17 Julho 2012
O navegador GPS mostra um triângulo vermelho quando o carro se aproxima da Villa 21 de Buenos Aires e nos adverte que estamos entrando em uma zona de perigo. As "vilas miséria" são o berço e o túmulo dos viciados em "paco", a pasta base de cocaína, talvez a droga mais destrutiva. Mencionar a Villa 21 ou a Ciudad Oculta ou a 1-11-14, também conhecida como Bajo Flores, é evocar os becos de menos de 1 metro de largura e sem saída, as ligações ilegais de eletricidade, os refeitórios beneficentes, os enterros de pequenos traficantes cortejados por seus comparsas disparando para o ar. Há dezenas delas espalhadas pela Argentina, repletas de gente acostumada a que nenhum governo atenda a suas necessidades. São sinônimo de abandono, droga e violência. No entanto, a maioria de seus habitantes são humildes trabalhadores, muitas vezes emigrantes procedentes do campo ou do Peru, Paraguai, Bolívia... Empregadas domésticas, pedreiros, carpinteiros e garçons obrigados às vezes a esconder seu local de residência.
A reportagem é de Francisco Peregil, publicada pelo jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 16-07-2012.
"Quem vive aqui tem de procurar um amigo na cidade, para quando for pedir emprego dar seu endereço. Porque quando veem que você vive aqui não o contratam", indica Cristián Heredia, 32 anos e morador na Villa 21. Na 21-24 só as multas e as citações judiciais chegam às casas; o resto do correio é preciso recolher em um departamento municipal. Em cada esquina patrulham agentes da prefeitura, uma polícia militarizada que até há poucos meses se limitava à vigilância de litorais e fronteiras. "Com eles estamos muito mais tranquilos, se vê menos criminalidade. A polícia que havia antes era cúmplice do negócio da droga", acrescenta Heredia.
"Aqui temos que ser todos pedreiros, encanadores e eletricistas à força. Eu não tinha nem ideia de como construir uma casa, mas tive que fazer a minha. E não caiu até hoje", explica Héctor Kopp, aliás Maxi, 29 anos, membro da ONG Ventos Limpos do Sul. Maxi conta que na década de 1990 ninguém podia sair de sua própria rua porque havia uns 15 bandos confrontados dentro da Villa 21 e era imprescindível levar na cintura o "ferro", a 9 mm. Depois a coisa se apaziguou, mas em 2000 chegou o "paco" e mais uma vez voltou a se distorcer. Então aqui e ali se organizaram as Mães do Paco e o padre Pepe, que era um padre que se deslocava de bicicleta, as apoiou contra o narco e fundou um lar para adolescentes. Até que há um ano e meio o padre começou a receber ameaças e teve de ir embora, para mais de mil quilômetros dali, perto de Santiago del Estero.
"Aprendi muito ali durante 15 anos, e agora sinto falta de tudo", conta o padre Pepe por telefone. "São minha família. A maioria são imigrantes, gente de trabalho, com vontade de progredir. O paco chegou depois da crise de 2001 e foi como um tsunâmi, não sabíamos aonde recorrer. Mas o problema é que nunca houve planos sérios de urbanização. É duro viver ali. Muitas vezes a gente era acordada por tiros durante a noite. As ameaças eram muito sérias e fui embora quando vi que poderia acontecer algo com as pessoas que trabalhavam comigo."
"As vilas apareceram em Buenos Aires a partir da crise de 1930", conta Silvina Premat, autora do livro "Curas Villeros". "Eram pessoas muito pobres que viviam ao ar livre. Em 1960 já se formaram bairros. E os padres começaram a ver que não iam à igreja e criaram capelas ali. E viram que as pessoas não tinham água, nem luz, nem gás e começaram a solucionar os problemas. Até 2009 não havia a presença do Estado nas vilas. Agora mudou um pouco, porque em algumas estão a polícia e a prefeitura." O censo de 2010 certificou que 164 mil pessoas vivem nas "villas" da capital.
De vez em quando algum crime, a detenção de um traficante, o bloqueio de ruas em demanda de fornecimento elétrico ou a estreia de um filme fazem que a sociedade volte a olhar para elas. O último filme foi "O Elefante Branco", que narra as desventuras de um padre encarnado pelo ator Ricardo Darín na Ciudad Oculta, uma vila de Buenos Aires. O Elefante Branco é um enorme edifício cuja origem reflete todo o drama dos melhores sonhos partidos. O projeto data de 1823 e foi retomado por Juan Domingo Perón em suas duas primeiras presidência (1947-1955). Pretendia-se construir ali o maior hospital da América Latina. Perón foi derrotado em 1955, o edifício ficou abandonado e agora vivem nele famílias das quais quase ninguém se lembra se não for por algum filme.
O padre Toto, sucessor do padre Pepe, se alegra de que "O Elefante Branco" tenha posto novamente a sociedade diante do problema das vilas. Mas ele não quer ouvir falar de "urbanização" da vila, porque soa a "colonização", e sim de "integração urbana". "A vila também tem muito a ensinar para a cidade. Isto era um lixão e os moradores o transformaram em bairro. Aqui há um sentido de vizinhança e de solidariedade que não se encontra em muitos lugares." O padre Toto, que também se movimenta de bicicleta, explica que não basta querer ajudá-los. "É preciso conhecer suas verdadeiras necessidades", afirma.
E quais são suas necessidades? "Que abram as ruas de uma vez", explica Maxi, da ONG Ventos Limpos do Sul. "Aqui as ruas morrem em qualquer lugar, no meio do nada. É preciso urbanizar isto." Alguns o expressam melhor e outros pior, mas quase todos os consultados dizem o mesmo que Mónica Ruejas, presidente da associação de moradores de Villa Soldati, no bairro portenho de Los Piletones: o grande problema nas vilas é que nunca houve um projeto estável. "Gostaríamos de pagar impostos como todo mundo, mas para isso é preciso ter as instalações que todos têm: água, luz, gás... Faltam verdadeiras políticas públicas. Querem nos fazer acreditar que nascemos pobres e que vamos morrer pobres."
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A pobreza se enraíza em vilas marginalizadas na capital argentina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU