Para o economista
Alan Blinder, da Universidade Princeton, existe uma chance pequena, mas real, de que o impasse entre os dois partidos americanos leve o Congresso a não renovar o teto de endividamento do governo.
Ele explica que, se isso acontecer, em agosto o governo dos Estados Unidos terá de fazer um corte imediato de 40% nas despesas federais. Isso, para ele, faria o país mergulhar numa nova recessão e, com o resto do mundo achando, "com razão", que os Estados Unidos enlouqueceram, o dólar poderia desabar.
A entrevista é do jornal
O Estado de S. Paulo, 05-07-2011.
Blinder, que foi vice-presidente do
Federal Reserve (Fed, banco central americano), na época em que
Alan Greenspan estava no comando, participou, na quinta-feira e sexta-feira, do seminário
Políticas Monetária e Macro-Prudencial, organizado pelo G-20 (grupo dos 20 principais países da economia global) e pelo Banco Central no Hotel Sofitel, no Rio de Janeiro.
Eis a entrevista.
Como o sr. vê a situação da economia americana hoje?
Estou preocupado. Quando você tem uma taxa de desemprego de 9%, e a economia recomeça a crescer, como no nosso caso agora, abaixo da tendência (de crescimento) potencial, não é uma catástrofe, mas é uma situação muito ruim.
Qual seria o pior cenário com chances de acontecer?
O que poderia realmente causar um duplo mergulho, a coisa que mais me preocupa, e que é improvável, mas possível, é que não haja nenhum acordo entre os dois partidos sobre aumentar o teto de endividamento (público) nacional. Uma lei maluca que provavelmente é muito difícil de explicar para os brasileiros ou para quase todo mundo que não seja americano. Outros países não têm essa lei maluca. Eles obedecem às leis da aritmética. Se você aprova um orçamento, que implica um tanto de aumento de endividamento, esse aumento de endividamento é legal. Isso não é verdade nos Estados Unidos.
O que pode ocorrer se o teto não for aumentado?
Se nós formos tão tolos a ponto de deixar esse teto de endividamento fixo, duas coisas acontecerão. Em primeiro lugar, terá de haver um enorme e ruinoso corte de despesas federais imediatamente. Então, seja lá o que for que você pense sobre governo grande, governo pequeno, etc., ninguém gostaria de ver um corte de 40% no gasto do governo feito num só dia. Em segundo lugar, o resto do mundo vai pensar, com razão, que os Estados Unidos enlouqueceram. E isso provavelmente não será muito bom para o dólar. Dessa forma, nós poderíamos dar um tiro no nosso próprio pé. A probabilidade maior é que não aconteça, mas eu nem deveria estar falando sobre algo assim. Isso deveria ser completamente impossível. E não é.
Mesmo se o teto for ampliado, o sr. não teme que os Estados Unidos tenham caído numa situação como a do Japão, estagnado há décadas?
Sim, há preocupação. Eu acho que nós, americanos, deveríamos estar fazendo de tudo para que isso não aconteça. Penso que muito facilmente poderíamos deslizar em direção a algo desse tipo. Você tem essa desalavancagem (redução do endividamento), que ainda está acontecendo, e a política fiscal provavelmente vai se mover na direção errada. Que é a de tirar demanda do sistema (com austeridade no curto prazo). E, na política monetária, a sensação é que eles não têm mais nada a fazer. Sim, há um perigo.
Como o sr. vê a Europa hoje?
É preocupante. Acho que há uma analogia entre o que está acontecendo na Europa, com a Grécia, etc., e o teto da dívida nacional nos Estados Unidos. A maior probabilidade, bem maior, é que cada um cuide de si, o negócio na Grécia não exploda, e (o problema do) teto da dívida nacional não exploda. Mas, em ambos os casos, há uma probabilidade menor de que, como falamos no caso dos Estados Unidos, se façam besteiras. E os europeus ainda podem fazer uma besteira (deixar a Grécia entrar num calote súbito e caótico). É um perigo para toda a economia mundial, não apenas para a Europa.
Mas, se eles não fizerem besteira, tem como sair dessa situação?
Acho que sim. Alguns falam de uma solução do tipo bônus Brady (o
Plano Brady foi a reestruturação da dívida latino-americana nos anos 90, com troca de títulos que trouxeram reduções de principais e de juros). Acho que a maior parte das pessoas na América Latina concordaria, e a maior parte dos americanos também, que a solução dos bônus
Brady funcionou muito bem.
Mas, na América Latina, a desvalorização cambial ajudou os países a sair da crise, o que não pode acontecer na Grécia e em outros países europeus, por causa do euro.
É isso que torna o problema grego tão mais difícil. Olha, eu acredito que, se a Grécia ainda tivesse a dracma (moeda anterior ao euro), essa crise toda teria sido solucionada. Em primeiro lugar, nunca teria atingido esse tamanho, porque as pessoas teriam ficado preocupadas em emprestar em dracma. Em segundo lugar, a Grécia iria escapar pela desvalorização. Se a dracma ainda existisse, ela teria caído 50%, e o mundo inteiro estaria de férias na Grécia agora. A Grécia talvez já tivesse um superávit (externo), por causa do turismo, que é um setor grande lá.
E o Brasil, qual a sua visão?
Não sigo tão de perto, mas a imagem do Brasil fora do Brasil é melhor do que a imagem do Brasil dentro do Brasil. A imagem do Brasil dentro do Brasil melhorou bastante. O Brasil está indo bem. Há prosperidade aqui. Mas lá fora, o Brasil é visto ainda mais favoravelmente. Isso me deixa um pouco preocupado em relação a uma bolha de exuberância irracional inundando o Brasil. Acho que os brasileiros deveriam ficar atentos a isso e, ao mesmo tempo, continuar a fazer bem o que estão fazendo bem.
E o problema da sobrevalorização cambial, que pode trazer desindustrialização, ou levar a uma crise, no caso de uma reversão súbita dos fluxos de capital?
Me preocupo bem mais com uma reversão súbita do que com desindustrialização - esta última pode acontecer, mas acho que as pessoas geralmente tendem a exagerar. Já reversões acontecem. Se o Brasil se torna a grande moda do dia, há um perigo, porque as modas mudam.
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