26 Outubro 2012
No capítulo 7 da Primeira Carta aos Coríntios, vemos como Paulo teve que se confrontar com situações que evidentemente não estavam previstas na Palestina de Jesus. São realidades novas e, como tais, exigem respostas novas.
A opinião é do pastor valdense italiano Paolo Ribet, em artigo publicado na revista Riforma, das Igrejas evangélicas batista, metodista e valdense, 19-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No capítulo 7 da Primeira Carta aos Coríntios, o apóstolo Paulo cita novamente o ensinamento de Jesus sobre o matrimônio e o divórcio, e os comentaristas acreditam que ele está lembrando a palavra de Marcos 10 (paralela a Mateus 19). Visto que o apóstolo reporta as próprias palavras de Jesus, parece que não há mais nada a acrescentar. Não é assim. De fato, ele continua o discurso e o abre com um "mas...". É uma palavrinha pequena, mas é terrivelmente importante para a nossa reflexão.
Com ela, de fato, vê-se como Paulo teve que se confrontar com situações que evidentemente não estavam previstas na Palestina de Jesus. São realidades novas e, como tais, exigem novas respostas. O apóstolo introduz o discurso esclarecendo que é ele que está falando, e não o Senhor, é verdade. Mas um pouco mais adiante ele acrescentará: "Penso que eu também possuo o Espírito de Deus".
Portanto, ele assume a grande responsabilidade de afirmar, apesar do claro ensinamento do Senhor, que é possível se divorciar se o cônjuge não crente não quer mais viver ao lado de quem se tornou cristão. É uma situação inédita, que surge do fato de que um número cada vez maior de pagãos acolhe a mensagem cristã, provocando assim um forte choque nas instituições, nos hábitos e na espiritualidade dos crentes provenientes do judaísmo. Eu acredito que temos muito dificuldade para nos colocarmos na pele da primeira geração e para compreender o quão grande foi esse choque.
Um exemplo iluminador desse esforço é dado, parece-me, do relato de Atos 10. Esse episódio é geralmente intitulado de "A conversão do centurião Cornélio". Mas me parece mais correto intitulá-lo de "A conversão de Pedro", porque é a ele que o Senhor se dirige com a célebre visão da toalha que desce do céu cheia de animais impuros e é para ele a advertência: "Não torne impuras as coisas que Deus purificou".
Cornélio era um pagão, e um piedoso judeu nunca entraria na casa de um pagão. Mas... Mas agora algo mudou, e o Espírito corre livre, não mais constrangido pelos vínculos e pelos impedimentos do puro e do impuro contidos na Lei. Não era algo fácil de compreender e muito menos de aceitar. Será um percurso duro para a primeira Igreja cristã, que levará a confrontos pesados como o de Antioquia, ao qual Paulo se refere na Carta aos Gálatas (capítulo 4).
Temos uma mensagem semelhante no relato das núpcias de Caná (João 2), que muitas vezes é citado como o momento em que Jesus teria santificado o matrimônio. Eu acredito que tal leitura é muito redutora, senão até fora de lugar: Jesus está em uma festa (e o fato de ser uma festa de núpcias interessa até um certo ponto) e lhe é assinalado que o vinho acabou. Não é por acaso que, para realizar o milagre, o Senhor faça encher com água seis talhas de pedra para as purificações dos judeus. A pureza era, sobretudo em certos ambientes, quase que uma obsessão. Pois bem, Jesus toma essa água para as purificações e a transforma no vinho da festa. Chegou o Reino de Deus: tudo muda. Aquele mundo, aquela espiritualidade acabaram, porque, em Cristo, Deus iniciou uma nova relação com a humanidade.
"Mas Jesus disse que...". É verdade. E Paulo sabe muito bem disso. No entanto, na nova situação em que ele se encontra e em que deve dar respostas, ele não se detém na prescrição, mas sim tenta indicar formas de comportamento coerentes com a mensagem evangélica. A base sobre a qual ele se fundamenta não é um artigo de lei, mas sim a afirmação fundamental: "Deus nos chamou para viver em paz". Não é talvez a mesma situação em que nos encontramos vivendo hoje com relação ao tema da família e, em geral, da ética? Mudaram os fundamentos culturais, razão pela qual tentar retomar os velhos esquemas não só é inútil, mas até mesmo danoso.
Já mostramos como o matrimônio foi visto por milênios como o dique para canalizar a sexualidade, para garantir a continuidade da prole e da propriedade: o pai/chefe de família deve ter filhos e deve ter a certeza de que os filhos são seus e de que não há um cuco que bota o ovo no ninho dos outros. Não penso estar exagerando ao dizer que a mulher, nesse contexto, tinha essencialmente a função de fazer filhos. Ainda mais que a ideia corrente, vistos os reduzidos conhecimentos médicos, era que o homem depositasse o seu sêmen na mulher, como se faz com a semente lançada na terra, e que ela crescia por si só. Imagino que hoje ninguém – principalmente nenhuma mulher – aceitaria tal modo de apresentar os problemas. Os fundamentos do casal são outros: a escolha consciente e livre de ambos os membros do casal, o amor, a possibilidade de controlar a natalidade...
Não devemos nos esquecer que um número cada vez maior de casais estáveis rejeita a própria ideia de matrimônio, seja civil, seja religioso, e que, inversamente, a taxa de nupcialidade passou de 7,7 casamentos a cada mil habitantes em 1960 para 4 em 2009, e que o percentual de nascimentos fora do casamento passou de 2,4 em 1960 para 23,5 em 2009.
São sinais claros de um desconforto – sobretudo dos jovens – diante de uma instituição secular, que, ao menos na Itália, nunca se quis levar em consideração. São todas as situações novas com as quais, como Igreja, devemos nos confrontar, tentando dar respostas não pré-confeccionadas, mas que apoiem seu fundamento na mensagem de Cristo.
Entre as várias situações novas, a que mais provocou discussões é a relativa aos casais do mesmo sexo. Na realidade, essa é apenas uma das situações novas e talvez nem seja a mais importante, mas é a que causou maiores problemas e que certamente toca em assuntos sensíveis.
Uma das razões, e talvez a principal, da perturbação criada nas Igrejas está no fato de que, na Bíblia, se expressa uma condenação sem apelo à homossexualidade. Portanto, na atual polêmica, ela é definida como pecado, ou como doença, ou como desvio. O debate dos últimos anos, porém, fez emergir algumas evidências, sendo que a primeira delas é que as realidades condenadas pela Bíblia pouco ou nada têm a ver com a homossexualidade de que falamos hoje. À época, tratava-se geralmente de uma violência contra seres humanos que se queria submeter ou humilhar.
Hoje, instituições mundiais de autoridade definem a homossexualidade como uma condição de "natural", levando em conta que na natureza também existem nuances, e que nem sempre tudo é preto e branco. Além disso, certamente, existem formas degeneradas de homossexualidade, assim como estão presentes entre os heterossexuais. Mas é disso que queremos falar: de crentes que descobrem a sua natureza homossexual e que, juntamente com o seu companheiro ou com a sua companheira, querem construir um projeto de vida juntos não mutilado da esfera afetiva e sexual. É importante especificar também esta última realidade, porque amplos setores de cristãos estão dispostos a aceitar o homossexual, contanto que renuncie à sexualidade, considerada pecaminosa.
Não é tarefa da Igreja santificar todos os aspectos da modernidade e abençoar todo tipo de escolha que é realizada na sociedade civil, mas certamente torna-se urgente fazer-se a pergunta sobre aonde vai o nosso mundo, de modo a dar, nas situações novas que venham a ser criadas, respostas adequadas. Assim como o apóstolo Paulo assumiu a responsabilidade para afirmar: "Mas eu digo...", assim também nós, com temor e tremor, devemos dizer alguns "mas...", mantendo firmes os fundamentais do amor e da relação não só com Deus, mas também com o próximo.
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Respostas novas diante de novas situações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU