27 Abril 2012
“É difícil para os trabalhadores que moram em outro estado ficarem seis meses trabalhando em uma atividade que, de certa forma, é penosa, sem poder ver a família”, afirma o procurador do Ministério Público do Trabalho, comentando a situação vivida pelos trabalhadores que constroem a usina hidrelétrica de Belo Monte.
Confira a entrevista.
“Sob o prisma da Justiça, diria que a greve é justa, mas sob o prisma do Direito, é uma greve ilegal”. É com estas palavras que o procurador do Ministério Público do Trabalho, Roberto Ruy Rutowitcz Netto, avalia o desfecho da greve dos trabalhadores de Belo Monte, que foi considerada ilegal pela Justiça do Trabalho da 8ª Região, ontem, dia 26-4-2012. Depois de algumas tentativas de negociações, sem consenso entre as partes envolvidas, os trabalhadores tiveram de acatar a decisão judicial e retomar as atividades no canteiro da obra mais polêmica do país.
Junto de uma equipe de auditores fiscais, o procurador esteve no canteiro de obras de Belo Monte durante nove dias e relata, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, o que averiguaram durante a fiscalização.
Os trabalhadores de Belo Monte reivindicam, entre outras coisas, a revisão dos cargos e salários, pois alegam que trabalhadores de Jirau, que desempenham as mesmas funções, recebem salários mais elevados. “Não se justifica um tratamento diferenciado entre trabalhadores de usinas diferentes, que são coordenadas pelo mesmo consórcio. É complicado aceitar o argumento de que o tratamento entre os trabalhadores é diferenciado por conta do orçamento”, assinala Rutowitcz Netto.
Roberto Ruy Rutowitcz Netto é procurador do Ministério Público do Trabalho – MPT do Pará.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Ontem a Justiça do Trabalho da 8ª Região julgou ilegal a greve dos trabalhadores de Belo Monte. Como avalia essa decisão e o desfecho da greve?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Eu participei das negociações da greve durante nove dias, quando estive no canteiro de obra em Belo Monte, junto com os auditores fiscais do trabalho. Fomos até lá para fazer uma fiscalização geral na obra nos dias em que os trabalhadores estavam pleiteando a diminuição do período para poderem visitar as famílias. Hoje, a cada seis meses trabalhados, eles têm uma folga de nove dias, e eles queriam que esse tempo fosse reduzido para três meses, como já acontece em outros canteiros de obras da usina de Jirau, por exemplo.
Segundo os trabalhadores, como em alguns canteiros de obra são permitidas folgas a cada três meses, não se justifica o período mais estendido nos canteiros de Belo Monte, até porque o consórcio responsável pelas obras é o mesmo. O argumento do consórcio é que se o período for reduzido de seis para três meses, isso implicará um custo adicional na obra na ordem de 300 milhões de reais, o qual não estava no orçamento.
Participamos de três rodadas de negociações e tentamos estabelecer um acordo, mas infelizmente não houve consenso. Depois de muitas negociações, o consórcio propôs aumentar a baixada (período das folgas) de nove para 20 dias, ou seja, o trabalhador poderia, em vez de passar nove dias, passar vinte dias na sua casa. Ocorre que esses dez dias acrescidos serão considerados uma antecipação das férias. Os trabalhadores não concordaram, porque alegam que férias é um direito legal dos trabalhadores. Portanto, na avaliação deles, a proposta da empresa não traz ganhos positivos.
Outro item que estava sendo objeto de negociação é o aumento do vale-alimentação, que hoje gira em torno de R$ 90,00 ou R$ 95,00. Como também não houve negociação neste aspecto, os trabalhadores deliberaram pela greve.
O fato é que hoje (26-4-2012) a greve foi declarada ilegal por uma decisão liminar, ainda passível de recursos. Então, até entrar com recursos, os trabalhadores terão de acatar a decisão judicial. O argumento da Justiça do Trabalho foi de que o acordo coletivo ainda está em vigor e que não haveria descumprimento das cláusulas que foram pactuadas. Decidiu-se, portanto, pela ilegalidade da greve.
IHU On-Line – Por que ela foi considerada ilegal, se as reivindicações eram legítimas?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Em minha opinião, não se justifica um tratamento diferenciado entre trabalhadores de usinas diferentes e que são coordenadas pelo mesmo consórcio. É complicado aceitar o argumento de que o tratamento entre os trabalhadores é diferenciado por conta do orçamento. O consórcio sabia que estas manifestações poderiam ocorrer.
Por outro lado, é difícil para os trabalhadores que moram em outro estado ficarem seis meses trabalhando em uma atividade que, de certa forma, é penosa, sem poder ver a família. Então, sob o prisma da Justiça, diria que a greve é justa, mas sob o prisma do Direito, é uma greve ilegal. Essa é a avaliação que faço, mas não sou o julgador do caso. Foi o Judiciário que se manifestou.
IHU On-Line – O governo foi criticado pelo sindicato dos trabalhadores e pelos movimentos sociais por não ter participado das negociações. Como o senhor vê a posição do governo nesse sentido? Se tivesse se manifestado, o desfecho teria sido outro?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Na verdade, na mesa de negociações tinha um representante da Norte Energia, representando o governo, mas realmente a participação da empresa foi como mero observador. Até, porque, a alegação é de que o governo contratou o consórcio e as responsabilidades em relação ao orçamento e às negociações são, portanto, do próprio consórcio. Se não me engano, a Secretaria da Presidência da República estava acompanhando ou, pelo menos, assistindo à distância o desenrolar da greve. Se tivesse havido uma postura diferente do governo, o desfecho poderia ter sido diferente.
IHU On-Line – O que foi averiguado com a fiscalização durante os nove dias que estiveram no canteiro de obras? Há irregularidades? Quais as condições de trabalho e de alojamento?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Nós fizemos uma fiscalização geral. A equipe se dividiu em grupos para dar conta do trabalho. Então, as condições do consórcio estavam regulares. Os alojamentos ainda são provisórios, pois os alojamentos definitivos estão sendo construídos, mas atendiam às exigências das normas. Eles eram climatizados, havia disponibilidade de água potável, os refeitórios também eram adequados, com mesas e cadeiras. A comida era feita com água potável e os locais também eram refrigerados. Havia o serviço de lavanderia para a lavagem da roupa de cama e também das roupas pessoais dos trabalhadores.
Tem um centro de treinamento para treinar os trabalhadores que irão iniciar operações em máquinas pesadas. Claro que existiam irregularidades, mas eram irregularidades pontuais, irregularidades menores, que foram solucionadas durante a própria ação fiscal ou em prazo razoável. Por exemplo, solicitamos proteções em algumas máquinas e equipamentos, e a empresa imediatamente disponibilizou uma equipe e atendeu a todas as recomendações que foram feitas. Os problemas maiores que detectamos foram em relação ao transporte, pois alguns veículos realmente estavam sem condições de serem utilizados. A empresa se comprometeu em resolver essa questão, inclusive, querem adquirir uma frota própria.
Também verificamos alguns problemas com as empresas terceirizadas. Havia alguns erros também na questão de exames médicos, exame de prevenção de acidentes, mas a maioria das irregularidades foi solucionada durante a própria ação fiscal. De modo geral, as condições de trabalho eram boas.
IHU On-Line – Além das reivindicações em relação ao período de baixada, quais foram as outras reivindicações dos trabalhadores?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – As duas questões principais era o aumento do vale alimentação e a redução do período para visitar as famílias de seis para três meses. Outras reivindicações dizem respeito ao enquadramento. Eles alegavam que determinados trabalhadores de um canteiro de obra X e de um canteiro de obra Y, que desempenhavam a mesma função, ganhavam salários diferentes. Eles querem critérios objetivos para a classificação dos salários e pediram a reavaliação dos salários. A empresa se prontificou a fazer isso. Outra exigência diz respeito à instalação de cabines telefônicas para que possam entrar em contato com as famílias. Lá há um problema em relação à cobertura telefônica e é difícil a comunicação via celulares. Parece que a empresa fez um contrato com uma operadora e está instalando uma torre de telefone para atender ao pedido dos funcionários.
Eles também pedem melhoria nos transportes, porque alguns ônibus não tinham condições de trafegar e foram interditados. O consórcio também custeava as despesas de lavandaria das roupas de cama e, caso os trabalhadores quisessem lavar as roupas pessoais na lavanderia industrial, tinham de pagar uma taxa adicional. Existe uma lavandaria comum, em que eles podem lavar as próprias roupas, mas o consórcio atendeu ao pedido deles, e a partir de agora passará a lavar todas as roupas gratuitamente. Eles também reivindicavam uma condição de trabalho diferenciada para os adventistas, que não podem trabalhar aos sábados.
IHU On-Line – Desde que começaram esses empreendimentos, essas greves são recorrentes. A que atribui essas manifestações?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – A greve é um fato social, é um movimento legítimo e faz parte dessas tensões entre capital e trabalho. Se o trabalhador entende que têm direitos e que pode buscá-los através das greves, a greve tem que ser reconhecida. Com relação às condições de trabalho, posso assegurar que nos canteiros que visitei as condições são adequadas, mas sempre existem direitos a serem conquistados. A greve é um instrumento de luta dos trabalhadores.
IHU On-Line – Os trabalhadores que foram demitidos relatam que se trata de demissões sem justa causa e que foram agredidos por policiais sem justificativas. Houve intervenção policial nos canteiros de obra?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Colhi denúncias de trabalhadores que alegaram que anteriormente faziam parte da comissão de representantes dos empregados junto do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada – Sintrapav. Eles relataram que foram excluídos da comissão pelo próprio sindicato. Ainda estou apurando esses fatos. Já ouvi e notifiquei o consórcio responsável pela obra, o qual já me apresentou as manifestações em sua defesa. Agora vou ouvir os representantes do sindicato. Pelo que ouvi de algumas pessoas, esses trabalhadores estão ligados a movimentos sociais que são contrários à construção de Belo Monte. Ainda estou apurando as informações para ver qual versão vai prevalecer: se os trabalhadores foram demitidos sem justa causa, por motivos de perseguição, ou a versão do consórcio. O procedimento ainda está em fase de instrução probatória e ainda vou ouvir testemunhas para tirar as conclusões. Se de fato os trabalhadores foram demitidos porque foram discriminados, ou porque faziam parte da comissão de representação, vamos tomar as providências legais.
IHU On-Line – E os trabalhadores relataram algo em relação à intervenção policial?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Nesse período que estive lá, não. Talvez isso tenha acontecido na primeira greve. O relato que tenho é de um trabalhador que disse que foi entregar um crachá e foi agredido por um vigilante da empresa.
IHU On-Line – Como o Ministério Público do Trabalho pretende atuar daqui para frente?
Roberto Ruy Rutowitcz Netto – Dado o porte do empreendimento, o MPT formou uma comissão que ficará responsável pelo acompanhamento da obra. Por enquanto, fizemos duas visitas aos canteiros de obras, e outras serão feitas em conjunto com os auditores fiscais, até porque a obra vai durar bastante tempo. Nosso objetivo é atuar na prevenção. Já aconteceu um acidente fatal na obra, e o queremos evitar que isso se repita. Queremos que os trabalhadores trabalhem em condições dignas, de acordo com a legislação. Infelizmente ainda não existe sede da procuradoria em Altamira, mas estamos estudando a viabilidade de instalar uma procuradoria provisória por lá para acompanhar esse empreendimento, que irá demandar a presença do MPT.
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Os nove dias de greve em Belo Monte. Um depoimento. Entrevista especial com Roberto Ruy Rutowitcz Netto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU