27 Setembro 2011
A polícia chilena removeu à força os estudantes da escola pública José Victorino Lastarria, uma das escolas que estão há 90 dias em greve, por ordem de um prefeito pinochetista.
A reportagem é de Christian Palma, publicada no jornal Página/12, 24-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O lado mais obscuro da direita chilena paradoxalmente floresceu com a chegada da primavera no campo do conflito pela educação entre o movimento estudantil e o governo de Sebastián Piñera. O despejo violento dos alunos em algumas das escolas tomadas foi um dos pontos denunciados na massiva marcha de quinta-feira, convocada por estudantes, professores e pais.
Isso ocorreu depois que a polícia chilena removeu à força os alunos do emblemático e histórico colégio público José Victorino Lastarria, uma das escolas que estão há mais de 90 dias tomadas pelos alunos, localizada no bairro de Providencia, um dos mais ricos da capital.
Ontem os alunos do estabelecimento que deviam voltar para as aulas não toleraram que as tropas policiais se instalaram dentro das salas de aula e voltaram a tomar o lugar. A militarização do ensino, que nem sequer o ditador Augusto Pinochet se atreveu a fazer, foi repudiada transversalmente.
Um ambiente de tensão também existia na outra escola pública do bairro: a escola de mulheres Carmela Carvajal de Prat, onde nesta semana houve outro violento desalojamento.
O responsável pela medida repressiva é o prefeito de Providencia, Cristián Labbé, um ex-coronel do Exército, ex-porta-voz de Pinochet, acusado de aplicar torturar a detratores da ditadura (sem comprovação) e que agora dirige uma área onde a direita tem uma alta aprovação que o instalou como a máxima autoridade. Labbé é o representante da política do garrote e da cenoura, que historicamente foi praticada pela direita do Chile. Enquanto Piñera, da sede da ONU em Nova York, clamava que a luta dos estudantes "é uma causa justa e bonita", Labbé autoriza a desocupação pela força das escolas públicas tomadas.
De fato, ontem, depois de visitar as universidades de Boston e de Harvard, Piñera reafirmou o apelo do governo para que os estudantes retomem as aulas. Nesta última casa de estudos, o mandatário realizou, em meados dos anos 1970, um doutorado em Economia. No entanto, Piñera não teve um dia fácil. Cerca de 20 estudantes latino-americanos protagonizaram um protesto nos arredores da Universidade de Boston, em respaldo à mobilização estudantil no Chile.
De volta ao Chile, Labbé reiterou que os estudantes que não acolherem o plano do governo "Salvemos el Año Escolar", destinado aos jovens que não querem perder o ano letivo e que não se somaram às mobilizações, não serão aceitos nas escolas de sua comunidade, em um ato totalmente discriminatório, pois nesse colégio participam jovens de diversos lugares e camadas sociais. Essas declarações puseram fogo no campo, pois é considerada como uma estratégia suja para dividir o movimento.
"A Providenca declara fechados os colégios. Não voltaremos a tentar retomar os locais. Também não serão desalojados novamente. Não se lutará mais para recuperar fisicamente os colégios. Só continuarão em aula aqueles alunos que se inscreveram no plano "Salvemos el Año Escolar". Aqueles que não se inscreveram, perderão o ano sem contemplação", disse o ex-militar.
Consultados sobre a possibilidade de que essa decisão chegue aos tribunais, ele respondeu tranquilamente, como nos melhores tempos da ditadura: "O que diz a Lei Geral de Educação é que temos que dar educação de qualidade e não existe outra comunidade (Providenca) que dê uma educação melhor do que aqui. Eles escolheram o caminho de violentar a lei", retrucou.
Enquanto o presidente do Colégio de Professores, Jaime Gajardo, dizia que a medida de Labbé é ilegal e abertamente discriminatória, e o prefeito de Lo Prado, Gonzalo Navarrete, afirmava que "os prefeitos não podem fechar anos escolares", no Palácio La Moneda optaram por evitar a colisão. O ministro porta-voz do governo, Andrés Chadwick, declarou que a decisão do prefeito Labbé é autônoma. "É responsabilidade do prefeito de Providenca. Os prefeitos são apoiadores das suas escolas, e não corresponde ao governo opinar ou se referir a isso", afirmou Chadwick.
A medida de Labbé e o silêncio quase cúmplice do governo se somam à situação que afeta dois estudantes do colégio Darío Salas e uma aluna do Experimental Artístico, que foram hospitalizados na noite de quinta-feira por causa de uma descompensação de saúde, no marco da greve de fome que realizavam para solicitar mudanças na educação.
Mas tudo isso não passa despercebido, pois várias organizações observadoras dos direitos humanos foram duras em seus relatórios que dão conta da excessiva violência com que as forças policiais atuam contra os manifestantes.
"Fomos testemunhas de espancamentos de crianças de 13 anos, ouvimos insultos "corram, putinhas" e até gravamos quando um superior disse a um policial que "levantem as saias das mulheres" durante os protestos", comentou Marta Cisternas, fonoaudióloga e integrante do Conselho Consultivo da Casa Memória José Domingo Cañas.
Enquanto isso, os deputados de Providência e Ñuñoa, Jorge Burgos e Marcela Sabat, anunciaram que vão dar início a ações para impedir que se concretize a decisão de Labbé de fechar os colégios.
"Em um ato de brutalidade, ele ultrapassou todos os limites. Ouvi-lo falar é como ouvir um porta-voz da Junta Militar. É inaceitável", disse Burgos.
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Ecos de Pinochet em sala de aula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU