16 Agosto 2010
Enquanto na década de 1980 os sindicatos lutavam por diálogo, hoje são recebidos pelas empresas para negociar melhores condições de trabalho. A pauta e a luta mudaram e com elas o perfil dos dirigentes sindicais. Considerado um novo tipo de dirigente sindical, Sérgio Nobre, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo, foi entrevistado, por telefone, pela IHU On-Line, onde falou sobre os limites da produção de automóveis no Brasil e também sobre a discrepância entre a luta por um meio ambiente sustentável e o aumento da fabricação de carros no país. “O automóvel é um carro de passeio, ou seja, ele deve ser usado para você fazer uma rota que você não costuma fazer no seu dia-a-dia. No entanto, como nas grandes cidades brasileiras o transporte coletivo de massa não funciona, porque para você se deslocar de casa para o trabalho ou para a escola sofre com superlotação, demora entre um horário e outro, falta de opção de rotas, etc., o carro ganha mais espaço”, diz.
Sérgio Nobre é formado em Relações Internacionais pela Fundação Santo André. Ingressou no setor metalúrgico em 1980, como aprendiz do Senai, na Scania. Em 1986, foi para a Mercedes-Benz, onde foi membro da Comissão de Fábrica.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como anda a produção de automotivos no Brasil? Estamos em que posição no ranking internacional?
Sérgio Nobre – Nós estamos caminhando para ser o quarto produtor mundial. Neste ano, devemos atingir um novo recorde de produção, a estimativa é de ter em torno de três milhões e 400 mil unidades produzidas no Brasil, o que é algo extraordinário para a indústria automobilística, que tem muitos empregos de qualidade e com salários elevados.
Ao mesmo tempo há uma questão que nos preocupa, que é o crescimento da importação de peças. Corremos o risco de ter uma ótima produção no país, mas boa parte dos componentes destes automóveis deve vir de fora do Brasil. E o que está sendo importado são peças de alto valor agregado, são componentes de alta tecnologia que o Brasil não produz.
A mesma coisa aconteceu com os televisores, que na época da Copa do Mundo teve recorde de vendas no Brasil. Muitas pessoas acham que esses aparelhos são produzidos aqui. Porém, o Brasil não tem tecnologia para produzir esse tipo de equipamento. Com o setor de autopeças acontece a mesma coisa: aquilo que se faz de autopeças no Brasil é de baixa tecnologia. Como os carros, daqui 15 anos, terão alto valor de tecnologia, a indústria nacional de peças precisa se preparar para isso, então nós estamos defendendo que haja um plano de nacionalização dos componentes que estão sendo importados para que o setor de autopeças no Brasil possa sobreviver.
IHU On-Line – Quais são as principais pautas do sindicato hoje?
Sérgio Nobre – Nós estamos, neste ano, em plena campanha salarial, reivindicando a reposição da inflação do período. Nós lutamos por um percentual de aumento real, já que o aumento acima da inflação foi um dos motivos que impulsionou a economia brasileira. Se ela cresceu nos últimos anos foi porque a renda da população também aumentou, então é extremamente importante investir no salário dos trabalhadores.
Em nossa pauta também está a redução da jornada para 40 horas semanais, pois atualmente as inovações que entram nas empresas são constantes, quase diárias. É um novo tipo de material, um equipamento mais atual que exige que o trabalhador tenha que se atualizar permanentemente. Como a jornada brasileira é bastante extensa, o trabalhador não tem tempo para isso e acaba, muitas vezes, ficando defasado. Por isso, é importante reduzir a jornada de trabalho e, ao mesmo tempo, manter seus salários.
Estamos reivindicando também a licença-maternidade de 180 dias para as mulheres metalúrgicas. É fato conhecido que a relação mais próxima da criança com a mãe nos seis primeiros meses de vida é muito importante para o seu pleno desenvolvimento. Por isso, essa é uma reivindicação importante para as mulheres.
IHU On-Line – Quais as diferenças entre essas pautas e a de décadas atrás?
Sérgio Nobre – Nos anos 1990, nós lutávamos para manter o emprego, porque a indústria brasileira, com a abertura indiscriminada à concorrência internacional, era desacreditada. Pensava-se que a indústria automobilística brasileira não iria sobreviver a este processo, que foi feito de uma hora para a outra, sem nenhuma preparação. Com isso, o emprego neste setor caiu muito, o país não cresceu.
Agora, nós estamos vivendo outro momento: o PIB está crescendo, assim como a produção nacional e isso fortalece a reivindicação dos trabalhadores. Em momentos de crise, você defende o emprego; já em ambiente de crescimento você consegue dar vazão às reivindicações sociais, melhorar as causas sociais, os salários, as condições de trabalho. Essa é a diferença principal; agora nós estamos em um cenário de crescimento, e um crescimento que é sustentável.
No próximo dia 23 de agosto, o sindicato vai colocar no ar a TV dos trabalhadores. Esse é um projeto importante porque é uma luta de 30 anos. Não sei se você sabe, mas uma das formas utilizadas para enfraquecer a greve de 1980 foi o uso das grandes emissoras de TV. Na época, as empresas diziam que eram forçadas pela ditadura militar, colocavam imagens de arquivos de montadoras funcionando e diziam que a greve tinha acabado.
Então, dali surgiu a ideia da necessidade dos trabalhadores também investir em comunicação, de aprender a fazer rádio, ter acesso à televisão. Por isso, desde aquela época, uma das pautas de reivindicação tem sido criar um canal próprio. Assim, no ano passado, conquistamos a outorga de um canal de TV que vai passar a funcionar neste mês. Esta é uma alegria que queremos compartilhar, pois é uma grande conquista do trabalhador brasileiro.
IHU On-Line – Os empresários hoje são mais flexíveis na negociação ou pouca coisa mudou?
Sérgio Nobre – A nossa indústria automobilística é internacionalizada, mas conseguimos fazer com que, aqui na região do ABC, o diálogo melhorasse muito. As partes aprenderam com as grandes greves que a melhor forma de resolver os conflitos é lutar pelo diálogo e pela negociação coletiva. Porém, essa negociação é uma coisa que precisa avançar e amadurecer ainda no Brasil.
Saindo da região, o processo ainda é muito selvagem, tanto é que a maioria das categorias não consegue compor um acordo, geralmente acaba recorrendo à justiça, o que gera um grande atraso no processo. Um exemplo de que ainda precisamos avançar muito nesse sentido é que estamos no século XXI e ainda convivemos com o trabalho escravo, e não é somente em fazendas, mas também nas grandes cidades. Temos que melhorar muito as relações de trabalho no Brasil.
IHU On-Line – Como o senhor interpreta a crítica de que aumentar a produção de carros vai na contramão da crise ecológica, de que o planeta não suporta mais tantos carros?
Sérgio Nobre – O automóvel é um carro de passeio, ou seja, ele deve ser usado para você fazer uma rota que você não costuma fazer no seu dia a dia. No entanto, como nas grandes cidades brasileiras o transporte coletivo de massa não funciona, porque para você se deslocar de casa para o trabalho ou para a escola sofre com superlotação, demora entre um horário e outro, falta de opção de rotas etc., o carro ganha mais espaço. Uma coisa não é compatível com a outra. O caos que vemos no trânsito se deve por não termos investido no transporte coletivo de massa. Para substituírem os carros, é necessário investir muito em metrôs e em linhas de corredores de ônibus. É isto que está faltando.
IHU On-Line – O governo Lula é uma unanimidade no sindicato? Há expectativas que não foram atendidas?
Sérgio Nobre – O próprio índice de popularidade do Presidente Lula já diz muita coisa. É claro que oito anos é um período muito curto para um país que acumulou demandas sociais ao longo de mais de 500 anos. No entanto, muita coisa avançou, o emprego cresceu, e isso foi um fato extremamente positivo. Com o crescimento do emprego, foi possível criar condição de melhorar os indicadores sociais. Uma coisa muito importante que o Presidente Lula fez, e acredito que seja uma das razões do sucesso do governo dele, foi tratar os movimentos sociais com respeito, porque os governos anteriores criminalizavam os movimentos, achavam que eram inimigos. Ele fez do movimento sindical um interlocutor importante; então ouviu, criou espaço de diálogo e de negociação. Muitas coisas ainda carecem de avanço, mas foi um governo extremamente positivo, pois colocou o país no caminho do crescimento.
IHU On-Line – Como o senhor vê esse novo sistema de ponto eletrônico? Quais as principais mudanças que esse novo sistema trás?
Sérgio Nobre – Este sistema tem um mérito de origem que é o combate à fraude, pois, no Brasil, existe um processo de fraude quanto às horas extras realizadas pelos trabalhadores. No entanto, não são todas as empresas que fraudam os relógios-pontos. Existem fraudadores, sim; porém, existe muita gente séria que não faz esse tipo de coisa. Com isso, quem não é fraudador é tratado como se o fosse. O novo sistema, portanto, nivela todo mundo por baixo e isso dá a impressão de que não vale a pena ser sério no Brasil.
Outra coisa: esta portaria não respeita a realidade das categorias. Existem, por exemplo, categorias que não “bater o ponto” é uma conquista. Se essa categoria lutou ao longo dos anos para não registrar o horário no ponto, com o novo sistema vai retroceder. Por isso, acredito que a portaria deveria ressalvar a negociação coletiva; se uma determinada categoria não gosta de marcar ponto ou tem um sistema de marcação de ponto que já está adaptado, tem que ser respeitado, tem que ser feito um acordo e pronto.
Ele foi planejado de forma autoritária e também não vai funcionar, porque a fraude principal consiste em você marcar o cartão e continuar trabalhando. Com este novo sistema de ponto, se um patrão é fraudador, ele vai chegar no trabalhador e dizer: “você vai lá marcar seu cartão porque deu a hora, mas você continua trabalhando, senão coloco alguém no seu lugar”, e a fraude vai continuar.
IHU On-Line – O seu perfil é considerado como um novo tipo de dirigente sindical. Que diferenças o senhor vê na sua atuação e na atuação dos dirigentes das décadas de 1980 e 1990?
Sérgio Nobre – A agenda do movimento sindical mudou muito. Nos anos 1970, o sindicato lutava pelo direito de ser recebido, então não havia negociação sobre absolutamente nada. É por isso que havia tantas greves, tínhamos uma demanda, as empresas não recebiam o trabalhador, se recusavam de atender as reivindicações. Era um tempo de conflito. Ainda bem que, pelo menos aqui na região, se avançou bastante nesse sentido.
O sindicato discute hoje coisas que são extremamente complexas, desde a estrutura de cargos e salários das empresas até o desenvolvimento da região do ABC e, para isso, discutimos a questão da saúde, da educação, da economia. Por estes motivos que o dirigente sindical de hoje precisa estar preparado, se formar constantemente. É por isso que o grau de escolaridade do dirigente está crescendo; muitos estão indo para a universidade. O novo perfil do dirigente sindical é outro porque a realidade mudou e para melhor.
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Novas pautas, novos dirigentes sindicais. Entrevista especial com Sérgio Nobre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU