19 Dezembro 2012
No Vaticano II, pela primeira vez nos textos da Igreja Católica, a Gaudium et Spes reconhecia que o princípio fundante do matrimônio é o amor entre os esposos.
A opinião é de Giancarla Codrignani, escritora e ex-deputada italiana pela Esquerda Independente, em artigo publicado no sítio Mosaico di Pace, 18-12-2012, da seção italiana no movimento internacional Pax Christi. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A responsabilidade assumida nestes dias pelo Papa Bento XVI é a demonstração mais evidente da necessidade expressa pelo Concílio Vaticano II de abrir as portas à colegialidade, abandonando as tentações dogmáticas em favor da pastoralidade, valor evidentemente superior.
Definir os casamentos homossexuais como "uma grave ferida infligida à justiça e à paz", e o aborto e a eutanásia como "atentados e crimes contra a vida (que) aqueles que querem a paz não podem tolerar" é uma queda de estilo inaceitável. A Igreja tem o direito de se dirigir aos seus fiéis lembrando a coerência com os princípios, mas não de se referir ao vínculo da paz, comum a todos os humanos, com relação a condições de vida que se tornaram dramáticas justamente pelos preconceitos, aos quais não é nem imaginável declarar guerra. Ainda mais que o primeiro e mais grave crime e atentado contra a vida é justamente a guerra, que ainda continua justificada no catecismo católico.
Mas o mais grave é a falta de respeito com relação aos irmãos homossexuais, ainda mais que um teólogo deveria repensar – já há um grande tempo – o sentido profundo da sexualidade e da "natureza" à luz daquele Deus que também é Amor para ele. A minha geração pagou o crescimento da consciência por conta própria: na escola, descobrindo os pronomes "estranhos" nos textos gregos amorosos e, uma vez recuperado o sentido do ser pessoa sexuada em forma "hetero" e reconhecida a criminalidade do nazismo na prioridade da perseguição dos homossexuais, encontrando ao seu redor a persistência do preconceito.
O avanço cultural evidenciou como é grande o número dos discriminados por diferenças que devem fazer refletir sobre a riqueza da humanidade. Como mulher, só tardiamente cheguei a pensar nas milhares e milhares de mulheres lésbicas que, ao longo dos séculos, se casaram e geraram filhos sofrendo, quase sempre ignorantes de si mesmas, a violência do sexo legitimado e abençoado.
Hoje, a crueldade de juízos inegociáveis deveria ser evitada, principalmente depois que os casos de pedofilia não mais escondidos, por serem quase sempre em detrimento de crianças e adolescentes do sexo masculino, revelaram que, por trás das sombras de crimes graves – que para a Igreja também são pecados –, delineiam-se responsabilidades devidas a concepções deterministas da corporeidade e da definição dos comportamentos "naturais" ou "inaturais" por suposto dogma.
Uma das mulheres convidadas há 50 anos ao Vaticano II polemizou sobre a fórmula do matrimônio religioso fundamentado na ajuda mútua, na procriação e – horrível em um sacramento que evidentemente reconhece na bênção do padre aos dois esposos (que, contudo, são os reais ministros do rito) a autorização para "fazer coisas feias" – o remedium concupiscentiae. De fato, ela chegou a alertar: "Vocês, padres conciliares, lembrem-se de que as suas mães conceberam no amor e não na concupiscência".
Esse também é um sinal de que o Vaticano II deu indicações abertas a realizações que – a despeito de toda disputa sobre a descontinuidade produzida pelo Concílio de João XXIII – vão "além": pela primeira vez nos textos da Igreja Católica, a Gaudium et Spes reconhecia que o princípio fundante do matrimônio é o amor entre os esposos.
Por que deveríamos hoje sentir como ofensivo "para a justiça e a paz" o amor como quer que se apresente (principalmente na laicidade social dos Estados) e o sentido profundo de uma sexualidade e de uma "natureza" quando se tornam para todos – os crentes observantes não são obrigados pela lei "permissiva" – direitos à assistência mútua, ao cuidado do próximo, à vida?
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Bento XVI e a laicidade católica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU