22 Junho 2012
Hoje, evidenciam-se duas emergências: recuperar para a política os cristãos progressistas e liberais “excomungados” da retórica neoconservadora, e uma ideia de bem comum que não se silencie perante a passagem de uma “economia de mercado” para uma “sociedade de mercado” em que tudo tem um preço.
A opinião é de Massimo Faggioli, doutor em história da religião e professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 21-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Na Itália, alguns notáveis católicos estão explorando a tentativa de refundar um partido católico, mas nos EUA, onde nunca se teve um partido confessional ou de "inspiração cristã", as eleições de 2012 apresentam um desafio particular.
As eleições presidenciais colocarão frente a frente o presidente Obama, cristão protestante mas próximo do catolicismo social (e, por isso, paradoxalmente, em relações tempestuosas com os bispos norte-americanos) e o desafiador Romney, mórmon que tenta atrair o voto católico e evangélico a preço de um impressionante silêncio sobre seu próprio credo religioso.
Nesse cenário, o voto dos católicos será, mais uma vez, importante: nas últimas eleições, os católicos sempre votaram majoritariamente no vencedor, ou seja, o candidato que conseguiu conquistar a maioria do voto católico conquistou a Casa Branca. Uma coleção de ensaios essenciais para compreender a importância do voto católico é o recente Voting and Holiness: Catholic Perspectives on Political Participation (editado por Nicholas Cafardi, Paulist Press, 2012), que pretende dar aos eleitores uma série de critérios orientadores para o voto, mas em uma ótica muito diferente das mensagens pré-eleitorais dos bispos de memória democrata-cristã: Voting and Holiness é expressão de uma sensibilidade próxima à dos católicos obaminianos.
Alguns livros, como o de William D'Antonio (Catholic Bishops and the Electoral Process in American Politics), oferecem uma perspectiva de tipo histórico sobre a evolução da relação entre católicos e política nos EUA, especialmente a partir do início dos anos 1970, ou seja, depois da decisão de legalizar o aborto em 1973 e depois da divisão entre pro-life e pro-choice entre republicanos e democratas entre as duas campanhas de 1976 e de 1980. O presidente Carter, na campanha eleitoral de 1980, assumiu uma posição antiaborto, mas enquanto o Partido Democrata estava se movendo rumo a uma plataforma mais liberal e feminista; Reagan venceu as eleições também como defensor dos evangélicos pro-life, apesar de pessoalmente ter credenciais muito menos antiaborto.
Muitos livros são interessantes também para o cenário italiano. O cardeal Georges Cottier (ex-teólogo da Casa Pontifícia durante o pontificado de João Paulo II) aprecia, no seu Politics, Morality, and Original Sin, a busca de Obama de um common ground ecumênico e inter-religioso nos seus discursos na Universidade de Notre Dame e no Cairo na primavera de 2009, embora o presidente Obama não tentou (como fizeram todos os seus antecessores) restaurar a legislação sobre o aborto anterior à legalização de 1973.
O livro de Richard Gaillardetz, Prudential Judgment and Catholic Teaching, mostra como o voto de um católico deveria ser guiado por um prudential judgement que é formado pelo magistério social da Igreja voltado ao respeito pela dignidade da vida humana e orientado ao bem comum: um católico pode votar em um candidato que defende a legalização do aborto na medida em que as outras posições políticas propostas pelo candidato estejam voltadas para o desenvolvimento do bem comum – uma ideia que parece em vias de extinção do vocabulário da retórica do conservadorismo católico, como se lê no livro de Vincent Miller, The Disappearing Common Good as a Challenge to Catholic Participation in Public Life.
Iluminador, finalmente, é o livro de Terence Tilley, How Would Jesus Vote? Or the Politics of God’s Reign, que desafia a ideia enraizada da necessidade de os católicos serem “contraculturais”, com base no fato de que o catolicismo não é mais uma “cultura” uniforme há muito tempo, nem nas sociedades ocidentais, muito menos no resto do mundo.
Barack Obama conquistou a maioria do voto católico em 2008, mas em 2012 será menos fácil, também por causa da oposição frontal dos bispos à reforma da saúde aprovada em 2010. Mas essa é apenas uma das questões: o elemento de fundo é dado pelo fato de que a direita nos EUA (e não só) cooptou de modo instrumental a linguagem sobre os “valores”. O caso italiano e o norte-americano evidenciam as duas emergências: recuperar para a política os cristãos progressistas e liberais “excomungados” da retórica neoconservadora, e uma ideia de bem comum que não se silencie perante a passagem de uma “economia de mercado” para uma “sociedade de mercado” em que tudo tem um preço.
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O voto e a santidade. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU