18 Outubro 2011
O padre jesuíta Dean Brackley, que se voluntariou em 1989 a ajudar a substituir os membros do corpo docente assassinados na universidade jesuíta de El Salvador durante a sua sangrenta guerra civil, morreu no último domingo em San Salvador. Ele tinha 65 anos.
A reportagem é de Patrick Marrin, publicada no sítio National Catholic Reporter, 17-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Brackley, membro da província dos jesuítas de Nova York quando se mudou para San Salvador, serviu na Universidade Centro-Americana de 1990 até a sua morte. Ele havia sido diagnosticado com câncer no pâncreas há quatro meses.
Brackley será lembrado pelos seus esforços incansáveis para promover a conscientização e a solidariedade entre Igrejas e universidades nos Estados Unidos e os pobres na América Central. Ele escreveu e fez palestras extensamente sobre a necessidade da educação superior para conectar a academia ao serviço e aos recursos para a realidade social dos pobres.
O seu testemunho pessoal, erudição meticulosa e paixão pelos pobres fizeram dele uma voz de consciência dentro da rede mundial de escolas e universidades jesuítas em sua resposta à violência em El Salvador. Seu papel no acolhimento e na orientação de milhares de delegações eclesiais dos Estados Unidos e da Europa às realidades da América Latina ajudou a moldar o "acompanhamento" das paróquias irmãs e outros grupos de defesa, que, por sua vez, influenciaram uma mudança na política dos EUA na região no fim da guerra civil de 12 anos e os acordos de paz em 1992.
Mas, quando Brackley chegou ao aeroporto de El Salvador em janeiro de 1990, ele entrou em uma zona de guerra. Seu quarto na residência jesuíta estava a poucos metros do pequeno jardim onde os corpos crivados de balas dos jesuítas foram encontrados, onde seu sangue e cérebros respingaram nas paredes próximas. Foi no final do corredor de um salão onde a empregada e sua filha foram mortas ao mesmo tempo, depois de sua decisão de permanecer no câmpus durante a noite com base no pressuposto de que ali estariam mais seguras, porque o Exército havia isolado a área durante uma ofensiva dos rebeldes.
O massacre noturno dos seis membros do corpo docente e das duas mulheres enviaram ondas de choque para todo o mundo em novembro de 1989, fazendo brilhar um holofote sobre o apoio dos EUA aos militares salvadorenhos em uma guerra civil definida pela retórica anticomunista da época.
Quando foi revelado que comandos do Exército salvadorenho, que tinham recém acabado de voltar do treinamento nos Estados Unidos, é que haviam levado a cabo os assassinatos, a indignação se organizou no atual protesto anual na Escola das Américas, em Columbus, Geórgia, onde os militares latino-americanos têm recebido treinamento durante décadas. Por um tempo, os colégios, universidades e escolas de ensino médio jesuítas formaram a espinha dorsal do protesto contra a Escola das Américas. As amplas implicações geopolíticas do protesto permearam os currículos e as posturas públicas de algumas das instituições de ensino mais prestigiadas dos Estados Unidos, cujos alunos mantiveram posições de alto nível no Departamento de Estado e no Pentágono.
Brackley assumiu funções na equipe da Universidade Centro-Americana e, nas próximas duas décadas, administrou a Escola de Educação Religiosa e auxiliou nas escolas de formação pastoral. Ele levou a El Salvador os seus 10 anos de ensino de teologia e de ética na Fordham University, de Nova York, e sua experiência na pastoral social no Lower East Side de Manhattan e no South Bronx, onde ele encontrou o tipo de pobreza estrutural e desagregação social que ele testemunharia em El Salvador, no período posterior à guerra.
História de vida
Nascido em Nova York em 1946, Brackley entrou para os jesuítas em 1964. Foi ordenado sacerdote em 1976 e concluiu um doutorado em ética social religiosa na Divinity School da Universidade de Chicago em 1980.
Ao chegar à Universidade Centro-Americana, Brackley estava pisando nas poderosas correntes de pensamento exemplificadas pelo Pe. Ignacio Ellacuría, que, dizem alguns, foi o principal alvo da ira do governo nos assassinatos do câmpus.
Ellacuría, jesuíta espanhol que tinha chegado a El Salvador em 1947, ajudou a definir o papel da universidade não como uma fonte de educação privada para os privilegiados, mas sim como uma fonte de empoderamento que devia se projetar para a realidade social ao seu redor. O foco da educação não era apenas fornecer carreiras de sucesso, mas sim análise social genuína para que os graduados pudessem abordar a injustiça estrutural e entrar no processo de mudança. Brackley costumava dizer que foi por causa dessa compreensão audaciosa do ensino superior que Ellacuría e os outros foram mortos.
Brackley trabalhou de perto com o padre Jon Sobrino, outro jesuíta da universidade que escapou do assassinato por estar fora do país na noite do ataque. Os escritos de Sobrino sobre a teologia da libertação refletem a visão de Ellacuría de que o arcebispo Oscar Romero viveu a visão da "Igreja dos pobres", proclamada no encontro de 1968 dos bispos latino-americanos com o Papa Paulo VI em Medellín, Colômbia. A morte de Romero em 1980 havia revelado o custo total do acompanhamento dos pobres quando a riqueza e o poder estão entrincheirados contra a mudança.
Mas o mistério pascal também era visível nesse autossacrifício como a fonte de esperança e de ressurreição. O aprofundamento da análise de Brackley sobre a condição dos pobres ligaria os pontos entre Medellín e as complexas desigualdades construídas sobre acordos comerciais, capitalismo global, política de imigração e a guerra contra o terror. Mas a sua análise sempre esteve dentro da visão teológica de que Deus está com os pobres, tornando-os embaixadores do restante de nós, evangelizadores que nos convidam a nos salvar respondendo à sua situação.
Em inúmeras palestras e no tempo gasto lecionando em universidades nos Estados Unidos, Brackley apresentou o desafio radical que a educação e o privilégio colocam sobre os ombros daqueles que possuem recursos, muitas vezes descrevendo o que o contato com os pobres nos faz: "Primeiro, ele quebra o seu coração, depois você se apaixona, e por fim você está arruinado por toda a vida".
Em um e-mail do dia 1º de julho para amigos, Brackley contou sobre o diagnóstico de câncer, suas esperanças por mais tempo para continuar o seu trabalho, mas também da sua entrega à vontade de Deus:
"O fator fé é decisivo, como vocês sabem. Quando eu peço a vocês e a Monseñor Romero que rezem, eu quero dizer: unamos a nossa fé. A minha é fraca o suficiente, mas, com todos nós, é outra história. Deus quer dar vida mais do que nós queremos a vida. Santo Inácio escreveu a Francisco Borja: "Eu me considero totalmente um obstáculo à obra de Deus em mim". Em outras palavras, o exercício da fé, o nosso desafio humano fundamental, nos desvia do caminho da obra de Deus. Por isso, rezemos".
"Eu estimo a amizade de vocês agora mais do que nunca. Un fuerte abrazo. Dean".
No dia 29 de agosto, quando as opções de tratamento na Califórnia se mostraram ineficazes, Brackley voltou a El Salvador. Ele morreu pouco depois das 11 horas do dia 16 de outubro, cercado pelos seus irmãos jesuítas e amigos íntimos.
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Morre o jesuíta que substituiu jesuítas salvadorenhos assassinados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU