Por: André | 30 Mai 2012
O ‘ministro’ da Família do Papa, cardeal Ennio Antonelli, ultima os preparativos do VII Encontro Mundial das Famílias, que reunirá, em Milão, de 30 de maio a 03 de junho, mais de um milhão de fiéis. E que contará com a presença do próprio Bento XVI.
Antonelli, presidente do Pontifício Conselho da Família, confessa que a família está em crise “sobretudo na Europa, na América do Norte e na Austrália”, reivindica o matrimônio tradicional e considera que “as convivências homossexuais deveriam continuar sendo de caráter privado”. Ao mesmo tempo, vê na crise uma oportunidade para mudar de estilo de vida e denuncia que “a busca do lucro máximo a qualquer preço gera gravíssimas desigualdades econômicas, especulação financeira, greves, endividamentos e degradação ambiental”.
A entrevista é de José Manuel Vidal e está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 26-05-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Antonelli, como vão os preparativos para o Congresso das Famílias de Milão?
Os números do VII Encontro Mundial das Famílias falam por si sós: um milhão de fiéis são esperados para a Missa com o Papa no domingo, 03 de junho, 300.000 participantes para a Festa dos testemunhos no sábado, dia 02, pela tarde, 50.000 visitantes previstos para a Feira Internacional da Família, 33.007 lugares de acolhida postos à disposição de 11.958 famílias ao longo de todo o evento, 12.077 lugares de acolhida nas paróquias, 50.000 postos de acolhida para a noite do sábado, dia 2, e do domingo, dia 3, 5.000 voluntários, 6.000 participantes previstos no Congresso Internacional Teológico-pastoral ou 41.420 euros recolhidos para o Fundo de acolhida às famílias.
De onde procede a maioria do milhão de pessoas que estão sendo esperadas?
Procedem de cerca de 70 países. Os grupos mais numerosos vêm da França, Espanha, Croácia, Polônia, México, Congo e Filipinas. Mas também vêm pessoas de lugares onde a vida diária é um drama, como o Haiti, Zimbábue ou Afeganistão.
Por trás dos impressionantes números de acolhida bate o coração de uma diocese e de toda a região da Lombardia, disposta a receber com os braços abertos a Bento XVI e às famílias peregrinas procedentes de todo o mundo. A disponibilidade para a acolhida e a oferta de espaços é superior à demanda. Isto permitirá inclusive aos peregrinos do ‘last minute’ encontrar uma acolhida adequada, para poderem participar da vigília de oração do sábado, dia 2, e da missa do domingo, dia 3, com o Papa, na região do aeroporto de Bresso.
Além disso, para animar ainda mais a participação, o cardeal Scola pediu a todas as comunidades cristãs da diocese ambrosina para que não celebrem missas na manhã do dia 03. Também todas as paróquias e associações são convidadas a enviarem ao menos dois representantes ao Congresso.
E para os que não podem estar fisicamente presentes?
Quem não puder vir para Milão terá a possibilidade de acompanhar os momentos mais importantes do encontro através dos meios de comunicação. Na página na internet do Encontro se retransmitirá o congresso em ‘streaming’ e se poderá acompanhar ao vivo pela televisão a festa do sábado à noite e a missa do domingo, ambos os eventos presididos pelo Santo Padre.
Diga-nos três frutos que gostariam de obter com o Congresso.
O Encontro Mundial das Famílias tem valor por si mesmo, como uma grande festa, nas quais as famílias de muitos e diversos países se conhecem, entabulam amizades e trocam experiências. Além disso, o povo de Deus, reunido em torno do Papa, celebra sua unidade e sua universalidade. Seguindo o lema, “A família: o trabalho e a festa”, se dará a máxima visibilidade a estas dimensões essenciais da existência humana, dons de Deus para viver de uma forma equilibrada e harmoniosa, superando os desequilíbrios e os desvios. Os frutos do Encontro dependerão especialmente da reflexão que haverá, depois do evento, nos diversos âmbitos eclesiais, culturais, sociais e políticos, prestando especial atenção ao intercâmbio de experiências e à coleta de dados sociológicos, como se fará em Milão, para colocar em marcha projetos eficazes.
A família está em crise em todas as partes?
A família está em crise sobretudo na Europa, na América do Norte e na Austrália: diminuição do número de casamentos, aumento dos divórcios, de casais que convivem, de ‘singles’ por opção; baixa natalidade; insuficiência educacional, assim como mal-estar e delinquência juvenis. A família se mostra mais sólida na Ásia, ao menos entre os cristãos. Em qualquer caso, é um motivo de confiança o fato de que, em todo o mundo, a família, segundo as pesquisas sociológicas, é colocada sempre por todas as pessoas, inclusive os jovens, em primeiro lugar na escala das aspirações e dos valores. Além disso, em todas as partes do mundo há uma minoria de famílias belíssimas, mais conscientes que outrora, mais motivadas e generosas, mais unidas, mais abertas, mais alegres e realmente exemplares. Estamos assistindo, de fato, a um novo protagonismo das famílias, com redes de solidariedade, associações e movimentos, tanto no âmbito eclesial como no civil.
Acredita que na Espanha, com o novo Governo, a defesa da família sairá ganhando?
Quem melhor pode responder a esta pergunta são os espanhóis. A mim, só corresponde expressar meus melhores desejos, acompanhados de orações.
Por que, de modo geral, a defesa da família se identifica quase exclusivamente com a procriação e os temas de moral sexual, e não com a defesa da dignidade do trabalho da família, por exemplo?
Em Milão, seguramente se destacará a interdependência entre família e trabalho. O trabalho é necessário para formar e manter a família, para alimentar e educar os filhos. Por sua vez, a família proporciona ao trabalho e ao mercado novos trabalhadores e um capital formado por importantes virtudes sociais, como o respeito às pessoas, a confiança, a responsabilidade, a solidariedade, a disponibilidade para colaborar, o gosto pelo trabalho bem feito ou a propensão à poupança. Tanto é assim que Bento XVI, na sua última encíclica Caritas in Veritate pôde escrever que a família é “uma necessidade social e inclusive econômica”.
Uma realidade tão importante para a sociedade como a família não deveria estar mais protegida?
A política e a empresa deveriam fazer o possível para harmonizar os tempos e as exigências do trabalho com os tempos e as exigências da família, para que as mulheres possam conciliar sua profissão com a maternidade, para favorecer a recuperação da natalidade e prevenir o envelhecimento global da população. Os cônjuges, por sua vez, deveriam tomar decisões de comum acordo sobre o trabalho profissional e repartir equitativamente o trabalho doméstico.
O trabalho é uma faceta vital necessária. Contudo, não constitui a especificidade da família. A estrutura essencial da família está constituída pela relação horizontal de duas pessoas, homem e mulher, e pela relação vertical entre as gerações de pais e filhos. Relações não apenas afetivas, mas também de respeito, entrega, serviço e dedicação ao autêntico bem dos outros inclusive com sacrifício e fidelidade, compartilhando a vida em todas as suas dimensões. O amor conjugal envolve as pessoas na sua totalidade: alma e corpo, pensamento, vontade, afetividade, sexualidade, assim como as capacidades expressivas, comunicativas e produtivas. A relação sexual é o gesto expressivo próprio do amor conjugal, assim como o aperto de mão é expressão de amizade.
Como se explica o fato de que os divorciados em segunda união não podem comungar, ao contrário de um homicida que se arrepende?
O homicídio é um ato gravíssimo, mas momentâneo. Se o homicida se arrepende sinceramente e muda sua atitude em relação aos outros, converte-se em um homem novo, que recebe o perdão de Deus e da Igreja. O divórcio seguido de um novo matrimônio civil é um pecado menos grave que o homicídio, mas grave. Além disso, os divorciados em segunda união se encontram em uma situação permanente que é objetivamente contrária ao Evangelho e à plena comunhão eclesial. Enquanto esta situação não se mudar, não podem ser admitidos à Eucaristia, expressão de comunhão espiritual e visível com Cristo e com a Igreja.
Cardeal, por que dois homossexuais que se querem não podem formar uma família baseada no amor?
A família normal é altruísmo estrutural. É uma comunidade na qual se valorizam e se harmonizam as diferenças sexuais e geracionais. As pessoas encontram sua própria identidade e se desenvolvem a si mesmas em relação com os outros, conscientes de suas próprias limitações e qualidades, e integrando seus próprios recursos espirituais, físicos, culturais, sociais e econômicos com os dos outros, para obter os melhores resultados. O que ajuda a crescer é a partilha, não a confusão. O matrimônio é fecundo na vida nova para os cônjuges, para a procriação e a educação dos filhos e para as virtudes sociais. O matrimônio do homem e da mulher não é um assunto privado, mas um recurso social; não se reduz a sentimentos, mas que comporta, sobretudo, um compromisso, publicamente reconhecido.
Por outro lado, os filhos, para se formarem uma personalidade equilibrada e humanamente rica, necessitam ter como referência a figura materna e paterna, assim como os valores que ambos encarnam. Portanto, o Estado e a sociedade deveriam se interessar em não confundir e, muito menos, equiparar a família baseada no matrimônio com outras formas de convivência. Os homossexuais como pessoas têm direito a ser respeitados por todos. Mas as convivências homossexuais deveriam continuar sendo experiências de caráter privado. As necessidades das pessoas podem ser satisfeitas no âmbito dos direitos individuais. Até aqui, a minha resposta permanece no âmbito civil. Do ponto de vista da ética cristã não deveria ser necessário recordar que o comportamento homossexual é contrário à vontade e ao desígnio de Deus, como assinala com clareza a Palavra de Deus no Antigo e no Novo Testamento, especialmente nas cartas do apóstolo Paulo.
A crise atual pode ser uma ocasião para redescobrir a família como suporte moral, afetivo e, inclusive, econômico?
Sem dúvida. A crise é uma prova dura e está provocando muitos sofrimentos. Mas também pode converter-se em uma oportunidade para assumir novos estilos de vida, dando maior importância às relações interpessoais e afetivas que aos bens materiais, aprendendo a distinguir o consumo que responde às autênticas necessidades e exigências do desenvolvimento do consumo inútil e, inclusive, prejudicial. A família pode proporcionar apoio moral e econômico, cuidado e assistência, convivência, serenidade e paz mais que qualquer outro sujeito social.
Há salvação para as famílias em um sistema capitalista exacerbado, que acumula lucros nas mãos de poucos e deixa nas sarjetas da vida milhões de pessoas?
A busca do lucro máximo a qualquer preço gera sem dúvida riqueza, mas de uma forma desordenada, causando ao mesmo tempo muitos males: conflitos internos no mercado, gravíssimas desigualdades econômicas entre os diversos grupos sociais e os diferentes países, especulação financeira, greves, endividamentos e degradação ambiental. Além disso, cria uma mentalidade utilitarista e individualista que não favorece o amor autêntico entre as pessoas e prejudica a estabilidade das famílias.
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“O comportamento homossexual é contrário à vontade de Deus”, afirma cardeal Antonelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU