As letras vermelhas sobre o fundo amarelo da faixa estendida pelos "indignados" diante do Parlamento grego gritam, em espanhol mesmo: "No pasaran".
A frase pertence a
Dolores Ibarruri, "La Pasionária", célebre revolucionária comunista, e foi usada durante a Guerra Civil de 1936/39, como espécie de escudo retórico contra o avanço das tropas do general Francisco Franco.
A reportagem é de
Clóvis Rossi e publicada pelo jornal
Folha de S. Paulo, 03-07-2011.
Apesar do grito, as tropas passaram, assim como, apesar da faixa, passou no Parlamento grego um duríssimo pacote de ajustes, que a faixa tentava brecar. O grito, na verdade, é representativo do sentimento de 87% dos gregos que disseram, em recente pesquisa para o jornal "
Kathimerini" (O Diário), que o país adotou rumo errado.
Os
aganakitsmeni, indignados em grego, são, portanto, apenas a fração mobilizada da maioria. Mas o Parlamento preferiu ouvir outro grito, a apocalíptica previsão do vice-primeiro-ministro
Theodoros Pangalos.
"Se não vier o dinheiro [da União Europeia/FMI, condicionado à aprovação do pacote], enfrentaremos um terrível cenário, a volta da dracma [a antiga moeda grega], com os bancos sitiados por multidões aterrorizadas querendo retirar suas poupanças, veremos tanques protegendo bancos porque não haverá policiais suficientes para fazê-lo", disse.
A vitória do terrorismo retórico sobre a indignação é, no entanto, precária. Aprovado o pacote, o governo já não pode acenar com o caos, exatamente o contrário do que fazem os críticos do pacote.
Nick Malkoutzis, colunista do "Kathimerini", escreve, por exemplo, que "os deputados tocaram o sino de finados pra a classe média, que gozou de prosperidade sem paralelo desde os anos 80".
É essencialmente essa classe média - cujo poder de compra caiu para os níveis de 2002 - que manteve acesa a chama da indignação: na noite de sexta-feira, primeiro dia de vigência do novo pacote, seus representantes exibiam de novo para o Parlamento a "moutza", a mão espalmada, ancestral gesto de ofensa, o maior que gregos conhecem.
O gesto é assim traduzido politicamente por
Vassiliki Georgiadou, professora de Ciência Política da Universidade Panteion:
"Essas pessoas estão profundamente desiludidas com os políticos, com os partidos políticos e com as instituições em geral".
Aliás, não é de agora, segundo
Georgiadou: nos anos 90, pesquisa mostrou que 9 de 10 gregos estavam desapontados com a democracia. Como a democracia grega continua funcionando da mesma maneira, era inevitável que os jovens gregos importassem da Espanha o slogan-chave de seu protesto: querem "democracia real".
Explica o escritor e poeta
Petros Markaris: "Os gregos estão convencidos de que a classe política atual é incapaz de tomar medidas eficazes para tirar o país de sua trágica condição".
Cria-se um círculo de ferro: para o governo, evitado o suposto apocalipse, fica a desconfiança sobre a efetiva implementação do pacote. É eloquente que 77% dos ouvidos pela revista "
The Economist" digam que a implementação não acontecerá.
Para a rua, fica a avaliação de Kostas Pliakos, chefe de redação do jornal "Eleutheros Typos" (Imprensa Livre):
"Os indignados necessitam já uma base política ou terão que dissolver-se sem que fique rastro de seus protestos".
Não pode ser casual que drama e tragédia sejam palavras gregas.
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Terrorismo vence indignação na Grécia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU