Por: Cesar Sanson | 12 Junho 2012
A agenda é enorme, o tempo é curto, os negociadores queimaram cartuchos vazios nas reuniões preparatórias. Há muita coisa em jogo na Rio+20 e muitos riscos a evitar para que a conferência não desande.
O comentário é de Sérgio Abranches em artigo no blog ecopolitica, 11-06-2012.
Eis o artigo.
A agenda cobre quase todas as áreas das Nações Unidas: dos direitos humanos à fome; do desenvolvimento econômico à pobreza extrema; da mudança climática à perda de biodiversidade; do crescimento demográfico às emigrações transnacionais e transcontinentais; da indústria à agricultura; dos transportes à integridade dos oceanos. Podia continuar por várias linhas mais a falar dos pólos temáticos que se encaixam sob o guarda-chuva da idéia de desenvolvimento sustentável. “O Planeta que Queremos”, slogan básico da Rio+20, dá a amplitude das ambições. Mas essas ambições, até agora, não visitaram as posições dos países nas negociações preparatórias.
A última reunião terminou inconclusa e foi expandida para mais uma semana no final entre 29 de maio e o último dia 2. Os negociadores avançaram no acessório e continuaram se desentendendo no essencial. Voltam à mesa de negociações oficialmente entre 13 e 15 próximos. Mas as negociações se estenderão muito além desses três dias. Devem continuar em paralelo com os “Diálogos Sustentáveis”, uma iniciativa para dar voz à sociedade civil, mas que, por suas características e pela dinâmica política já em curso nos bastidores da conferência, corre o risco de ser apenas um palco para que algumas pessoas ilustres falem para uma audiência que quer ouvir exatamente o que dirão. Mas muito pouco desses “diálogos” chegará de fato às mesas de negociação. O ideal é que essas mesas políticas estivem abertas ao diálogo, ouvindo e levando em consideração o que dizem os cientistas, ambientalistas e cidadãos. Mas auscultam mesmo é os interesses imediatos de seus governos e da máquina econômica dominante.
Daquela lista interminável de temas que cabem na conferência, muitos já têm obrigações definidas pelos países em convenções, acordos e protocolos. Mas os negociadores estão com dificuldade até mesmo de reafirmar, com clareza, nas resoluções do Rio, os compromissos que já assumiram em outros fóruns da ONU.
Dois temas foram destacados como os temas oficiais da Rio+20: economia verde e governança. O tema da economia verde é inseparável de vários outros, principalmente, da mudança climática. Nenhuma economia será verde se não reduzir significativamente suas emissões de gases estufa, o uso de recursos não renováveis e a geração de resíduos, lixos e efluentes que entopem os rios, os oceanos de matéria não-degradável e envenenam a terra e as águas.
Há países que têm condições de fazer a transição para a economia verde como parte de seu desenvolvimento futuro, que envolve reconstruir infraestrutura degradada e construir infraestrutura nova, aproveitar recursos renováveis e de biodiversidade. É o caso do Brasil. Se quisesse, poderia ser a primeira economia do planeta a se tornar verde. Mas basta olhar o PAC; os estímulos ao consumo de automóveis de baixa eficiência; o novo Código Florestal em finalização no Congresso; a redução dos limites de unidades de conservação para dar passagem aos tratores das empreiteiras ávidas por mais barragens de hidrelétricas na Amazônia, grandes no tamanho e no impacto ambiental, pequenas no valor econômico e energético. O que o governo realmente faz mostra bem o que quer e o que não quer.
O Brasil vai se apresentar como autor de grandes avanços na sustentabilidade. Mas a maioria é puro marketing verde, maquiagem para gringo ver e gostar. O programa do etanol, sucesso no passado, vive grave crise no presente, por omissões e erros da política governamental. O etanol não consegue competir com a gasolina que é subsidiada. Os biocombustíveis vão mal. O biodiesel não consegue ganhar economia de escala, nem competir com o diesel que é subsidiado. O Brasil mostrará os programas, mas não dirá que o governo subsidia e incentiva mesmo é o combustível fóssil e a indústria de alto carbono. Também não contará que não criou condições para entrada e/ou produção no Brasil de carros híbridos e elétricos. Nem dará explicações sobre sua política incondicional de estímulos ao consumo de automóveis convencionais e caminhões a diesel. Dificilmente discutirá porque demorou a adotar o diesel com menor conteúdo de enxofre, ainda assim com um padrão menos exigente do que aquele em vigor em países europeus e no México e porque não consegue distribui-lo em todo o país. Menos ainda, porque a agência reguladora permite que os postos continuem a vender e a dar preferência para o diesel mais sujo.
Há países que poderiam fazer a transição para a economia verde usando seu potencial de inovação e expandindo programas estaduais e locais de sustentabilidade, que se provaram bem sucedidos para reativar a economia debilitada. Os segmentos de energia eólica e solar fotovoltaica têm se mostrado grandes geradores de emprego. Precisariam fazer um esforço importante – e caro – porém com alta taxa de retorno para eliminar o parque gerador de eletricidade a carvão. É o caso dos Estados Unidos. Mas não fará porque a oposição republicana se opõe duramente aos projetos de sustentabilidade e defende ardorosamente a economia do petróleo e do carvão.
O presidente Obama prefere sempre a linha do meio e acaba cedendo aos republicanos, reduzindo o escopo de suas políticas de apoio à economia verde. Pode ser diferente no segundo mandato, se for reeleito – o que parece provável – porque os presidentes tendem a ser menos cautelosos quando não precisam buscar sua reeleição. Obama não tem compromisso fechado com nenhum eventual candidato à sua sucessão após o segundo mandato. Pode querer fazer um governo mais marcante do que foi o seu primeiro. Por enquanto, nem deve aparecer na Rio+20. A estratégia de negociação de seus enviados deve ser cautelosa, para evitar problemas tanto com o eleitorado mais preocupado com a crise de emprego e renda – a maioria – quanto com o eleitorado preocupado com o futuro do planeta. Ou seja, por enquanto, linha do meio de novo.
Dos países que estão construindo nova infraestrutura, a China tem feito o maior esforço para fazê-la sustentável, mas tem sido insuficiente. Seus dirigentes estão envolvidos em uma conturbada sucessão que se estenderá por todo este ano. A economia está desacelerando mais rápido e mais fortemente do que haviam previsto. Os países têm os olhos mais voltados para dentro e para o agora, do que para o mundo e o futuro. E dessa forma chegarão para a Rio+20.
A Europa, que assumiu a vanguarda do processo de busca de sustentabilidade, desde a primeira rodada do Protocolo de Quioto, está mergulhada na sua mais grave crise após a ousada criação do Euro e a plena constituição da União Europeia. Agora, como se vê, é uma obra em construção e passa por um abalo cujas proporções pode afetar suas próprias fundações.
Das lideranças importantes da UE, só virá, aparentemente, o presidente recém-eleito da França, François Hollande. Angela Merkel já confirmou sua ausência. O primeiro ministro britânico, David Cameron, também. Se viesse, ajudaria pouco. Está sendo acusado de tentar maquiar as emissões de carbono que subiram durante seu governo. A Inglaterra vinha tocando um programa ousado de sustentabilidade, mas ele deu água com os conservadores. Talvez seria melhor dizer, deu fumaça. Virá em seu lugar Nick Clegg cuja posição real na estrutura de comando do governo do Reino Unido nem ele mesmo, nem David Cameron entenderam. É mais simpático às teses verdes que o primeiro-ministro, mas está mais próximo, em poder, da rainha da Inglaterra.
François Hollande é candidato a ser uma das estrelas da Rio+20. Vai chegar feliz da vida com o resultado do primeiro turno que deve lhe dar maioria parlamentar confortável, com uma coalizão da esquerda social-democrata com os verdes. Em discurso recente, criticou as lideranças mundiais de só falar em crise econômica e financeira embora a maior crise seja a ambiental.
Na véspera da maior reunião ambiental que se terá até, pelo menos, 2015, tudo está por ser feito. O Riocentro está pronto. Faltam alguns ajustes nas obras de finalização e mais sintonia fina na informação das dezenas de pessoas mobilizadas para receber delegados, sociedade civil e imprensa. Estive lá no feriado e a impressão que tive foi positiva. Não vi problemas que pudessem por em risco a infraestrutura do evento.
Onde o evento corre risco é na sua parte substantiva, nas negociações. Aí, tudo está ainda por ser construído. E vai depender da liderança brasileira. A reunião de alto nível, pode ser desequilibrada, com presença maciça de governantes dos países em desenvolvimento – o chamado Sul – e muito poucos do mundo desenvolvido – o chamado Norte. Corre-se o risco de ter uma conferência dominada por demandas aos países desenvolvidos de que assumam a responsabilidade – que precisam mesmo assumir – na aceleração da transição para a economia de baixo carbono. Mas cria espaço mais propício para que as potências emergentes, grandes responsáveis pelo futuro dessa transição, se eximam de suas próprias responsabilidades. Nesses casos, as grandes economias emergentes, como China, Índia e Brasil preferem diluir suas obrigações no surrado princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas.
Os países mais pobres já vêm olhando esse princípio com alguma desconfiança nas últimas reuniões da ONU, pois ao invés de servir para cobrar as responsabilidades dos desenvolvidos, tem sido mais útil para isentar as grandes economias emergentes das suas.
O segundo tema, da governança, também divide. Muitos países temem a criação de uma Organização Mundial do Ambiente, como foi proposto pelo ex-presidente da França, François Sarkozy. Na Europa em geral apóia a ideia. François Hollande, o novo presidente, também deve apoiá-la. Mas Estados Unidos, China, Índia e Brasil são contra. Haverá uma saída de compromisso. A estrutura para meio ambiente da ONU será fortalecida, mas sairá do Rio aquém do necessário dado o tamanho do desafio que temos pela frente.
As negociações não andaram bem e o tempo será curto para corrigir seu curso. Fracasso à vista? Aparentemente sim. Mas já vi muita reunião multilateral virar na última hora e sair com um conjunto imprevisto de decisões que, se não alcançam a ambição das promessas prévias, mantém o jogo em curso e permitem ganhos maiores no futuro.
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