Peru e Bolívia, vizinhos do Brasil, negam ajuda a haitianos

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09 Janeiro 2012

O pedreiro Saint Juste Baptiste, 41 anos, está no Brasil há um mês e meio. Otteneil Neriil tem 36 anos, é mestre de obras e chegou há três meses. Os dois são haitianos. No último sábado, Baptiste e outros dois amigos, Pierre Enock e Polyte Elie, estavam na Ponte da Amizade, que liga Brasil e Bolívia, olhando as águas do Rio Acre, que não param de subir. Eles não podiam cruzar os 200 metros entre Brasileia e a vizinha Cobija, zona livre que comercializa todo tipo de artigo fabricado no mundo, trazidos do Panamá. Neriil cruzava a ponte do lado contrário, com o compatriota Jacqui Jean Pierre, depois de dar uma volta e ver as lojas da cidade boliviana. Qual a diferença entre Baptiste e Neriil?

- Não posso ir até lá, não tenho visto - diz Baptiste.

- Sou cidadão brasileiro agora. Tenho o visto de permanência e CPF - explica Neriil.

A reportagem é de Cleide Carvalho e publicada pelo jornal O Globo, 09-01-2012.

Da Estrada do Pacífico, haitianos seguem até Brasileia

Ao contrário do Brasil, a Bolívia não aceita a entrada de haitianos ilegalmente, sem visto. Tampouco oferece a eles ajuda como "comida e dormida", como na pequena Brasileia. É assim também em Iñapari, no Peru. Ali, se quiserem ficar, os haitianos têm de pagar para comer e dormir. Nem o Peru, nem a Bolívia, os dois corredores de chegada dos imigrantes ilegais, dão a eles o mesmo tratamento que o Brasil, que agora estuda até mesmo pagar pousadas para que os haitianos fiquem mais bem acomodados enquanto esperam pelo visto temporário, que dá direito de viver e trabalhar no Brasil por dois anos, com CPF e carteira de trabalho assinada.

Iñapari é uma cidade minúscula, de aspecto rural, na fronteira com Assis Brasil (AC), com ruas de terra, casas e pousadas de madeira. Há pouquíssimo comércio. O maior movimento tem sido a venda de cartões telefônicos e a circulação de táxis e pequenos triciclos de transporte cuja principal função tem sido levar haitianos à fronteira, na Estrada do Pacífico, por onde vão de táxi ou ônibus até Brasileia.

Não é difícil entender por que coiotes abordam os haitianos por ali. Iñapari, conhecida como rota de tráfico de drogas, foi um dos lugares por onde começou a passar o oxi para o Brasil. Não atrai turistas - como sonham políticos peruanos e brasileiros que querem fazer da Estrada do Pacífico rota de turismo de Cusco, no Peru, cruzando a Cordilheira dos Andes, e chegando à Floresta Amazônica na área que levou para o mundo, pela voz de Chico Mendes, o grito da preservação. Chico Mendes nasceu em Xapuri e foi sindicalista em Brasileia.

A Bolívia também tem seus problemas. O comércio de fronteira é ruim e Cobija está distante de se tornar uma Ciudad Del Este, cidade paraguaia tida como paraíso de compras de brasileiros. Se o Brasil baixasse impostos ou tornasse Brasileia também uma cidade de livre comércio, os negócios em Cobija praticamente desapareceriam.

Enquanto nada acontece, Brasileia tem grandes fazendas de gado, comércio ralo e muitos moradores trabalham nas lojas de Cobija, com preços em real e dólar numa conversão extorsiva, a US$ 1 por R$ 2. Mesmo assim, o comércio fica lotado de brasileiros atrás de roupas baratas, eletrodomésticos e eletroportáteis importados.

O governo brasileiro já se reuniu pelo menos uma vez com autoridades de Peru, Bolívia, Equador e Colômbia para tratar da questão dos haitianos. Todos disseram que têm tradição de "livre trânsito" e não tomariam medidas para impedir a passagem.

- Eles entendem que apenas facilitam o trânsito - diz Nilson Mourão, secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre.

O mais novo pedido do Brasil foi para que Bolívia e Peru impedissem casos de agressão e extorsão de haitianos, como ocorreu até dezembro. Bolívia e Peru não dão, porém, ajuda humanitária a haitianos nas cidades de fronteira.

- Até o presente momento é isso que ocorre - diz Mourão.

A seu ver, se os governos trabalharem para impedir a violência com os haitianos, já terão dado sua contribuição.