Por: Jonas | 18 Dezembro 2012
Finalizou-se uma etapa política na Venezuela e na América Latina. As primeiras horas da transição transcorrem com a preocupação e a piedade de milhões de compatriotas e estrangeiros, de um lado e do outro. Hoje, a figura do presidente venezuelano e líder regional é muito presente. Tanto ou mais do que quando estava governando, até que no sábado passado aceitou que sua saúde o impede.
A reportagem é de Santiago O`Donnell, publicada no jornal Página/12, 16-12-2012. A tradução é do Cepat.
Hoje, milhões de venezuelanos votam em eleições regionais, que decidem coisas importantes. Porém, nas últimas horas, a avaliação da gestão dos diferentes governadores, e o mapa de distritos chavistas ou opositores, ficaram em segundo plano frente a milhões de mensagens de apoio ao presidente enfermo da Venezuela, vindas também de todo o mundo. Junto a isto se somou, quando a gravidade da situação era evidente, o silêncio respeitoso de seus tantas vezes proclamados inimigos. Não poderia ser de outra maneira.
Finalizou-se uma etapa política, pois mesmo apostando em sua recuperação, “favorável” segundo o último boletim médico, não é fácil sobreviver a três cirurgias de câncer em menos de um ano e meio. Trata-se de uma situação suficientemente delicada para fazer com que, no último sábado, Chávez (foto) armasse uma "mise en scène" para projetar sua transferência de poder simbólico ao vice-presidente Nicolás Maduro. O começo de sua despedida do poder.
Muito diferente foi sua partida anterior, em fevereiro, quando viajou a Cuba para sua segunda operação. Naquela vez, otimista e desafiante, tinha falado de pé, apoiando-se em sua filha menor, Rosinés, diante de uns duzentos civis e militares no jardim do Palácio Miraflores. Após chamar à unidade de sua força e responder a “burguesia apátrida e yankee, que pretende enganar ao povo”, Chávez havia falado de sua enfermidade como algo temporário, como um obstáculo em seu caminho. Viveremos e venceremos! Até a vitória sempre! Voltaremos para nos colocar à frente da batalha rumo a grande vitória do dia 7 de outubro! Viva a pátria! Viva o povo bolivariano! Viva a Revolução Socialista! Viva a Venezuela! Viva Chávez!”
Ao contrário, no sábado passado, Chávez se despediu em lugar fechado, sentado junto a uma mesa, com um médico de uniforme branco, com a bandeira venezuelana em sua direita e Maduro de seu lado esquerdo. Vestido com uma camisa azul sobre uma camiseta vermelha, com as mãos inquietas, corpo imóvel, falou num tom calmo, didático, entre cálido e neutro, longe do histrionismo e da solenidade, retirando o dramatismo de suas palavras.
Após anunciar a iminência de sua terceira operação, Chávez admitiu, pela primeira vez, que as dificuldades físicas já não eram um obstáculo, mas um verdadeiro impedimento para o exercício normal da presidência.
“Eu decidi vir (a Venezuela), é verdade, fazendo um esforço adicional porque as dores, bom, são de alguma importância... estamos com tratamento, com calmantes, na fase pré-operatória e eu devo regressar para Havana amanhã, com a graça de Deus”, disse à Câmara.
Não mencionou a revolução socialista, nem ao povo bolivariano, nem a nenhum adversário, exceto a sua enfermidade. Na ausência disso, retirou um crucifixo prateado de seu bolso, mostrou-o à Câmara, levou-o aos lábios e o beijou, qual talismã, e disse: “Estou agarrado a Cristo”.
Em seguida, continuou falando com o crucifixo na mão. Repassou várias datas importantes de sua vida e do país, como sua chegada à presidência e sua volta ao poder após ter sofrido um golpe de Estado. Disse que está vivo por um milagre, que sua vida é um milagre e que esperava outro milagre para sobreviver à operação seguinte. Enquanto falava, passava o crucifixo entre os dedos e o fazia girar. “Eu continuo fixado ao milagre”, confiou, místico e introspectivo.
Então, Chávez esticou o braço e colocou o crucifixo distante dele, de um lado da mesa, como se estivesse dizendo que terminava a mensagem religiosa e começava a do Estado.
“Agora, toda operação implica risco”, começou a dizer. “E mesmo que nada esteja previsto, é preciso estar preparado caso algo saia mal. Nesse caso, a Constituição prevê que o vice-presidente assuma”. Justo quando dizia “vice-presidente”, Chávez retirou da mesa uma pequena cópia da Constituição Bolivariana de 1999. Então, Chávez enumerou uma longa lista de elogios ao vice-presidente, enquanto manuseava a Constituição. Buscando com os olhos o sorriso cúmplice de Maduro, o presidente concluiu: “Eu o tenho visto, nós o temos visto durante todo esse tempo. Por algum tempo tive você como chanceler. Por quanto? Cinco ou seis anos, Nicolás?”
Antes que Maduro pudesse responder, Chávez ficou sério outra vez e disse: “Devo dizer agora, ainda que soe duro, mas eu quero e devo dizer. Sim, como diz a Constituição, caso se apresentasse alguma circunstância que me inabilitasse a continuar na Presidência, Maduro deveria concluir o período atual”.
A mensagem não terminou aí. “Nicolás Maduro, não apenas nessa situação, deve concluir o período, como manda a Constituição, mas em minha opinião firme, plena como a lua cheia, irrevogável, absoluta, total, é que nesse cenário, que obrigaria a convocar a eleições presidenciais, vocês elejam Nicolás Maduro como presidente”, disse Chávez, sem soltar o livreto.
A transferência simbólica do poder chavista se completou com outra mensagem em cadeia nacional, desta vez, na terça-feira à noite, quando Maduro informou ao mundo que Chávez havia sobrevivido à operação.
Do pátio do Palácio Miraflores, do mesmo local de onde Chávez costumava fazer seus discursos presidenciais, rodeado de chavistas jovens e velhos, vestidos com camisetas vermelhas, uniformes militares e jaquetas semelhantes à bandeira venezuelana, enquanto entonava a voz com a mesma cadência caribenha de seu chefe convalescente, Maduro ficou bastante parecido com um Chávez de bigode.
Em relação à operação cirúrgica, o vice disse secamente: “Podemos dizer que concluiu”. Não disse “êxito”, nem sequer que “saiu bem”. Apenas que “já se encontra em seu quarto descansando”.
Entretanto, a mensagem de Maduro não terminou por aí. Diante de um auditório de sorrisos forçados e incomodados por notícias não muito alentadoras, o sucessor eleito de Chávez empreendeu um discurso político. Referindo-se a Chávez como “meu Comandante”, falou do dever de continuar o trabalho da mesma forma como haviam planejado com o presidente, mencionou as eleições de hoje, como uma oportunidade para trazer alegria ao chefe, e agradeceu especialmente às forças armadas e aos líderes da América Latina. Também dedicou um longo parágrafo à oposição. “Aos que destilam ódio e veneno, já basta! Respeitem o Comandante, respeitem a dor do povo!” Arrancou aplausos, uma única vez, quando ressaltou a coragem de seu líder: “Afortunadamente, essa humanidade gigante, que é o Comandante, mais uma vez demonstrou sua fortaleza”.
Ao final, emocionado, Maduro garantiu que jamais trairia Chávez, nem sequer se Chávez não estivesse vivo. “Juramos ser leais a você, para além desta vida!”, disse, prestes a chorar. Aqui o esperamos!
Assim, na Venezuela e região, a etapa política dominada pela gigantesca figura de Hugo Chávez chegou ao seu fim. Aconteceu muito rápido. Caso Chávez não assuma no dia 10 de janeiro, como tudo parece indicar, segundo a Carta Magna bolivariana, Maduro tem que convocar uma nova eleição presidencial dentro de trinta dias.
Virão novas datas e novos acontecimentos para a Venezuela e a região, que já não terão Chávez como principal protagonista, mas, oxalá, descansando. Haverá tempo para analisar a mudança. Agora é o momento de cruzes e despedidas.
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Chávez. A despedida do poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU