26 Junho 2012
Na madrugada da última quarta feira, 20, indígenas xikrin da Terra Indígena Trincheira Bacajá, localizada às margens do rio Bacajá (afluente do Xingu), ocuparam a ensecadeira do canteiro de obras de Pimental, paralisando os trabalhos dos operários. Após a ação inicial, se juntaram ao grupo os juruna e arara, cujas aldeias Paquiçamba e Arara da Volta Grande, estão no trecho do Xingu que secará com a construção da hidrelétrica, e outros grupos, como os arawete, assurini e parakana estão se juntando à ocupação nesta segunda (25). A previsão é que a manifestação tenha representantes de todas as 34 aldeias do Médio Xingu.
A reportagem é do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, 25-06-2012.
De acordo com os indígenas, a ação, que reúne cerca de 150 guerreiros, protesta contra a falta de cumprimento das condicionantes pela empresa Norte Energia, a demora na implantação do Plano Básico Ambiental – componente indígena (PBA), que deveria estabelecer e efetivar os programas de compensação e mitigação dos impactos já sentidos na região pelos indígenas; a demora na entrega aos Xikrin dos Estudos Complementares do Rio Bacajá, que por ora apenas foram apresentados nas aldeias, e que permitiria um melhor dimensionamento dos impactos neste rio e para os Xikrin, e garantia da definição de programas de compensação e mitigação destes impactos, em especial pela seca que prevêm que seu rio sofrerá com a construção do empreendimento; o desconhecimento do PBA pelos indígenas, do qual se pede mais e melhores apresentações para todos entenderem; a demora em definir a situação fundiária das Terras Indígenas Terra Wangã, Paquiçamba, Juruna do Km. 17 e da Cachoeira Seca; a não autorização da construção de mais estradas como alternativa ao transporte fluvial atualmente utilizado pelos indígenas e que será dificultado pela transposição da barragem e pela seca (vazão reduzida) do leito do rio; a falta do investimento necessário e anterior à obra em infraestrutura nas aldeias impactadas, como por exemplo para garantir a captação de água potável nas aldeias da Volta Grande do Xingu, nas quais a água do rio, até então consumida pela população, já está barrenta e insalubre devido à construção, e a indefinição no sistema de transposição da barragem – as ensecadeiras, que cortam o rio de ponta a ponta, devem impossibilitar a livre navegação do Xingu – e o temor de que eles fiquem isolados de Altamira, cidade onde estão os principais serviços que lhes atendem (de saúde, educação, escritórios da FUNAI).
De acordo com Mukuka Xikrin, em entrevista concedida no sábado, a intenção da ocupação é paralisar a obra de Belo Monte. “Eles não estão conseguindo cumprir o que prometeram dentro das aldeias, principalmente as condicionantes, tudo está ficando pra trás. A gente está vendo que a destruição da natureza e do rio está muito grande, e a gente não vai deixar mais eles fazerem a obra andar”. Segundo Mukuka, o grupo pretende ocupar o canteiro de obras do Pimental. “As caçambas, os tratores e os carros estão todos presos la”, explica o líder xikrin, e faz um apelo: “estamos precisando da imprensa aqui pra divulgar pro mundo inteiro o que está acontecendo. O governo fala que a gente ta de boa, mas não, a situação aqui está muito ruim, a gente, que vai ser impactado, não tem garantia de direito nenhum. E a gente está pedindo pra Justiça mandar parar a obra de Belo Monte”. Ainda segundo Mukuka, os indígenas exigem a presença do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), do presidente da Funai e do presidente da Norte Energia. “Enquanto eles não chegarem, nós vamos ficar lá”.
Justiça nega reintegração de posse
De acordo com informações do Ministério Público Federal, a juíza federal Priscila Pinto de Azevedo negou, no último sábado, o pedido de reintegração de posse da Norte Energia. A empresa havia solicitado o uso de força policial para a retirada dos indígenas do canteiro de obras, mas, de acordo com a juíza, o caso exige antes de tudo uma avaliação das causas sociais que levaram à ocupação, sendo que a manutenção da integridade física e da vida é, no caso, mais importante do que a questão possessória. Em sua decisão, além de negar a intervenção da polícia, Azevedo definiu que a empresa deve encontrar uma saída negociada, com participação da Funai.
Durante a Rio + 20, o próprio governo reconheceu as falhas no processo de construção de Belo Monte. No dia 20, após uma manifestação, no período da manhã, na entrada do Riocentro, onde ocorreu a conferência da ONU, os ministros Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) e Isabella Teixeira (Meio Ambiente) receberam, à tarde, uma delegação de lideranças indígenas para discutir suas reivindicações. Sobre Belo Monte, Carvalho teria reconhecido os problemas da usina e seus impactos sobre os indígenas, mas reafirmou que a obra irá continuar. De acordo com participantes da reunião, o ministro apenas apontou que nos próximos projetos poderá ocorrer consulta aos atingidos.
“Parem com isso”
Logo após a ocupação da ensecadeira, as lideranças xikrin se reuniram para elaborar um curto mas contundente manifesto sobre o seu posicionamento.
Manifesto dos Xikrin do Bacajá
“Parem com isso, deixem o rio correr. Deixem que nossos barcos andem pelo rio. Parem com isso, deixem o rio correr para as crianças banharem e beberem de sua água. Se fizerem a barragem o rio vai ficar ruim, a água não vai mais ser boa. O rio vai ficar seco, por onde vamos navegar?
Deixem o rio correr para a gente ir para o mato caçar para nossos filhos e netos comerem, para que no rio que corre bem a gente pesque, saia cedo para pescar para nossas crianças comerem.
Nossos estudos mal foram completados e vocês estão falando da barragem, não gostamos disso. O PBA nem saiu e vocês já estão começando a fazer a barragem, não gostamos disso. Nós queremos que a barragem de Belo Monte pare de vez!”
O texto foi produzido pelos homens reunidos na aldeia do Bacajá, Terra Indígena Trincheira-Bacajá, com assessoria na tradução da antropóloga Clarice Cohn.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Após Encontro Xingu+23, indígenas ocupam Belo Monte. Justiça reconhece causa justa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU