cadeira vazia" rapidamente se espalharam pelas principais publicações da Itália, com especialistas como o famosa historiador da Igreja Alberto Melloni definindo-a como uma metáfora para uma rejeição da pompa imperial. Alguns até mesmo chamaram-na de uma "afronta" deliberada à Cúria Romana.
Um grande jornal italiano afirmou que Francisco declarara: "Eu não sou um príncipe renascentista", embora sem alegar muito que ele realmente tenha usado essas palavras.
Também no sábado, o principal jornal italiano, Corriere della Sera, publicou uma nota sem fontes afirmando que o novo papa havia abolido os "Gentis-Homens de Sua Santidade", um órgão de leigos italianos que tradicionalmente recebem a honra de se vestirem em smokings elaborados e de acolher dignitários visitantes em eventos vaticanos.
Mais uma vez, a sugestão subjacente era a de que Francisco estaria desmantelando as armadilhas tradicionais de uma corte real. No domingo, o jornal já estava fazendo entrevistas pedindo que as pessoas dessem a sua opinião sobre a decisão, sem realmente confirmar que ela aconteceu.
Em ambos os casos, pode haver muito menos "isso" do que sugeriram alguns comentários de tirar o fôlego.
Comecemos com a história da "cadeira vazia".
Muito antes de Francisco ter sido eleito, o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização tinha programado um concerto de música clássica para a noite do dia 22 de junho como parte do Ano da Fé, com a intenção de expressar como a arte e a música podem ser instrumentos de evangelização.
Embora ninguém tenha dito isso em voz alta, o evento parece ter sido concebido tendo em mente o amor de Bento XVI pela música. A obra era a Nona de Beethoven, e todos os vocalistas escolhidos na Academia de Santa Cecília da Itália para executar a peça eram alemães.
Em março, Francisco confirmou todos os eventos programados para o Ano da Fé, de forma que o concerto seguiu em frente (como nota de rodapé, ele foi originalmente concebido como um evento popular ao ar livre, mas no fim foi transferido para o interior da Sala Paulo VI).
No sábado, no entanto, Francisco decidiu não aparecer, deixando ao arcebispo Rino Fisichella, do Conselho para a Nova Evangelização, a tarefa de explicar a uma multidão surpresa que o papa tivera assuntos urgentes e não poderia estar presente.
O pensamento imediato foi de que talvez Francisco, aos 76 anos, estava doente, mas Fisichella confirmou que o papa iria proferir o seu discurso do Ângelus no domingo, no dia seguinte, como de costume (ele o fez e parecia perfeitamente bem). Tendo descartado um susto de saúde, os comentaristas então elevaram a ausência a uma declaração filosófica.
No fundo, no entanto, as autoridades dizem que a explicação, provavelmente, é mais prosaica.
Os embaixadores papais, ou núncios, de todo o mundo estavam em Roma na semana passada para uma conferência, incluindo uma sessão com Francisco na sexta-feira. Como ele não veio do mundo da diplomacia vaticana, Francisco aparentemente sentiu que o tempo da noite de sábado seria melhor gasto conhecendo essas pessoas, já que muitos deles estavam retornando para os seus postos na tarde de domingo ou nessa segunda-feira. Essa familiaridade é especialmente importante, pois alguns deles podem estar na fila para outras posições vaticanas que Francisco em breve terá que preencher, incluindo o papel muito importante de secretário de Estado.
Em outras palavras, a sua ausência no concerto pode realmente ilustrar a sua ética de trabalho, mais do que uma rejeição à ostentação renascentista.
(Como nota de rodapé, o frisson da cadeira vazia também ilustra como Bento XVI não tem descanso. Ainda em 2005, ele se ausentou de um planejado concerto de Natal vaticano, o que levou a uma série de entrevistas irritadas com músicos e cantores, assim como à especulação de que Bento XVI não se importava com a sensação de cultura pop do evento. Em outras palavras, a sua ausência foi vista como um gesto de desdém arrogante; com Francisco, o mesmo ato foi elogiado como uma declaração evangélica de simplicidade).
Quanto à suposta abolição dos "Gentis-Homens do Papa", o Corriere della Sera informou nesse sábado que Francisco havia chamado esse costume de "anacrônico" e até mesmo de "perigoso", vinculando-o com o fato de que alguns dos Gentis-Homens, extraídos das classes política e empresarial da Itália, se envolveram recentemente em escândalos bem documentados.
No domingo, o jornal entrevistou membros da tradicional nobreza papal para obter reações sobre a medida, sem aparentemente ter procurado qualquer confirmação oficial de que os Gentis-Homens, de fato, haviam sido suprimidos.
Contatado pelo NCR para comentar o assunto, o porta-voz do Vaticano, o padre jesuíta Federico Lombardi negou que tal decisão tenha sido tomada.
"O que estava escrito no Corriere certamente vai muito além de quaisquer decisões que, de fato, tenham sido tomadas, formalizadas e comunicadas", disse ele.
"O artigo, evidentemente, se baseia em conversas pessoais que alguém afirma ter tido com o papa", disse Lombardi, acrescentando, porém, que não havia nada registrado.
"Vamos ter que ver se a questão dos Gentis-Homens é vista como parte de uma 'reforma' mais ampla da Cúria", afirmou.
Até hoje, Francisco não nomeou nenhum novo Gentil-Homem de Sua Santidade, mas, até agora, o grupo, ao menos teoricamente, ainda é uma preocupação constante.
Tanto a cadeira vazia quanto as histórias da abolição foram aclamadas como ilustrativas de algo profundo sobre o novo papa. Dada a forma como elas podem ter sido forçadas para além dos seus limites naturais, no entanto, elas podem ter mais a dizer, de fato, sobre uma indústria midiática faminta por dramas papais.
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Entre cadeiras vazias e abolições: uma receita para mal interpretar o papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU