02 Junho 2012
Levantando a cabeça um pouco acima dos limites estreitos da Roma papal e da península, percebemos que o conflito em andamento no Vaticano deve ser lido com uma ótica um pouco diferente daquela que está mais em voga. Em nível internacional, decifra-se o que está acontecendo como "uma conspiração italiana, ou, melhor, italiota". E, com o segundo adjetivo, pretende-se acentuar uma atmosfera de intriga e de conflito permanente, típica do país.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 01-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A análise agora já vai além do destino do secretário de Estado, Tarcisio Bertone, ou do embate entre ele e a CEI [Conferência dos Bispos da Itália]. Abandona a divisão discutível entre "reformadores" e "conservadores". Redimensiona até mesmo a demissão brutal do presidente do IOR, o "Banco do Vaticano", Ettore Gotti Tedeschi. Todos esses seriam esquemas enganosos: quase despistagens.
A convicção é de que o que está acontecendo configura uma operação que visa a curvar Bento XVI em vista do próximo consistório, que irá designar outros cardeais para o conclave. Mas, justamente porque nasceram no ventre do poder curial, trata-se de acertos de contas que não convencem os episcopados do resto do mundo; ao invés, aumentam as suas desconfianças.
O único verdadeiro efeito que estão tendo é deixar transparecer a gama dos potenciais derrotados: as "eminências" italianas. Qualquer que seja a forma como ela é observada, a história do "corvos" e a do IOR, com o contorno de venenos que as acompanha, oferecem uma imagem devastadora da Igreja Católica peninsular. Os bispos, o secretário de Estado, os conspiradores que tentam descarregar toda as culpas sobre Bertone: todos são também vítimas de uma manobra na qual prevalece a intriga e se confundem as responsabilidades.
O Vaticano é reportado a uma dimensão terrena ou, melhor, terrena e profana, na qual corre o risco de ninguém se salvar. O silêncio dos episcopados não italianos é o de quem se resignou a observar a uma distância segura uma involução que não prevê um final feliz e que se fará pesar quando se tratar de eleger um sucessor de Bento XVI.
E a cautela nas reações dos bispos italianos reflete uma preocupação e um estupor crescentes, mas talvez também traia uma mistura psicológica na qual convivem a intolerância perante o modo de agir de Bertone e, ao mesmo tempo, a projeção para o próximo conclave. E aqueles que não se inscrevem nesta ou naquela inclinação parecem ser esmagados pelo que acontece. No entanto, não têm a força nem a temeridade suficientes para pedir um "cessar-fogo".
Por enquanto, não parece que o papa queira mudar a sua agenda. Se é verdade que ele está bem, que rejeita lógicas de cartel e que não quer avalizar teoremas sobre os escândalos da Cúria, pode-se concluir que a ofensiva pode continuar, mas não produzirá os resultados esperados por aqueles que a manobram. Os aspirantes a "diretores" se revelam como aprendizes de feiticeiro, capazes de deslegitimar e destruir os equilíbrios existentes. Porém, não parecem capazes de dar corpo a uma solução alternativa àquela frágil e contestada que hoje governa a Igreja Católica.
O fato de o ataque ter chegado ao coração do "Apartamento", entre as pessoas mais próximas ao pontífice, é um salto de nível. O aparente envolvimento do camareiro pessoal de Bento XVI, Paolo Gabriele, atordoa e, ao mesmo tempo, constrange a olhar na cara uma realidade inesperada. Ele dramatiza os contornos do escândalo. Mas inevitavelmente reduz também as distâncias e as diferenças de visão entre Bertone e o secretário de Bento XVI, Pe. Georg Gänswein. Ambos são afetados pelo vazamento de notícias confidenciais e pela caça aos responsáveis, embora de modo e em medida diferentes.
No entanto, se o verdadeiro objetivo da ofensiva é condicionar o pontífice, a impressão é de que o Papa Ratzinger responderá mais uma vez confirmando a confiança em seus colaboradores: ao menos por enquanto. Um historiador da Igreja como o ministro Andrea Riccardi lembra que, no passado, no Vaticano, também aconteceram coisas mais graves do que as atuais. É verdade, mas não se respirava como hoje a sensação de que uma época está realmente se esgotando, e a sequência dos escândalos não é a causa, mas sim a consequência de um modelo que não se sustenta mais.
A Igreja, assegura o cardeal Francesco Coccopalmerio, um jurista, "sairá purificada". Mas certamente deverá, primeiro, se libertar daqueles que hoje se apresentam como "títulos tóxicos", para ajudar na comparação que vê uma Igreja em crise moral, semelhante à econômica da Itália.
Chama a atenção ouvir falarem, do outro lado do Tibre, de spread, a disparidade entre títulos de Estado italianos e alemães, que há meses é uma espécie de termômetro da crise de credibilidade do governo italiano. Fala-se de uma margem preocupante entre a confiabilidade ética que a Igreja deveria dar e aquele que, ao invés, ela está mostrando há meses.
"O spread moral vaticano é altíssimo", admite-se. "Poderia levar a pensar que a Santa Sé esteja à beira da falência. Mas o ataque especulativo se esvaziará, porque Bento XVI está bem e não se deixará influenciar por aqueles que apostam no colapso do papado".
Paradoxalmente, o antídoto deveria ser mais fácil de se encontrar do que as dificuldades de um governo italiano obrigado a enfrentar a especulação financeira internacional. Se é verdade que o ataque vem de dentro da Igreja e que tem contornos totalmente italianos, aparentemente a solução está ao alcance das mãos. A menos que os contrastes reflitam divisões mais profundas e uma decadência do sentimento de pertença à Igreja e de culto do segredo, que constituíram, por séculos, a sua força e o seu fascínio.
Nesse caso, a "síndrome italiana" e autodestrutiva seria difícil de frear, apesar de um papa alemão. E os falsos alvos acabariam por produzir danos verdadeiros e duradouros: ruínas capazes de revelar os escombros dos títulos dos Estados "seculares" e a crise das economias ocidentais como algo pequeno.
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A ''síndrome italiana'' que ronda o futuro conclave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU