02 Novembro 2011
O medo da morte e, ao mesmo tempo, o desejo de morrer, a ausência dos nossos entes queridos que gera um profundo sentimento de solidão. O que a nossa frágil fé espera do além. Não é preciso se deixar levar pela dor, por maior que seja. Mesmo no desconforto é possível encontrar motivo de esperança. Além da vida, existe um futuro.
Publicamos aqui a resposta do cardeal Carlo Maria Martini a leitores do jornal Corriere della Sera, 30-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o diálogo.
Caro cardeal Martini, há sete anos sofro do mal de Parkinson e, há cinco anos, de artrite reumatóide. Há um ano, meu marido morreu de câncer e com ele eu também morri. Tive dois abortos espontâneos e, portanto, não tenho filhos. Fui enfermeira, e assim eu sei o que me espera. Rezo a Deus para que me faça morrer o mais rápido possível, porque não quero mais viver, não posso, não tenho força para tanto, nem consigo encontrar um motivo para me levantar de manhã. Tenho 72 anos e não há um dia que eu não duvide da existência de Deus, mas me esforço para esperar nele, porque é a única razão que me impede de tirar a minha vida.
Lucia Renghi, Città di Castello (Perugia)
Estou ciente de voltar a um tema que o senhor já abordou, ou seja, o medo humano da morte. Depois a morte, não existimos. Como antes do nascimento. Mas o senhor diz que existimos de um outro modo. Vamos rever aqueles que amamos? Presumo que seja uma metáfora. E me limito a perguntar: quem não acreditou nisso também vai rever aqueles que amava?
Silvia Delaj, Milão
A fé é um dom? Gostaria de ter a sua mesma certeza da existência de Deus, mas infelizmente não é assim. Esperava sentir a presença de Deus pelo menos no momento da morte do meu pai, que, nos momentos finais, quis ao seu lado o ícone da Irmã Maria della Passione. Ele expirou em meus braços, mas, naquele momento e na presença da morte, eu senti nele apenas um grande sentimento de solidão. Um vazio, um nada que, depois de quatro anos, eu ainda sinto muito vivo dentro de mim.
Daniel Perna, Cercola (Nápoles)
* * *
Eu coloquei essas três cartas juntas porque me parece que elas tratam de assuntos afins, apesar da diversidade de situações, como o medo da morte e, ao mesmo tempo, o desejo de morrer, o que nos espera depois da morte e a nossa frágil fé.
Acima de tudo, a morte: ela é dolorosa para todos. Mas às vezes acontece que quem está pesadamente sobrecarregado por grandes dores chegue a dizer: como poderei continuar sofrendo assim? Melhor ir embora! Não é um pecado pensar desse modo, mas devemos estar atentos de que isso não leve a um suicídio de verdade. Manifestar simplesmente o nosso pedido a Deus para que ele nos leve logo consigo é uma demanda lícita. Mas devemos nos habituar a levar em conta tudo o que é positivo.
No caso de Lucia Renghi, entrevejo muitas coisas positivas. Mas ela mesmo deve se dar conta disso. O marido morreu de câncer, e, certamente, ela o serviu com muito amor. O mesmo ela fez no seu longo serviço de enfermeira profissional. Mesmo no desconforto causado pelo Parkinson, é possível participar de pequenas iniciativas de caridade, que alargam o coração e o enchem de esperança.
No que se refere, ao contrário, ao medo da morte, do qual nos fala Silvia Delaj, não há remédios fáceis. Não basta, por exemplo, impor a si mesmo que não se pense nisso. Eu não conheço nenhum método melhor do que o de se concentrar no presente. Assim, também é possível atualizar o modo com o qual Cristo derrotou a morte, oferecendo-se totalmente a Deus Pai. Mesmo morrendo de uma morte injusta e cruel, ele disse: "Em tuas mãos, Pai, entrego o meu Espírito". Esse é o segredo! Se não nos confiarmos a Deus como crianças, deixando que Ele disponha do nosso futuro, nunca chegaremos a fazer esse gesto de total abandono de si mesmo, que constitui a substância da fé.
Certamente, vamos rever aqueles que amamos. Mesmo aqueles que amaram mesmo não tendo conhecido Jesus. Como Dante diz: "A bondade de Deus tem, sim, grandes braços, que toma o que se dirige a ela". Mas de onde vem uma fé tão dócil? Daniel Perna responde: ela é dom de Deus. Mas isso não significa que não somos chamados a fazer tudo o que está nas nossas possibilidades para receber esse dom. Depois, o fato de a ausência prolongada de uma pessoa muito querida por nós nos gerar solidão, isso é algo que deve ser compreendido e respeitado. Não é difícil na nossa vida experimentar momentos dramáticos por ocasião da morte de um parente próximo ou de um amigo muito querido. Não é preciso olhar para o falecido para captar nele algum sinal de ressurreição. A sua alma, como diz o pensamento hindu, "deixou o seu corpo", e é inútil encontrar nele sinais de vida nova.
Depois, quanto à observação de Daniele, que diz: "Gostaria de ter a sua mesma certeza da existência de Deus, mas infelizmente não é assim", devo dizer que me sinto muito a fragilidade dessa minha fé e o perigo de perdê-la. Por isso, rezo muito ao Senhor e lhe confio a minha vida, a minha morte e todos aqueles que vão para a morte com pouca confiança no poder de Deus.
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"Não cedas à dor. Há um futuro além da vida". A esperança do cardeal Martini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU