15 Agosto 2012
A presença de mulheres no Concílio Vaticano II, pelo simples fato de ter havido, marcou uma reviravolta importante na história da Igreja e do século XX, enquanto os resultados possíveis são mais numerosos e nuançados do que a alternativa entre conservação e progresso.
A opinião é da historiadora italiana Lucetta Scaraffia, professora da Universidade La Sapienza de Roma e articulista do jornal do Vaticano, L'Osservatore Romano. O artigo foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 22-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
As 23 mulheres convidadas por Paulo VI para participar no Concílio Vaticano II como auditoras presenciavam as reuniões vestidos de preto, com um véu na cabeça como em uma função pontifícia. Nos intervalos, podiam ir a uma sala-bar separada, preparada para elas, e, por duas vezes, foi negada a Pilar Bellosillo (foto), presidente da União Mundial das Organizações Femininas Católicas, a possibilidade de tomar a palavra em público.
Todas coisas que hoje nos indignam, mas normais se julgadas com critérios históricos: em 1964, nenhuma reunião do Banco da Itália, do Conselho Superior da Magistratura e nem da Suprema Corte norte-americana, para nos limitarmos a alguns exemplos, previa presenças femininas.
Em vez disso, livros como o de Adriana Valerio, Madri del Concilio, fazem entender o quão rápida e radicalmente o mundo mudou – mesmo um mundo lento como o da Igreja – graças à revolução das mulheres. Ainda na encíclica Pacem in Terris, João XXIII havia reconhecido a emancipação feminina como um importante e positivo "sinal dos tempos", e muitos cardeais e bispos apoiaram a proposta de Paulo VI de abrir as portas do Concílio às auditoras.
A escolha das convidadas, contudo, foi difícil, mesmo que a sua presença seria simbólica – assim a definiu o Papa Montini –, não tendo o direito nem de palavra nem de voto. Ao invés disso, as auditoras participaram ativamente dos grupos de trabalho, apresentaram memórias e contribuíram com a sua experiência na elaboração dos documentos, particularmente sobre questões como a vida religiosa, a família, o apostolado dos leigos.
A presença de duas viúvas de guerra contribuiu para reforçar o peso femininos também nas discussões sobre a paz, nas quais, do exterior, a norte-americana Dorothy Day contribuía com a sua atividade de lobby.
Faziam parte das auditoras 10 religiosas e 13 leigas. Muitas delas, especialmente as religiosas, constituíam o fio terminal de grupos constituídos às margens da assembleia conciliar para preparar comentários e demandas. Em particular, o peso desse trabalho de mediação pesou sobre os ombros de Sabine de Valon, superiora geral da Sociedade do Sagrado Coração que, em 1962, havia organizado a União Internacional das Superioras Gerais, da qual era presidente. Superiora também das auditoras tendo entrado na aula conciliar cheia de entusiasmo – saudou esse momento como "a passagem da sala de espera para a sala de visitas" –, deparou-se, depois, com tensões e ansiedades crescentes.
A mais animada das auditoras leigas, sem dúvida, foi Pilar Bellosillo, presidente da União Mundial das Organizações Femininas Católicas, escolhida justamente por isso, por duas vezes, como porta-voz do grupo das auditoras. Em 1965, para o último período, foi chamada a mais jovem das participantes, a argentina Margarita Moyano Llerena, presidente do Conselho Superior das Jovens, combativa como Gladys Parentelli (foto), uruguaia, que não renunciou, durante o Concílio, de ir com a cabeça descoberta e de mangas curtas, a ponto de ser excluída, depois, das fotos oficiais. Gladys se sentiu desiludida com o pouco espaço dado aos auditores leigos durante os trabalhos conciliares, a ponto de não participar da sessão de encerramento.
Lendo as biografias reconstruídas no livro, pode-se ver como muitas auditoras, incluindo Parentelli, se aproximaram, depois, de posições progressistas, consideradas pouco ortodoxas. Muitas das participantes, além disso, teriam se declarado a favor do sacerdócio feminino. A autora se inclina sem hesitar ao lado destas últimas, apresentando com olhar crítico as observações conclusivas sobre as mulheres de Paulo VI, que falam de "um modelo que representava o feminino na função 'natural' de guardião de uma humanidade a ser salva", porque substancialmente reiterava o papel materno.
O material oferecido pelo livro mereceria, contudo, uma análise mais aprofundada, com um olhar mais atento também para a relação com o mundo externo à Igreja e às mudanças daqueles anos, para superar a fácil interpretação de todo fato conciliar como progressista ou conservador.
Até porque a presença das mulheres, pelo simples fato de ter havido, marcou uma reviravolta importante na história da Igreja e do século XX, enquanto os resultados possíveis são mais numerosos e nuançados do que a alternativa entre conservação e progresso.
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Revolução feminina no Concílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU