06 Dezembro 2012
A rodada de negociações do acordo climático em Doha, no Qatar, entra no penúltimo dia com o anúncio de recursos financeiros feito pelas economias mais fortes da Europa e com um texto sobre o destino do Protocolo de Kyoto. A má notícia é que o dinheiro está muito aquém das demandas dos países mais vulneráveis e que não há consenso sobre o documento.
Em outro front, no debate sobre o novo acordo global a ser negociado em 2015 para começar a operar em 2020, as negociações se complicaram.
A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 06-12-2012.
O texto sobre o destino do Protocolo de Kyoto saiu às 23 horas (18h em Brasília), e os delegados continuaram reunidos para discutir um dos assuntos mais complexos do encontro: o que fazer com as licenças de emissão de economias do antigo bloco soviético, que entraram em colapso quando Kyoto foi assinado.
O texto propõe três caminhos e, em todos, será possível carregar as permissões de poluir. São 13 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, quase 2,5 vezes as emissões anuais europeias. O primeiro é o da Rússia, que tem 5,2 bilhões de toneladas de carbono e quer levar esses "bônus" para a segunda fase de Kyoto e vender esses papéis a países com metas de emissão. A intenção russa comprometeria a integridade ambiental do clima na Terra. O país não tem apoio, mas pode colocar toda a negociação a perder se bloquear a aprovação do documento na plenária final.
Outra proposta, criada pelo Brasil, é a do grupo dos países em desenvolvimento. Permite carregar as emissões para a segunda fase de Kyoto, mas até um limite de 2,5%. As cotas podem ser usadas para reduzir as metas domésticas, mas não podem ser comercializadas. A terceira ideia é da Suíça. Também há um limite para que as licenças de emissão possam ser levadas para a segunda fase de Kyoto e permite comercialização. As duas opções não deixam que o problema continue depois de 2020, quando um novo acordo deve entrar em vigor.
"A Polônia está mais aberta à negociação", avalia um delegado europeu. O bloco europeu tentou, sem sucesso, resolver essa questão em outubro. Os europeus, no entanto, aprovaram uma legislação que não permite a comercialização desse chamado "hot air" entre eles. Austrália também avisou que não vai comprá-los. O problema é que esses "bônus" podem ser comercializados com o Japão ou os EUA, por exemplo. "Mesmo sem poder vender, para a Polônia esse assunto tornou-se um tema de soberania nacional", diz o delegado.
O texto do Protocolo não definiu o novo prazo para a segunda fase de Kyoto - se termina em 2007 ou se continua até 2020. Há um mecanismo de gatilho para promover a revisão das metas de corte dos países. O texto sobre as metas dos países ricos está sem consenso. "A madrugada será longa", avaliava um observador.
A Alemanha anunciou ontem recursos para os países mais vulneráveis poderem se adaptar aos impactos da mudança do clima. O país prometeu € 1,8 bilhão em 2013. No dia anterior, fora o Reino Unido - € 2,2 bilhões para 2013-2015. O bloco europeu anunciou outros € 900 milhões para projetos em países africanos. São aguardados anúncios também da França, da Holanda e da Suécia. "É um passo positivo e que acalma a demanda de recursos das nações mais vulneráveis", avaliou um diplomata. "Mas é preciso ter recursos financeiros assumidos coletivamente." Isto não vai acontecer em Doha.
Outro ponto tenso foi a discussão sobre o novo acordo global. A pauta em Doha é de se definir uma agenda de reuniões para 2013, e a missão de um grupo de trabalho que avance com esse debate. Como não há promessa de recursos financeiros substanciais para os países mais vulneráveis e também pouca ambição nas metas de corte das nações ricas, os países em desenvolvimento, liderados por Índia e China, suspenderam as discussões do novo acordo global. O bloqueio era interpretado como tática de pressão para que o texto do Protocolo de Kyoto tivesse um desfecho mais satisfatório.
Para ministra brasileira, falta liderança dos ricos
"Há uma inversão de liderança", reclamou a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chefe da delegação brasileira, em uma plenária ministerial de negociação em Doha, no Qatar. Ela lembrou que, pelo acertado na convenção do clima das Nações Unidas, os países ricos têm que tomar a frente do processo, fazendo cortes de emissão e garantindo financiamento para os outros. "Os países em desenvolvimento fizeram compromissos voluntários que são mais ambiciosos do que os dos países ricos."
A ministra também subiu o tom em outros pontos que opõe os ricos aos em desenvolvimento. Reclamou que os ricos não viabilizam meios de implementação das ações que as nações mais afetadas pelo impacto da mudança do clima precisam fazer - ou seja, as iniciativas podem ser voluntárias, mas têm um custo. Falou, ainda, da falta de transparência do processo. Não se sabe, por exemplo, se os recursos, destinados para ações de curto prazo em países mais vulneráveis, são ou não dinheiro novo.
Izabella Teixeira reforçou que a manutenção do Protocolo de Kyoto, cujo segundo período está em discussão em Doha, é estratégica para manter o acordo como uma referência global também para os países como Japão e Nova Zelândia, que já disseram que não farão parte da segunda fase de Kyoto, assim como a Rússia.
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Conferência do clima entra na reta final com impasse e pouca verba - Instituto Humanitas Unisinos - IHU