Pedro Passos Coelho não pretende trocar seu modesto apartamento, no quinto andar, em uma pouco badalada cidade-dormitório nos subúrbios de Lisboa pela luxuosa residência oficial a que teria direito depois de ser juramentado na próxima semana como novo primeiro-ministro de Portugal.
A reportagem é
Peter Wise e
Jonathan Ford, publicada pelo
Financial Times e reproduzida pelo jornal
Valor, 17-06-2011.
Conhecido pela parcimônia, o líder dos sociais-democratas (PSD), de centro-direita, está bem preparado temperamentalmente para a terrível tarefa de adotar o programa de resgate de € 78 bilhões acertado entre o país, a
União Europeia (UE) e o
Fundo Monetário Internacional (FMI).
Portugal depara-se com dois "anos terríveis" de recessão profunda e desemprego recorde, antes de o país ter condições de voltar ao crescimento e reconquistar a confiança dos investidores internacionais, admitiu em entrevista ao "Financial Times".
Isso envolverá "um programa muito rigoroso de austeridade e reformas estruturais", abrangendo quase tudo, desde derrubar gastos públicos e promover amplas privatizações até reestruturar a Justiça e a educação.
"Não há alternativa", diz. O programa de ajuste "não pode fracassar". Fracassar impediria Portugal de voltar aos mercados financeiros em 2013 e deixaria o país em apuros parecidos aos da Grécia, que teve de pedir um segundo pacote de socorro financeiro, afirma. A economia portuguesa ficaria presa em uma espiral recessiva, na sequência das retrações de 2% projetadas para este ano e o próximo.
Depois de vencer uma eleição decisiva em 5 de junho,
Passos Coelho assumirá o cargo como chefe de um governo majoritário, de coalizão entre o PSD e os conservadores do Partido Popular (CDS-PP), de menor porte.
Ele herdou um programa intimidante, acertado entre a UE e o FMI, que exige de seu governo cortar o déficit orçamentário de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 para 3% em 2013 e adotar reformas estruturais nunca tentadas por governos anteriores.
Não contente com o desafio, ele quer ir além das exigências do acordo de resgate. Promete, por exemplo, acelerar e expandir o programa de privatização. A emissora estatal de mídia será vendida, com o que restaria apenas um canal não comercial de serviços públicos. Ele também privatizará até 49% das empresas de fornecimento de água.
A privatização não é apenas uma questão de aumentar a receita, diz
Passos Coelho. Portugal precisa de investimento estrangeiro para sustentar o crescimento, que caberá ao setor exportador conduzir. O governo vai escancarar as portas aos investidores externos.
"Seremos absolutamente transparentes e rigorosos", afirma. "Não haverá agenda secreta."
Ele também pretende atingir as metas de redução de déficit antes do cronograma previsto, embora tema que o governo anterior, dos socialistas, tenha deixado algumas "surpresas" nas contas públicas.
Uma de suas primeiras iniciativas será uma nova agência de monitoração das contas públicas. Será "completamente independente de governo e Parlamento" e incluirá pelo menos dois especialistas estrangeiros. Seu ministro das Finanças também será independente, sem filiação partidária.
Economistas não duvidam do compromisso de Passos Coelho em cortar gastos, mas temem que a austeridade sufoque o crescimento. Embora as reformas estruturais em áreas com educação, legislação trabalhista e Justiça devam, no fim das contas, dar frutos, levará tempo para que sejam colhidos. Passos Coelhos tem menos de três anos para recuperar a economia.
Suas esperanças de crescimento estão depositadas na "desvalorização fiscal" - uma forte redução nas contribuições empresariais à seguridade social dos funcionários -, que deve cortar os custos trabalhistas e tornar os exportadores mais competitivos. Ele diz que ainda é cedo para determinar o tamanho da redução, que, tendo em vista o déficit do país, não poderá ter impacto na receita.
Não há dúvidas de que
Passos Coelho acredita no que está fazendo. Ele vê o programa de resgate como uma oportunidade única para levar adiante reformas essenciais que governos anteriores evitaram nos últimos 30 anos. Está convencido de que é o homem certo para a tarefa. A "séria diferença" entre seu partido e os socialistas de José Sócrates, o primeiro-ministro que sai, afirma, é que o PSD "acredita nas mudanças que temos de fazer".
Sócrates, por outro lado, viu-se forçado a aceitar o pacote da UE, FMI e Banco Central Europeu (BCE) "porque não havia outra forma de conseguir o dinheiro".
O primeiro-ministro socialista acusa
Passos Coelho de usar o acordo com UE e FMI como pretexto para "o programa direitista mais radical já proposto em Portugal".
Passos Coelho diz que 80% dos eleitores apoiaram os três partidos que assinaram o acordo de socorro - PSD, os socialistas e o CDS-PP. É uma diferença importante, ressalta, entre Portugal e Grécia, onde grandes setores da sociedade opõem-se violentamente ao pacote de resgate.
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Novo premiê de Portugal alerta para "anos terríveis" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU