28 Março 2011
Não basta ir à igreja para estar em comunhão com Deus. É preciso estar conectado a ele, ou pelo menos aos seus representantes na terra. “As possibilidades de interação no âmbito virtual colocam os fiéis internautas no mesmo patamar daqueles que produzem o discurso religioso, ou seja, atuam como coprodutores das mensagens religiosas, fazendo uso desses instrumentos `aproveitados` pela igreja para expressar suas religiosidade”, explica Carlos Sanchotene, na entrevista que concedeu por email à IHU On-Line. Nela, ele apresenta o conceito de religião 2.0 e fala sobre o blog do Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD, Edir Macedo. “O discurso religioso no blog é materializado na figura de Edir Macedo. São desenvolvidas enunciações pedindo aos seus fiéis – ou candidatos a fiéis – reconhecimento e legitimidade das ações da igreja”, explica.
Carlos Sanchotene é graduado em Jornalismo pelo Centro Universitário Franciscano – Unifra e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, onde apresentou sua dissertação intitulada Religião 2.0: interações entre igreja e fiéis no blog do bispo Edir Macedo. Ele doutorando em Comunicação e Cultura na Universidade Federal da Bahia – UFBA e autor de Mídia, Humor e Política: a charge da televisão (Rio de Janeiro: E-papers, 2011).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quando você começou a se interessar em pesquisar o blog do bispo Edir Macedo?
Carlos Sanchotene – Primeiramente, é importante destacar que minha trajetória acadêmica, até a conclusão do mestrado, foi marcada por estudos que analisam a midiatização da religião. Em 2008, desenvolvi a pesquisa Mídia e religião: um estudo dos novos dispositivos de contato entre o mundo da fé e o fiel. A pesquisa buscou descrever e desvendar a mecânica do funcionamento dos dispositivos audiovisuais por parte de igrejas evangélicas, em especial, a Assembleia de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus.
A partir dessa experiência, foi possível conhecer tendências e posições desenvolvidas na relação mídia/religião através de distintos enfoques e abordagens teórico-metodológicas. Cheguei, portanto, a uma conclusão de que, apesar de haver um considerável número de trabalhos que se detêm a essa temática, os estudos de mídia e religião carecem de pesquisas que trabalhem o impacto das novas religiosidades na sociedade atual, principalmente as que analisam a internet.
A ideia de estudar o blog de Edir Macedo surgiu ao longo do mestrado, por meio de observações no sítio. Aos poucos, fui me aproximando do blog e percebendo que ele se constituía como um objeto fértil a ser explorado pelo fato da figura do líder da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD manter um contato direto com seus fiéis por meio das potencialidades e ferramentas da internet. E o que me despertou curiosidade foi justamente isto: esse contato direto, que só é possível por conta dos processos de midiatização, hoje.
IHU On-Line – Como se dá a interação do bispo com os fiéis da igreja através do seu blog pessoal?
Carlos Sanchotene – As possibilidades de interação no âmbito virtual colocam os fiéis internautas no mesmo patamar daqueles que produzem o discurso religioso, ou seja, atuam como co-produtores das mensagens religiosas, fazendo uso desses instrumentos “aproveitados” pela igreja para expressar suas religiosidades. Pelo fato de os fiéis terem a chance de manifestar suas opiniões, cria-se um sentimento de coparticipação que é possibilitado pelo blog, por meio dos comentários. Lógico que todo conteúdo está condicionado aos sistemas reguladores instituídos pela instância religiosa. Esses sistemas são operados por lógicas midiáticas.
Pelo blog, há uma potencialização das trocas com seus fiéis e candidatos a fiéis, uma vez que prima por estabelecer contatos utilizando recursos distintos: linguagem diferenciada de textos, imagens, áudio e vídeo. Esses elementos dão ao fiel internauta a chance de expressarem sua fé e manterem uma experiência religiosa de caráter multimídia. Por exemplo, a performance do bispo no blog, seja através dos textos ou de suas aparições em vídeos, gera vínculos e confiança na relação com o fiel internauta. Essa relação passa a ser marcada pela proximidade, pela convivialidade e pelo contato através da afetividade com o internauta. Então, além deles poderem comentar e contar suas histórias, o espaço interativo na internet também produz maior efeito verídico sobre a importância da IURD, para fazer com que suas vidas sejam transformadas, pois, no caso do blog, é um espaço de midiatização dessas transformações e conquistas.
IHU On-Line – Como você analisa o discurso dos posts do bispo Edir Macedo?
Carlos Sanchotene – O discurso religioso no blog é materializado na figura de Edir Macedo. São desenvolvidas enunciações pedindo aos seus fiéis – ou candidatos a fiéis – reconhecimento e legitimidade das ações da igreja. Mas há duas operações: uma por parte da estrutura discursiva do blog e outra pelos posts.
A estrutura discursiva do blog revela que há estratégias para a manutenção de laços com seus fiéis. Por exemplo, quando o fiel coloca seu nome no “Livro de orações" ele recebe a seguinte mensagem: “volte em breve e inclua seu nome novamente”. Isso denota uma estratégia discursiva de retorno dos fiéis para que o vínculo seja mantido permanentemente.
Em “Newsletter”, o fiel insere seu eemail e clica no link enviar sendo direcionado a uma nova janela com uma caixa de solicitação de e-mail. Basta inserir o código, abrir o email e acessar o link de confirmação e, a partir daí, o fiel já está cadastrado e passa a receber as atualizações diretamente no seu e-mail. Esse serviço é uma opção indispensável para o crescimento no número de visitas do blog, uma vez que os assinantes do informativo digital (newsletter) recebem as atualizações do blog via e-mail. Ou seja, a manutenção de laços com os fiéis é possível sem que eles acessem diretamente o blog, pois são avisados, de forma personalizada, sobre as atualizações do conteúdo. É uma forma de o discurso religioso chamar atenção para sua plataforma dizendo: “Não esqueça, venha visitar o blog”.
Ao final das postagens também há diferentes dispositivos midiáticos que podem ser acionados pelo internauta fazendo circular as mensagens. Em “Espalhe por aí”, há uma operação por parte da matriz religiosa de convocação à distribuição. Isso denota os modos como a igreja dinamiza seu ambiente discursivo em processos de convergência. Ao perceber que seus fiéis internautas participam de outras estruturas interativas, busca, dessa forma, não perder a fidelização com eles. Pelo contrário, os instrui a levar a mensagem por outras mídias, como é o caso do Twitter, Facebook, MySpace, Delicious, entre outros.
Outro exemplo é a construção do Templo de Salomão, em São Paulo. No blog, o fiel pode acompanhar a construção do templo ao vivo. A IURD instalou uma câmera de vídeo em cima de um prédio na avenida Celso Garcia, no Brás, em São Paulo, para transmitir 24 horas por dia imagens do terreno onde será construída a nova sede mundial da igreja. Com isso, observamos a midiatização de uma construção religiosa operada pela discursividade midiática, ou seja, o blog dá visibilidade para as ações institucionais da igreja.
Em relação aos posts, Macedo também publica mensagens de outros bispos, pastores, obreiros, testemunhos e relatos de fiéis. Os assuntos são muitos variados. Além da mensagem religiosa, há uma contextualização com os fatos do cotidiano que possui forte cunho ideológico da igreja. Algumas postagens tratam de inaugurações de templos religiosos em todo mundo, como resultado de luta e engajamento da comunidade religiosa. O discurso se constrói a partir de uma noção de estereótipo que é reconhecida a partir das representações compartilhadas e relacionadas com a cultura dessa comunidade religiosa. O blog é utilizado para dar visibilidade às ações da igreja e também esclarecer aos seus fiéis sobre o destino do dízimo.
Além disso, as postagens servem para anunciar e promover as mídias relacionadas à IURD, como é o caso da Rede Record. Em uma das postagens, Edir Macedo se dirige diretamente ao seu público anunciando o novo portal de notícias da Rede Record, o R7. Destaca a acessibilidade do sítio, o conteúdo das informações e a qualidade do jornalismo, manifestando sua autoridade e crença na credibilidade do produto que anuncia (“a marca do jornalismo verdade da Record”). Há marcas discursivas que denotam convocação de seu público para o acesso exclusivo ao portal, descartando ao fiel as chances de acessar outros sítios concorrentes, fazendo referência direta à Rede Globo em tom depreciativo e de criticidade. E os comentários dos fiéis revelam um sentimento de comprometimento com os dispositivos midiáticos instituídos pela instituição religiosa.
Em suma, o blog é fortemente utilizado para defender a imagem da igreja contra ataques indesejados de outras mídias, reafirmando a sua transparência em relação aos seus fiéis, solicitando comentários para legitimar suas tomadas de decisões, seja de ordem espiritual, seja de ordem midiática ou de conflito. Assim, há uma nova forma de organização do campo religioso, tecida e regida por uma ordem tecnodiscursiva de caráter midiático.
IHU On-Line – O que essa relação construída através no blog nos revela sobre a “religião 2.0"?
Carlos Sanchotene – A religião 2.0 é o ambiente interativo que move as práticas religiosas dos fiéis às práticas midiáticas. Todas essas ferramentas e recursos proporcionados pelas novas tecnologias são apropriados pelo campo religioso, fazendo emergir um outro conceito de religião. Ao se apropriar dessas ferramentas, a igreja promove a divulgação de suas marcas, de seus dispositivos midiáticos e também estabelece contato com seu público. No caso da internet, verificamos que novas práticas constituem o fazer religião da atualidade, tais como navegar, clicar, “tuittar”, acessar, etc., que fazem parte de uma religiosidade personalizada, que emerge da mídia, pois é possível receber conteúdo no e-mail, no celular e compartilhar a mensagem via redes sociais.
Essa relação estabelecida no blog revela os modos como a religião vai tomando seu lugar nesse mundo online, sendo uma das preocupações no cenário atual das relações entre mídia e religião. Pois há uma perda de referencial e uma certa fragmentação do “eu” . No mundo ciberespacial há uma potencialização das ações individuais e a aproximação do indivíduo com “poderes mágicos”, com a “divindade”, com Edir Macedo por meio do blog. Isso, portanto, mostra que a internet se constitui como um espaço apropriado para a reformulação dos modos de crença e prática religiosa individualizada através das facilidades que oferece a conectividade digital. Exemplo disso é que o fiel pode perfeitamente aderir ao blog e, assim, constituir-se como membro de sua religião, em interação com outros fiéis, com o líder religioso. Também, enviar dúvidas, submeter seu testemunho e, ainda, imprimir o boleto bancário para o pagamento do dízimo, sem a necessidade de sua presença física no templo religioso.
IHU On-Line – Durante as eleições presidenciais, um texto publicado no blog do bispo Edir Macedo foi o estopim para uma troca de acusações, com direito à resposta do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo. Como você analisa a internet, no caso a internet 2.0, na disputa por fiéis e pela verdade em Cristo proposta por diferentes Igrejas a partir desse exemplo?
Carlos Sanchotene – Sem entrar na questão ideológica da religião, o fato que interessa e para o qual chamo a atenção é que ambos se utilizaram dos meios de comunicação para proferirem trocas de acusações. Um aspecto interessante, e que a internet 2.0 proporciona, é o fato do campo religioso não necessitar mais das “mídias tradicionais” para tornar visíveis suas ações e tomadas de decisões. Através do exemplo acima, Edir utilizou seu blog e Silas preferiu um vídeo disponibilizado no Youtube. A operação realizada é de ataque e defesa.
Vou exemplificar com um caso que analisei no meu estudo. Em uma das postagens no blog de Macedo, um repórter da Folha de São Paulo enviou uma série de perguntas para a assessoria de imprensa da IURD. Edir Macedo publica a entrevista dois dias antes de a matéria ser veiculada pelo jornal. Com isso, a IURD faz uma operação que antecipa o fluxo do acontecimento, dizendo ao seu público antes da Folha de São Paulo. Observamos um campo não midiático realizando a sua experiência institucional religiosa por meio de uma processualidade estritamente midiática. É o que acontece nesse caso.
Através das novas tecnologias, é possível criar um modelo de enunciação que se liberta da dependência dos meios de comunicação de massa, pois são utilizados dispositivos midiáticos que colocam em seu poder o controle sobre a “ação” do outro, dando visibilidade ao seu discurso e, ainda, o que é mais interessante, são os pedidos feitos para que seus públicos, fiéis ou não, comentem os mecanismos utilizados por eles. Assim, ambos os líderes religiosos legitimam seus discursos frente aos seus fiéis. Mais do que uma disputa por fiéis, há uma disputa por ego que está em jogo.
IHU On-Line – Como a midiatização da religião se tornou uma forma de operacionalização de ordens e denominações religiosas?
Carlos Sanchotene – Por diversos aspectos, alguns citados anteriormente. Hoje em dia, é impossível pensar em uma religião que não está conectada às tecnologias. Todas possuem seus próprios sítios, espaços em rádios, estão nas redes sociais, etc. Tudo isso impulsionado por uma demanda social. Mas o que quero destacar, e que outros pesquisadores conceituados na área também salientam, são as consequências disso para o campo religioso. A virtualização dos espaços sociais modifica as relações interpessoais, provocando a fragmentação de locais de sociabilidade, possibilitando a criação de novos espaços e a intervenção da atividade técnica passa a explicar, cada vez mais, o contato religioso na atualidade.
Esse deslocamento dos fiéis, de suas práticas sociais a práticas midiáticas, cria uma forma de manifestação do religioso, marcada pela centralidade no reconhecimento, pela visibilidade do “eu”, em que a consciência do “ser” com os outros e do “ser” com sua religião é construída pela participação nos meios de comunicação, seja no rádio, na internet, no blog, no Twitter, etc. Quer dizer, as possibilidades de interação fomentam esse sentimento de participação dos fiéis, formando, assim, uma espécie de comunidade e redes de reconhecimento. Isso mostra que a midiatização altera os processos tradicionais de celebrações e interações ritualizadas de comunidades de pertencimento religioso.
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Religião 2.0: um novo conceito. Entrevista especial com Carlos Sanchotene - Instituto Humanitas Unisinos - IHU