09 Mai 2012
Mais uma vez, os cristãos viram-se na linha de fogo no último domingo, quando 19 pessoas foram mortas na Nigéria e uma no Quênia, em ataques contra três igrejas. Essas atrocidades, infelizmente, marcaram nada mais do que um pequeno ponto na tela do radar global, em grande parte porque essas coisas se tornaram assustadoramente familiares.
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 04-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A estimativa consensual é de que cerca de 150 mil cristãos são mortos hoje em todo o mundo a cada ano, seja por ódio à fé ou por causa das obras de caridade inspiradas pela fé. Isso se traduz em uma vítima a cada três minutos e meio. Com efeito, estamos testemunhando o surgimento de toda uma nova geração de mártires cristãos.
Todas as vezes em que algo assim acontece, o Vaticano, a seu crédito, é geralmente rápido a se pronunciar. Mais uma vez, desta vez, o padre jesuíta Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, denunciou os "atos horríveis e desprezíveis" no Quênia e na Nigéria, e instou as populações a resistir a um "círculo vicioso de ódio homicida".
No entanto, cada vez mais, uma pergunta inevitável se assoma: não há algo a mais que o Vaticano poderia fazer além de emitir declarações?
Escrevo nesta semana para fazer uma proposta na forma de um gesto papal que poderia ligar um poderoso holofote sobre as realidades angustiantes do martírio do século XXI. Como vemos, é um passo que não requer qualquer grande salto para o imaginário político ou diplomático do Vaticano. Ao contrário, está totalmente na sala de comando da devoção e da prática espiritual católicas tradicionais.
Aqui está a ideia: beatificar Shahbaz Bhatti (foto), e fazer isso agora.
Moralmente, é claro, o significado da morte de qualquer mártir não supera a morte de outro, mas, em termos de valor de choque e de interesse midiático, o assassinato de Bhatti no dia 2 de março de 2011 tem um inegável posto de honra. Com apenas 42 de idade quando foi morto, Bhatti havia sido o único católico no gabinete paquistanês como ministro de Assuntos das Minorias. Ativista veterano em nome das minorias religiosas em sua sociedade esmagadoramente muçulmana, incluindo uma oposição declarada às notórias leis contra a blasfêmia do país, Bhatti se tornou um símbolo mundial de tolerância, e a sua morte, portanto, um lembrete dramático da face violenta da intolerância.
Para enfatizar a importância disso, o Papa Bento XVI poderia dar o passo inusitado, embora não sem precedentes, de pôr de lado o período de cinco anos de espera para iniciar uma causa de canonização, algo já feito para Madre Teresa de Calcutá e para João Paulo II. Pelo fato de Bhatti ser um mártir, não há a necessidade de um milagre para a beatificação. O rito, portanto, poderia ser celebrado já no próximo ano em Roma e em Lahore.
Já há um impulso nessa direção. No dia 31 de março de 2011, os bispos católicos do Paquistão escreveram a Bento XVI para dizer que já haviam aprovado por unanimidade uma petição para que o nome de Bhatti seja inscrito "no martirológio da Igreja universal".
Não pode haver dúvida da piedade católica de Bhatti. Em uma entrevista concedida pouco antes de sua morte, quando o perigo que ele enfrentava crescia, ele disse: "Eu conheço Jesus Cristo, que sacrificou a sua vida pelos outros. Eu entendo bem o significado da cruz. Estou pronto para dar a minha vida pelo meu povo".
Eu conheci o irmão de Bhatti, Paul, em Roma nesta semana. Paul é um médico que estava atuando na Itália no momento do assassinato. (Ele já voltou ao Paquistão para assumir o posto de seu irmão no gabinete e a sua causa.) Ele contou que limpou o apartamento espartano do seu irmão pouco depois que ele foi morto, onde os únicos três itens que estavam sobre um pequeno criado-mudo eram a Bíblia, um rosário e uma imagem da Virgem Maria.
Bhatti também não pode ser definido como um padroeiro paroquial apenas para os cristãos, pois ele defendeu os direitos dos hindus, dos sikhs e de outros com igual vigor, sem falar dos muçulmanos. Paul Bhatti disse que esse ponto foi levantado no funeral de seu irmão: "Eu vi aquele mar de pessoas, dominados por uma emoção incontrolável", disse. "Meu irmão era um símbolo não apenas para os cristãos, mas também para outras minorias, e até mesmo para muitos, muitos muçulmanos".
Também há poucas dúvidas sérias de que a sua morte foi, de fato, martírio. O assassinato provavelmente foi provocado pela defesa de Bhatti em prol de Asia Bibi, uma mulher cristã condenada à morte sob as leis de blasfêmia. Houve uma breve tentativa por parte de alguns pesquisadores de transferir a culpa para "disputas cristãs internas", mas a maioria dos observadores independentes acreditam que o assassinato foi realizado por um ramo paquistanês do Talibã.
Na verdade, Shahbaz se moveu no complexo mundo da política, e há um debate legítimo sobre a sua linha política. Alguns cristãos paquistaneses sentiam que ele havia sido cooptado pelo governo e não foi agressivo o suficiente na defesa dos seus direitos. No entanto, o Vaticano sempre insistiu que beatificar alguém não significa endossar todas as escolhas feitas por ele ou ela. Ao contrário, significa que, apesar das falhas humanas, a luz da fé brilhou de alguma forma através de sua vida.
Assumindo que o papa faça parte e que grandes multidões apareçam, uma cerimônia de beatificação muitas vezes se torna um grande evento midiático. Essa seria uma oportunidade natural não apenas para contar a história de Bhatti, mas também para provocar um exame de consciência mundial sobre todos os outros novos mártires cristãos que ele representa.
Bhatti merece a honra. Os cristãos perseguidos de todo o mundo precisa do patrono. E a causa da defesa dos cristãos (e de outros) em perigo por causa de sua fé certamente poderia usar essa plataforma.
Assim, um lembrete para Bento XVI: com relação a Shahbaz Bhatti, Santo Subito!
* * *
Na quarta-feira passada, eu publiquei um artigo sobre a atual discussão na Itália acerca do movimento católico Comunhão e Libertação, envolvendo escândalos em torno de um punhado de seus membros que desempenham papéis de destaque na política italiana.
O artigo deu a impressão de que Roberto Formigoni, o governador conservador da região italiana da Lombardia e membro do movimento Memores Domini, ligado ao Comunhão e Libertação, está sob investigação das autoridades italianas por suborno e corrupção.
Isso não é verdade. Embora o nome Formigoni esteja ligado a uma investigação sobre corrupção que está ocorrendo nos relatos midiáticos, ele não foi formalmente acusado de qualquer delito.
Eu lamento pelo erro.
Aliás, eu participei do encontro anual do Comunhão e Libertação em Rimini no passado, e encontro muitas coisas a admirar na convicção apaixonada do grupo de que a fé cristã não pode ser um assunto puramente privado, mas deve ter consequências em toda a vida – não apenas política, é claro, mas também na arte, na cultura, na ciência e assim por diante.
Eu também estou bem ciente da injustiça de manchar um grupo inteiro por causa dos fracassos, reais ou percebidos, de alguns de seus membros. Eu queria que a minha história fosse mais sobre a dinâmica de um escândalo do que sobre a realidade interna do Comunhão e Libertação ou dos ensinamentos de seu fundador, o padre Luigi Guissani. Os ensinamentos, naturalmente, merecem ser considerados em seus próprios termos.
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''O reconhecimento dos mártires passa pela sua canonização'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU