25 Fevereiro 2010
“Infelizmente, nada nesse país acontece se não for na base da pressão e da mobilização”, diz o presidente do sindicato dos metalúrgicos de Santa Rosa, no noroeste gaúcho, João Roque dos Santos, durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone. O sindicato foi o personagem principal de um fato inédito e que deve abrir precedentes numa luta antiga dos trabalhadores de todo o país: a redução da jornada de trabalho. Na última quarta-feira, foi aprovado, em assembleia, um acordo com a Metalúrgica Jama, uma empresa de meio porte com 170 empregados, onde esta diminuiu a carga de horas semanais de 44 para 40 horas sem redução de salário. “Aliás, eles vão receber um incremento de 1,5% em seus salários”, explicou João.
Ele falou sobre a influência desse fato em relação a outras empresas da região, mas principalmente para a luta nacional que tem o mesmo objetivo. João conversou ainda sobre horas extras, eleições e outros tipos de propostas para redução da jornada que correm no Congresso Nacional.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi o processo que levou à aprovação da redução da jornada de trabalho apresentada pela entidade, passando das atuais 44 para 40 horas semanais na Metalúrgica Jama?
João Roque dos Santos – Essa empresa tinha três turnos de trabalho, e nós tinhamos movido uma ação contra ela por causa disso. Então, fizemos um acordo: recuamos da ação, e eles reduziram a jornada de trabalho para 40 horas semanais. Essa era uma bandeira histórica do movimento sindical. Felizmente, nós largamos na frente, conseguimos avançar com esse acordo. A Metalúrgica Jama é uma empresa de médio porte, tem em torno de 170 trabalhadores. O acordo vem dar uma “folga” para esse povo, além de um ganho, porque o pessoal vai trabalhar menos, não vai perder salário. Aliás, eles vão receber um incremento de 1,5% em seus salários.
IHU On-Line – O que isso pode significar na luta nacional pela redução da jornada de trabalho?
João Roque dos Santos – Esse acordo abre um precedente. Nós estamos próximos da nossa data-base da convenção coletiva. Assim, o acordo é um elemento a mais para tensionar e estender essa questão para outras empresas também.
IHU On-Line – O Brasil tem condições para implementar a redução da jornada de trabalho, em sua opinião?
João Roque dos Santos – Sem sombra de dúvidas, já estamos, inclusive, atrasados. Adotar essa medida seria uma atitude inteligente dos empresários. Aqui, por exemplo, os trabalhadores estavam descontentes com essa questão de trabalhar aos sábados com a jornada anterior. O peão insatisfeito vai produzir muito menos, ele pode criar vários transtornos dentro da empresa. E assim, com a nova jornada, o peão tende a ficar mais satisfeito com o que ele faz, vai produzir mais, vai haver menos sucata. Quando o peão está satisfeito, todo mundo avança junto.
IHU On-Line – E como os trabalhadores avaliaram essa conquista?
João Roque dos Santos – Nós, para fazer esse acordo, primamos pela democracia. Fizemos uma assembleia, com votação secreta, lá na sede do sindicato. Apenas duas pessoas, do total de votantes, votaram contra. Na medida em que abrimos a possibilidade para que os trabalhadores exponham seus pensamentos, a satisfação e a euforia são notórias. Foi o que ocorreu aqui em Santa Rosa. Agora, eles vão trabalhar de segunda a sexta, e terão o final de semana livre. Assim, quem termina sua jornada no sábado, às 7h30min, vai voltar ao trabalho só na segunda-feira, às 23h30. Agora eles têm uma oportunidade de lazer, de convivência, de aliviar o estresse. Isso também é muito positivo. Não podemos fazer uma avaliação exclusivamente econômica. Temos que refletir sobre o benefício geral que isso traz para o trabalhador.
IHU On-Line – E vocês pretendem continuar lutando por mais redução?
João Roque dos Santos – Essa é uma questão que não chegou ao fim, mas o mote, daqui para frente, vai ser lutar para que consigamos avançar de modo que outras empresas também venham a praticar as 40 horas semanais de jornada de trabalho. Seria injusto nós conquistarmos a redução em uma empresa, continuarmos tentanto mais redução, enquanto, em outras empresas, os trabalhadores continuem com sua carga horária de 44 horas semanais. Mas é evidente que o nosso lema, como representação de classe, é avançar, porque nós já perdemos alguns direitos, então, agora, temos que caminhar e lutar por novos e mais direitos.
Além disso, temos ainda questões para discutir como o fator previdenciário, aposentadoria especial. São lutas de que não vamos abrir mão. Outra questão que queremos combater é o monitoramento por câmeras. Isso é um câncer que vem corroendo os colaboradores. O peão viver toda a sua carga horária vigiado por câmeras é algo inadimissível.
IHU On-Line – Ao analisar a jornada de trabalho, como o senhor vê a questão da hora extra?
João Roque dos Santos – A hora extra existe porque o sálario do trabalhador é baixo. Se ele tivesse um salário melhor, o colaborador não precisaria fazer hora extra. O salário mínimo teve ganhos consideráveis nos últimos anos, e isso achata o salário da categoria. Se o mínimo tem 12% de reajuste, por exemplo, o de categoria recebe 4% ou 5%. Imagina o que isso representa em dez anos! Precisamos tensionar muito, porque, senão, o mínimo vai engolir os salários de categoria.
IHU On-Line – Trabalhadores de outras empresas aí de Santa Rosa estão se mobilizando também pela redução da jornada de trabalho?
João Roque dos Santos – Essa conquista vai ter repercussões em outras empresas, certamente. Acredito que vamos conseguir mobilizar mais a categoria, porque, na medida que temos esse precedente, fica mais fácil de avançar nesse sentido. Além disso, o pessoal tem mais esse motivo para se unir e pressionar. Infelizmente, nada nesse país acontece se não for na base da pressão e da mobilização.
IHU On-Line – Como o senhor vê a posição do deputado Michel Temer (PMDB), que propõe reduzir apenas para 43 horas, reduzindo gradativamente até 2012, com incentivo fiscal do governo para as empresas?
João Roque dos Santos – Isso é uma cartada que não vai vingar, porque existe uma pressão muito grande por parte dos trabalhadores. As centrais sindicais estão muito bem articuladas, estão se mobilizando e vigiando essa proposta. O momento é impar, ou seja, se não fizermos esta redução da jornada de trabalho agora, num governo que nasceu dentro do seio dos metalúrgicos, movimentos sociais e camadas mais sofridas, quem será que vai fazer?
IHU On-Line – Com as eleições neste ano, alguma coisa nesse sentido, em sua opinião, pode avançar?
João Roque dos Santos – Eu acredito que isto é um fator positivo que vem a contribuir para a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho. Se não sair até metade do ano, aí sim ficará complicado. Por isso, estamos fazendo vigilia lá no Congresso para tensionar para que se aprove urgentemente essa medida.
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Sindicato gaúcho abre precedente na luta pela jornada de 40 horas. Entrevista especial com João Roque dos Santos. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU