07 Outubro 2010
As eleições presidenciais foram “pouco politizadas”. O PSOL, único partido, que na avaliação do sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, ainda “tem um traço ideológico firme”, elegeu, como deputado do Rio de Janeiro, um ex-big brother. “Esse é um sinal de que nem o PSOL é um partido propriamente coerente”, assinala Oliveira, em entrevista à IHU On-Line, cedida por telefone. Para ele, a ampla representatividade petista na Câmara Federal não sinaliza que "o Brasil esteja mais à esquerda ou ao centro. Essas eleições contribuíram ainda mais para o esvaziamento dos partidos políticos”. O entrevistado enfatizou ainda que está cada vez mais convencido de que "realmente existe como partido político no Brasil são as bancadas do Congresso. Quero ler as análises quando formos ver a composição das bancadas ruralista, evangélica, do esporte, da polícia".
De acordo com ele, o voto dos evangélicos não terá um peso significativo na decisão do segundo turno e a polêmica em torno do aborto deve ter “um pesinho de 0,5%”. Para ele, a novidade desta eleição foi o percentual de votos dados à candidata do PV, Marina Silva, embora ele defenda que sua candidatura à presidência da República tenha sido um equívoco neste momento. “Ela chamou o presidente da Natura para ser seu vice, elogiou a política econômica de Henrique Meirelles e tirou o foco das grandes questões políticas; apenas a tintura verde a diferenciou dos outros candidatos”.
Pedro Ribeiro de Oliveira é doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica. Atualmente, é professor da PUC-Minas. Dentre suas obras, destacamos Fé e Política: fundamentos (Aparecida: Idéias & Letras, 2004), Reforçando a rede de uma Igreja missionária (São Paulo: Paulinas, 1997) e Religião e dominação de classe (Petrópolis: Vozes, 1985).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que análise geral o senhor faz do resultado das eleições do último domingo? O senhor esperava um segundo turno para a presidência?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Foram eleições pouco politizadas, ou seja, houve pouca discussão política, mas, de modo geral, mostraram uma democracia eleitoral que vai se consolidando pouco a pouco. Já esperava esse resultado; mas a votação da Marina, não. Pensei que ela conseguiria 15% dos votos, mas chegou a quase vinte; me surpreendeu. É muito difícil imaginar que uma pessoa como a Dilma ganhasse no primeiro turno.
IHU On-Line – Que reflexão sobre o cenário partidário e representativo brasileiro o senhor faz a partir do resultado das eleições?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Essas eleições agravaram um processo que começou em 2002: a dissolução dos partidos políticos. O único partido com um pouco de representatividade e que ainda tem um traço ideológico firme é o PSOL, que elegeu, como deputado do Rio de Janeiro, um ex-big brother. Esse é um sinal de que nem o PSOL é um partido propriamente coerente. Uma coisa é votar no Chico Alencar, outra, é votar num ex-big brother.
Pouco ou nada significa a maioria parlamentar na Câmara Federal, do PT. Isso não significa que o Brasil esteja mais à esquerda ou ao centro. Essas eleições contribuíram ainda mais para o esvaziamento dos partidos políticos. Estou cada vez mais convencido de que o existe realmente como partido político no Brasil são as bancadas do Congresso. Quero ler as análises quando formos ver a composição das bancadas ruralista, evangélica, do esporte, da polícia.
A segunda questão diz respeito ao sistema político representativo. Com 200 milhões de brasileiros, temos de pensar em um sistema representativo. Ninguém pode pensar em democracia direta em nível nacional. O nosso sistema de representação político é pouco representativo, aí me refiro aos estados e ao Senado. Não consigo me convencer da necessidade do Senado; se desaparecesse, não faria falta nenhuma à federação.
A distorção do sistema político está relacionada à distorção do Denado e da Câmara. Claro que a estratégia do Lula foi, claramente, de conquistar uma bancada grande no Congresso. Ele perdeu governadores para apostar no Congresso e no senado. Ele é um bom estrategista, sem dúvida. Mas em termos de democracia, isso não é um bom sinal.
IHU On-Line – Qual o impacto das igrejas neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus, no resultado das eleições?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Ainda não tenho essa análise dos dados. O que fiz foi ver o resultado das eleições de Guarulhos, cujo bispo católico recomendou a seus fiéis não votarem em Dilma. Nesse município, ela foi mais votada do que Serra e Marina. Isso mostra que a voz do bispo foi ouvida por, relativamente, pouca gente.
IHU On-Line – E as igrejas neopentecostais exercem alguma influência sobre o voto?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Tenho dúvidas em relação a isso. Claro que existe uma certa distribuição do voto evangélico, uma certa correlação estatística. Isso não há dúvida. Não sei se isso tem um peso real no conjunto da representação. Os candidatos eleitos pelos votos neopentecostais são muito diferentes dos candidatos eleitos pelo voto de um católico não praticante. Muitos pastores e bispos eram candidatos, mas não foram eleitos. Não acredito que a votação da Marina tenha sido marcada pelo voto evangélico.
IHU On-Line – O voto dos evangélicos terá importância no segundo turno, principalmente em relação à polêmica do aborto?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Não. Eu li a entrevista que Rudá Ricci concedeu à IHU On-Line, na qual ele menciona a importância do voto evangélico no segundo turno. Como disse, tenho minhas dúvidas porque o pessoal vota no Bolsa Família, nas melhorias das condições econômicas e do emprego. Não sei se a questão do aborto terá um peso grande: talvez um pesinho de 0,5% de pessoas mais devotas que deixem de votar na Dilma e votem no Serra, o qual, quando foi ministro da saúde, regulamentou o aborto. Então, tem aí uma questão de propaganda. Nesse sentido, nado contra a corrente; não vejo tanta influência dos pastores e dos bispos no resultado da votação. A mediação religiosa é uma das mediações, entre muitas. Para uma minoria esse fator é preponderante. Na eleição de deputados federais e estaduais, quando há vários candidatos, é mais fácil escolher alguém que tenha afinidade religiosa. No voto para presidente, senador e governador, esse fator se dissolve.
IHU On-Line – Qual o papel dos jovens neste pleito?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Pergunta difícil. Não sei. Meu contato com eles é pequeno. O que estou sentido é que eles já se acostumaram com eleições; não viveram o que a minha geração viveu: passar 20 anos sem poder votar. Quem já nasceu nesse regime de eleições, acha que esse é um processo natural. Tenho a impressão de que como as últimas campanhas têm sido despolitizadas – Plínio foi o único que tentou politizar a campanha; nem a Marina politizou a questão ecológica –, então, os jovens ficam um pouco perdidos. Não senti empolgação deles nas eleições, como ocorre em época de Natal.
IHU On-Line – Em que sentido a alavancagem de Marina sinaliza a vontade do povo brasileiro de que haja um debate político sobre os rumos do Brasil?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Quando Marina lançou a sua candidatura, tive a esperança de que ela se lançasse candidata em 2014. Nesse ano, ela faria uma campanha educativa para politizar a campanha ecológica. Nós sabemos que uma crise climática está se agravando e, em breve, isso se tornará um assunto político. Acreditava que Marina, que tem essa visão planetária, fosse trazer para a campanha esse tema, de modo que, daqui a quatro anos, quando a crise ambiental estiver mais grave, ela seria a alternativa. Mas a estratégia dela, infelizmente, foi outra, a de entrar na discussão como se tivesse chance de concorrer no segundo turno. Ela chamou o presidente da Natura para ser seu vice, elogiou a política econômica de Henrique Meirelles e tirou o foco das grandes questões políticas; apenas a tintura verde a diferenciou dos outros candidatos.
IHU On-Line – Considerando os candidatos do segundo turno, o que esperar para o Brasil dos próximos quatro anos em cada caso? Que projeto de país aparece na candidatura de Dilma e de Serra?
Pedro Ribeiro de Oliveira – Basicamente é o mesmo projeto de país: produtivismo, consumismo, sem questionar as grandes questões econômicas, financeiras, ecológicas etc. A diferença está em termos de governo. O governo Dilma, imagino, será uma continuação do governo Lula, ou seja, um Estado capaz de interferir na economia e dar os rumos a esse crescimento para que ele tenha uma dimensão social redistributiva. O governo Serra não iria na linha privatista de Fernando Henrique Cardoso – Serra é mais lúcido; não vai cair no conto do Consenso de Washington –, mas, de qualquer maneira, ele teria um governo menos democrático do que o da Dilma e controlaria a imprensa que já está com ele, ou seria controlado por ela. Enfim, faria um projeto sem maior preocupação distributivista. Duvido que Serra jogasse dinheiro fora fazendo a transposição do Rio São Francisco. Ele não fará essa bobagem. Em compensação, acabaria com a política externa voltada para a América do Sul e a alinharia mais à política externa dos EUA; isso, certamente, Dilma não fará. São essas diferenças que me farão votar na Dilma.
IHU On-Line – Qual a principal lacuna que essa campanha eleitoral deixa?
Pedro Ribeiro de Oliveira – A informações foram de má qualidade seja na campanha eleitoral dos candidatos, seja na televisão. Isso foi um desserviço à informação.
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O esvaziamento dos partidos políticos. Entrevista especial com Pedro Ribeiro de Oliveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU