14 Abril 2012
Remonta a mais de dez anos um artigo de Paul Krugman – um dos mais proféticos – sobre o colapso da companhia de energia Enron. A Grande Crise que atravessamos foi precedida por aquele primeiro sinal lúgubre, e nele o economista viu, no New York Times do dia 29 de janeiro de 2002, a forma das coisas futuras. Essa história de falsa glória misturada com fraude era muito mais decisiva do que o ataque ao Trade Center, que, no dia 11 de setembro de 2001, havia semeado morte e ofendido a potência norte-americana.
A análise é de Barbara Spinelli, publicada no jornal La Repubblica, 11-04-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Um grande evento – estava escrito – só muda todas as coisas se mudar o modo como você se vê. O ataque terrorista não podia fazer isso, porque deles nós fomos mais vítimas do que perpetradores. O 11 de setembro nos ensinou muito sobre o wahabismo, mas não muito sobre o americanismo".
O caso Enron pôs fim à idade da inocência do capitalismo, revelando as desregulações e o laxismo em que ele havia caído. Os sacerdotes dessa idade eram prisioneiros de dogmas, e nenhuma pergunta dura arranhava a convicção de que esse era o melhor dos mundos possíveis. Foi como o terremoto de Lisboa, que, em 1755, forçou a filosofia europeia a abandonar (graças a Voltaire e a Kant) a fé otimista na Providência.
Imediatamente, ele não matou como o 11 de setembro, mas, como não existe sacerdote sem sacrifícios cruéis, isso também logo mudou: entre 2007 e hoje, a crise começou a ter os seus mortos, sob a forma de suicídios. Começaram na França, em 2007-2008.
Agora, essa infelicidade extrema, impotente, se aproxima da Grécia e da Itália, atingidas pela recessão e por medidas que tornam desesperadora a relação entre o homem e o trabalho, entre o homem e sua velhice, entre o homem e a liberdade. Sem trabalho, sem a possibilidade de cumprir as obrigações que mais importam (com relação aos próprios filhos, à própria dignidade), a própria liberdade política se ofusca: você se torna um emigrante clandestino em sua própria pátria, um transplantado.
Suicídios desse tipo não são patologias íntimas, deslocamentos da alma que, na morte, busca um método seu. Na França, Grécia, Itália, eles estão todos ligados à crise. São cometidos por pensionistas, trabalhadores, empresários apanhados na jaula das dívidas, empréstimos não reembolsáveis, empresas falidas.
É significativo que quase todos se imolam nas ruas ou nos postos de trabalho, deixando cartas-testamentos que dizem a escolha indizível. Dimitris Christoulas, o pensionista que, no dia 4 de abril, tirou sua vida na Syntagma Square – a praça dos protestos – escreveu que o governo, rebatizado de "governo colaboracionista de Tsolakoglou", em memória do primeiro-ministro que, em 1941-1942, abriu as portas aos nazistas, "aniquilou a minha capacidade de sobrevivência, baseada em uma pensão digna com a qual eu contribuí por 35 anos".
Christoulas não quer "ficar pescando no lixo" em busca do que se sustentar, e adverte: os jovens roubados de futuro enforcarão os responsáveis como fizeram os italianos na Piazzale Loreto com Mussolini. "Dada a minha idade avançada, eu não posso reagir de forma ativa. Mas se um concidadão meu pegasse uma Kalashnikov, eu estaria disposto a ficar do seu lado".
As estatísticas sobre os primeiros cinco meses de 2011 certificam um aumento de suicídios de 40% com relação ao mesmo período em 2010. Desastres semelhantes ocorrem na Itália. A CGIA, associação de artesãos e pequenas empresas de Mestre, anuncia que em 2008-2010 os suicídios cresceram 24,6%: saíram do mundo empresarial, funcionários, pensionistas. Em 2008, os suicídios econômicos foram 150, em 2010, 187. Há um "efeito imitação", explica a CGIA, mas o termo é lenitivo. Consolamo-nos assim em 2008, quando 24 funcionários da France Telecom se mataram (uma primeira advertência viera no ano anterior da Renault: três suicídios em quatro meses).
O motivo social foi subestimado, assim como em 2002 se subestimou o colapso da Enron, ruinoso para os fundos de pensões de milhares de trabalhadores. Giuseppe Bortolussi, secretário da CGIA, fala de "perda de segurança, solidão, desespero, rebelião contra um mundo que está se revelando cínico, inóspito". Governos, jornalistas, economistas deveriam abandonar as ladainhas sacerdotais sobre a "resistência à mudança". Faz parte do seu trabalho tentar entender os impulsos secretos do homem, não só dos balanços. O suicídio é um indignado que naufraga porque não é reconhecido, não é visto.
Sobre isso também Krugman foi visionário em 2002: "Para quem não está diretamente envolvido – grande parte dos políticos não estão – não importa o que fez, mas sim o que faz". De fato, faltou todo exame crítico do passado, do consenso de tantas desregulações. Uma década se passou, e a reação obtusa do ministro do Tesouro de Bush, Paul O'Neill, ainda faz escola: "As empresas vêm e vão. Esse é o espírito do capitalismo".
Os suicídios na Grécia ou na Itália são uma rebelião contra o fatalismo dessa definição – espírito – que vê no capitalismo uma força da natureza, contra a qual nada pode ser feito senão cair fora da disputa enloquecida. Um falso profeta, Samuel Huntington, previu em 1992 choques próximos entre as civilizações. O choque está dentro das civilizações: a nossa. Os suicídios são o seu sintoma. Quem não acredita que vá para L'Aquila. Salvatore Settis viu uma Pompeia do século XXI. As ruínas do terremoto se mantiveram tais e quais, como em uma história de ficção científica. Quem disse que o capitalismo é movimento?
O suicídio estudado por Emile Durkheim no século XIX é o autoafundamento do cidadão de quem são arrancados não só os direitos, mas também as própria obrigações da cidadania: a livre submissão à necessidade do trabalho, o sentir-se parte de uma sociedade, de uma ordem profissional, de um sindicato que inclua e integre. Ao contrário do suicídio intimista ou da imolação altruísta, Durkheim o chama de o suicídio anômico. A sua raiz está na anomia: no desaparecimento de normas que toda crise comporta. Na impunidade de que gozam os iniciados que menosprezam as normas.
É nessa anomia que vivemos, sem mais os advogados do indivíduo que foram os sindicatos, as ordens profissionais, as Igrejas, os partidos. A corrupção destes últimos é um alívio para aqueles que querem fazer um deserto e chamá-lo de paz. A Grécia e a Itália estão doentes, e não por acaso é aí que o cidadão transmutado em cliente não espera mais ser ouvido.
"Os homens jamais permitiriam limitar os seus desejos se se acreditassem autorizados a superar o limite a eles estipulado. Mas, por essas razões, não podem ditar por si sós essa lei de justiça. Por isso, eles deverão recebê-la de uma autoridade que respeitam e à qual se inclinam espontaneamente. Somente a sociedade, seja diretamente e em seu conjunto, seja mediante um dos seus órgãos, é capazes de desempenhar essa função moderadora. Somente ela é esse poder moral superior do qual o indivíduo aceita a autoridade. Somente ela tem a autoridade necessária para conferir o direito e para assinalar às paixões o limite além do qual elas não devem ir" (Durkheim, O suicídio, 1897).
Fazem parte da sociedade partidos, sindicatos, empresários, governantes: todos se mostraram incapazes de observar e, portanto, de impor as normas, todos são portadores de anomia. Por isso, leis e proteções são tão importantes. Já dizia no século XIX o católico Henri Lacordaire: "Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o senhor e o servidor, o que oprime é a liberdade, o que liberta é a lei".
Os cidadãos gregos e italianos, apátridas na pátria, precisam de lei, de nomos. Se é verdade que vivemos transformações planetárias, urge saber se elas sempre desencadeiam um aumento de suicídios: segundo Durkheim, os boons econômicos também desmoralizam. Finalmente, devemos saber se Camus tinha razão: a revolta é a resposta, a única talvez, ao suicídio (o país "se salva no andar térreo", diz Erri De Luca). Quando é positiva, a revolta tende a reintroduzir o sentido da lei lá onde se assentou a anomia.
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O cidadão clandestino. Os suicídios na Grécia e na Itália - Instituto Humanitas Unisinos - IHU