05 Outubro 2009
Divaldo Rezende é consultor em mercado de carbono, Managing Director da CantorCO2 e vice-presidente do Instituto Ecológica. Na entrevista que concedeu à IHU On-Line, por telefone, explicou o que é o Redd e como o Brasil está empregando esse mecanismo. Além disso, apontou que ações podem ser feitas para implementar esse movimento que visa diminuir ou evitar o desmatamento. “Não está definido claramente como o mecanismo funcionará. Hoje, estão acontecendo projetos de REDD no Brasil, mas dentro do mercado de crédito de carbono voluntário, ou seja, são grandes empresas, nacionais ou internacionais, que implementam estes projetos dentro da sua política de responsabilidade social corporativa”, indicou.
Rezende também falou sobre a Conferência de Copenhague, e a participação do Brasil neste encontro que vai discutir metas para minimizarmos as consequências das mudanças climáticas. “A expectativa é que o Brasil tenha uma postura de liderança, de coordenação e de agregação dentro dessas discussões que serão feitas em Copenhague. A posição do governo brasileiro é de que a convenção tem uma característica onde se tem compromissos comuns, porém diferenciados”, explicou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que o REDD representa nesse momento que estamos vivendo?
Divaldo Rezende – Toda esta discussão que estamos tendo agora na convenção com relação às questões de mudança do clima nos ajuda a pensar como podemos reduzir estas emissões de gases do efeito estufa. REDD é o mecanismo para evitar desmatamento que foi ampliado com uma ferramenta para considerar as questões relacionadas à conservação de florestas. O REDD significa, na sigla em inglês, Reduce Emissions for Deforestation and Degradation, ou seja, Redução às emissões por desmatamento e degradação. Este é um dos temas que estão sendo discutidos no momento porque ele representa uma diminuição das emissões dos gases de efeito estufa em função das mudanças de uso da terra (desmatamento e queimadas).
IHU On-Line – A REDD é uma movimentação de quem?
Divaldo Rezende – A conferência envolve todos os países signatários das Nações Unidas. São mais de 89 países, entre eles, países desenvolvidos, em desenvolvimento e não desenvolvidos. Então, nesse encontro, há negociadores que precisam definir uma política mundial para o clima. É claro que, nesta reunião, nas delegações de cada país, há representantes da sociedade civil, entre eles, empresários e ONGs. No caso do Brasil, temos, na delegação, a Confederação Nacional das Indústrias, as Federações das Indústrias de vários estados, governadores e secretários de meio ambiente, e assim por diante.
A sociedade civil acaba participando deste processo dentro da delegação. E também as ONGs mundiais podem se credenciar junto às Nações Unidas para que possam acompanhar toda essa discussão e os debates referentes às mudanças do clima. Pela primeira vez no país, estamos vendo uma movimentação muito grande de todos os setores, seja do governo municipal, estadual, federal, empresas, universidades, proprietários de terra e também vários setores da sociedade brasileira se movimentando em torno desta questão da mudança do clima.
Porque isto está acontecendo?
O sul está acompanhando todas essas desgraças ambientais que não tem mais fim. No Rio Grande do Sul, nestes últimos anos, ou é uma grande seca ou uma grande enchente. Já não se tem quase meio termo. Neste contexto, de melhorar toda esta situação do clima, temos diferentes níveis onde devemos atuar. Um nível global, que são todas essas discussões internacionais, políticas, mundiais, de condições, de acordos, onde os países assinam estes acordos. Um nível empresarial, onde os empresários assumem estes compromissos. No mês passado, grandes empresas do país assumiram o compromisso de “empresariar” suas emissões de gases do efeito estufa, de reduzir suas emissões e de investir em tecnologias limpas.
Há também ações de responsabilidade do governo, onde ele tem suas políticas públicas voltadas para as questões de meio ambiente, de mudanças climáticas. Além disso, existem as ações do município e o papel importante das universidades que são apoiadas nos três tripés: ensino, pesquisa e extensão. É muito importante todo um trabalho de informação, de educação ambiental, para que as pessoas passem a ter a percepção do que está acontecendo hoje no planeta. O planeta está doente. Com relação à COP 15 – que quer dizer Conferência das Partes –, estas partes são os países signatários das Nações Unidas, entre eles, o Brasil. Chama-se COP 15, pois, é a décima quinta vez que está acontecendo esta discussão global. Normalmente, acontece uma vez no fim de cada ano, mas, durante o ano, temos várias outras reuniões preparatórias.
As pessoas discutem todos os temas para chegar ao final do ano e aprovarem todas as estratégias, os temas e as políticas. Nesta COP 15, grandes questões serão discutidas. Primeiro, os países desenvolvidos deverão ter metas de redução de emissões. Inclusive, esses países estão querendo que os países em desenvolvimento, especialmente que o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), tenham compromisso de redução de metas dos gases de efeito estufa. Outra grande discussão da COP 15 é quem vai pagar esta conta para reduzir estes gases, em termos de transferência de tecnologia, de contribuição para os esforços de mitigação e adaptação das mudanças climáticas. Vários especialistas estão falando que o tamanho da conta é entre 200 e 400 bilhões de dólares.
IHU On-Line – Como esse mecanismo vai ser empregado no Brasil?
Divaldo Rezende – Não está definido claramente como o mecanismo funcionará. Hoje, estão acontecendo projetos de REDD no Brasil, mas, dentro do mercado de crédito de carbono voluntário, ou seja, são grandes empresas, nacionais ou internacionais, que implementam estes projetos dentro da sua política de responsabilidade social corporativa. Então, o REDD hoje não existe, mas há uma proposta para que seja incluído um mecanismo dentro da convenção de mudança climática para que auxilie na redução dos gases do efeito estufa. Porém, o que se espera é que em dezembro tenhamos as diretrizes do REDD, que pode ser usado para a conservação, para evitar o desmatamento, para manejo florestal ou para a agricultura, não se sabe ainda qual é a linha, mas as regras de como será aplicado este mecanismo ainda não existem.
IHU On-Line – Que novos assuntos se tornaram indispensáveis em relação às mudanças climáticas desde o último relatório do IPCC?
Divaldo Rezende – Primeiro a questão de energias renováveis. Cerca de 80% das emissões dos gases de efeito estufa ainda são provenientes da queima de combustíveis fósseis. O segundo grande tema é sobre a mudança de uso da terra, porque os desmatamentos, as queimadas também contribuem para a emissão dos gases de efeito estufa. Outro tema indispensável e que tem se falado muito é a respeito da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e transferência de tecnologia. Se queremos um mundo com uma estratégia de menos emissão de carbono, temos que pensar uma matriz energética bastante limpa sem queima de combustíveis. Enquanto isso, fazemos a matriz energética, não só do ponto de vista da energia elétrica, mas também do ponto de vista de energia das grandes corporações, indústrias e fábricas.
A questão da biodiversidade também é indispensável. A biodiversidade tem uma relação muito direta com mudanças do clima. Muitas espécies acabam sendo extintas em função de mudanças do clima, ou alteração no volume de água, de secas, e uma série de outros acontecimentos. Outra questão muito importante é a participação popular, é o entendimento de como mudanças climáticas, como gases do efeito estufa afetam nossa vida. Esta questão de mudança climática criou um mercado mundial de créditos de carbono, que é uma forma de compensar suas emissões, de mais de 120 bilhões de dólares no ano passado. A expectativa ou as projeções dos especialistas é que o mercado de crédito de carbono deve ser um dos maiores mercados econômicos nos próximos anos. Se fala em torno de três trilhões de dólares em 2020.
IHU On-Line – Em que pé estão as negociações para Copenhague?
Divaldo Rezende – Agora está havendo uma pré-conferência em Bangkok, onde estão sendo discutidas várias questões. Como é uma Conferência das Nações Unidas, as decisões são tomadas por consenso, por unanimidade. Se existe um país contra um determinado item, ele não é aprovado. Não existe aquela coisa de “50% mais um”. Grandes questões estão sendo discutidas e negociadas. A questão de novos compromissos de metas de redução de emissões, as questões do financiamento, e mecanismos que possam reduzir suas emissões, como é o caso de um que já utilizamos no Brasil, que é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Dentro dos mecanismos e negociações, temos o que se chama Ações Nacionais de Mitigação Apropriada (NAMAs). Um programa de etanol pode ser um NAMA, um carro flex pode ser um NAMA, o plano nacional de redução de emissões pode ser um NAMA, o próprio REDD pode ser um NAMA.
Outra questão que está em discussão é quem vai pagar esta conta? Estão falando em fundos de financiamento para adaptação, mitigação, para novas tecnologias mais limpas, para fortalecimentos institucionais. Aí a discussão é de onde vem este dinheiro. As propostas são: os países ricos vão contribuir com 0,5 a 1% do PIB; há receitas que vêm de licenças dos países desenvolvidos; e também as taxas sobre combustíveis na aviação internacional e no comércio naval. outra alternativa seria os impostos, cada vez que se faz um projeto de crédito de carbono, parte dos impostos iria para estes fundos. Fala-se muito nas transferências de tecnologias limpas. Quando se tem uma tecnologia limpa, há problemas com royalties, licenças e patentes. Negociam também sobre a criação de centros regionais de desenvolvimento e disseminação de tecnologia. Tem uma série de temas em andamento e a perspectiva é que tentemos chegar a um acordo global, o que, a meu ver, será muito difícil no final do ano.
Existem ainda muitas diferenças de cada país que tem sua política e definições internas, e esta questão climática extrapola muito a questão global porque tem implicações significativas na economia de cada país. Se reduzirem emissões, de alguma forma, podem estar restringindo o desenvolvimento de alguns países. É um tema muito complexo ainda, e as pessoas estão tentando entender isso ou repassar de uma forma mais simples para a comunidade científica, acadêmica, e para o público em geral.
IHU On-Line – Quem faz parte da equipe de negociadores do Brasil?
Divaldo Rezende – A delegação brasileira é muito grande, deve ter umas 250 pessoas entre empresários, negociadores e governos. Mas quem negocia mesmo em nome do Brasil é o Itamaraty e o Ministério de Ciência e Tecnologia. E o grupo de negociadores é um grupo muito pequeno com, no máximo, dez pessoas.
IHU On-Line – Que papel o Brasil terá nessa conferência sobre o clima?
Divaldo Rezende – O Brasil sempre tem um papel muito forte de liderança, pois, sempre foi muito ativo, então, espera-se muito que o país possa liderar várias dessas discussões, auxiliando para que possamos ter realmente um acordo global. O Brasil sempre esteve à frente de muitas comissões dentro destas discussões, os negociadores brasileiros são reconhecidos internacionalmente. É o país que tem o terceiro maior número de projetos dentro do mecanismo de desenvolvimento limpo. A expectativa é que o Brasil tenha uma postura de liderança, de coordenação e de agregação dentro dessas discussões que serão feitas em Copenhagen. A posição do governo brasileiro é de que a convenção tem uma característica onde se tem compromissos comuns, porém diferenciados. Diferenciados porque os países desenvolvidos começaram a emitir gases de efeito estufa muito antes que nós e dos países em desenvolvimento, então, a posição do Brasil é de que os países em desenvolvimento não são obrigados a ter o compromisso de redução de emissões porque começaram a emitir muito depois.
Outra questão é que dentro desta discussão, o Protocolo de Kyoto deve ser renovado, todas as questões de redução de emissões para os países em desenvolvimento não deverão ser obrigatórias, e sim voluntárias. Estas reduções voluntárias devem ter financiamentos externo e adicional. Outra questão especifica é que o Brasil apoia o mecanismo de REDD, mas não como mecanismo de mercado. O Brasil também quer reforçar regras de transferência de tecnologia e dar suporte a centro de excelências regionais que possam estar acompanhando todas essas questões mundiais de mudanças climáticas. O Brasil apoia a criação de fundos de investimento para governos e instituições presidenciais. A expectativa toda é essa. Existem especialistas que acham muito difícil termos um acordo no fim do ano, isso já aconteceu antes. Na COP 6, que aconteceu em Haia, inclusive eu estava presente, não chegaram a um acordo final e fizeram a COP 6 bis, onde fecharam o acordo da convenção do Protocolo de Kyoto. Alguns especialistas acham que não teremos um acordo final em Copenhagen no fim do ano, mas que isso deve ser estendido para um próximo ano. E outros esperam que este acordo seja realmente atingido, porque esta questão de mudança do clima, pela primeira vez, está sendo trabalhada em diversos níveis de toda a sociedade, não só do Brasil, mas mundialmente.
IHU On-Line – Baseado nas negociações que estão sendo feitas hoje, o que podemos esperar da participação da China, Índia e do Brasil em Copenhague?
Divaldo Rezende – China, Índia e Brasil fazem parte de um bloco de negociação, o famoso bloco G77 dos países em desenvolvimento. Então, esses países sempre têm uma posição muito alinhada nas negociações. Só que o Brasil, diferente da China e da Índia, é o país do chamado BRICS, que tem a matriz energética mais limpa. Quase 93% de nossa matriz elétrica é hidráulica, é água. Não tem tanta emissão como a China e Índia, onde base da matriz é carvão mineral, e como a Rússia, que é terra elétrica com combustíveis fósseis e diesel.
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"O planeta está doente". Entrevista especial com Divaldo Rezende - Instituto Humanitas Unisinos - IHU