31 Julho 2009
Contraditório e polêmico, o governo Yeda vem passando por inúmeras denúncias, protestos e por uma crise de longa duração. A IHU On-Line conversou com o jornalista Marco Aurélio Weissheimer, um dos maiores críticos das ações deste governo, que analisou a atual situação do Rio Grande do Sul. Segundo Weissheimer, que nos concedeu a entrevista por e-mail, “um dos principais problemas deste governo é a falta da transparência. No entanto, a solução para ele parece ser incompatível com o chamado ‘novo jeito de governar’”. O jornalista falou também sobre o que podemos esperar desse governo no tempo que ainda lhe resta no poder, dos pivôs das crises e que indicações os últimos acontecimentos dos problemas enfrentados por Yeda apontam.
Embora a oposição no Rio Grande do Sul tenha seu papel também questionado diante da gravidade das denúncias feitas em relação à atuação de Yeda e seu governo, Weissheimer diz que ela vem fazendo sua parte. “Na Assembléia Legislativa, foi a oposição que realizou a CPI do Detran, que ajudou a trazer a público uma série de irregularidades e crimes cometidos contra o Estado e os cofres públicos” disse ele. O jornalista aponta que fora do parlamento “temos um ressurgimento do movimento estudantil, especialmente em Porto Alegre, e uma articulação crescente entre movimento sindical e movimentos sociais”.
Marco Aurélio Weissheimer é jornalista e mestre em Filosofia. atualmente, faz doutorado também em Fliosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Estamos no meio do terceiro ano do mandato de Yeda Crusius. Para onde caminha este governo?
Marco Weissheimer – As imagens do protesto realizado por professores, dia 16 de julho, em frente à casa da governadora Yeda Crusius trazem consigo uma síntese do que está acontecendo no Rio Grande do Sul. O fato de os protestos chegarem, literalmente, à porta da governadora não é aleatório. A casa de Yeda transformou-se no símbolo de um governo que perde credibilidade a cada dia pela falta de transparência e de explicações mínimas sobre a sucessão de denúncias que recaem sobre o Palácio Piratini. A própria casa está em questão. Ela foi colocada sob suspeita por um ex-integrante da campanha de Yeda, Lair Ferst [1], que acusou a governadora de ter usado sobras de campanha para a compra do imóvel e de ter declarado um valor da transação que não corresponde à realidade. Duas acusações muito graves, portanto.
A ausência de resposta para estas acusações – a maior parte delas, cabe assinalar, vindas de ex-aliados de Yeda – deixou o atual governo estadual numa situação de paralisia e numa posição ultradefensiva. Uma maneira de responder à pergunta “Para onde vai o governo Yeda?” é dizer: não vai a lugar algum, está preso em um atoleiro de suspeitas, acusações e denúncias, sem apresentar qualquer resposta convincente a elas. Isso fica muito claro quando olhamos para os episódios envolvendo a Secretaria da Transparência, criada por Yeda logo após o escândalo do Detran [2]. A primeira secretária, Mercedes Rodrigues [3], pediu demissão dizendo que o governo não estava interessado em transparência. O segundo, Carlos Otaviano [4], saiu do governo após recomendar o afastamento de Walna Villarins [5], principal assessora de Yeda.
IHU On-Line – De tempos em tempos, o governo Yeda passa por novas denúncias e escândalos. Que governo é esse?
Marco Weissheimer – Ainda na campanha eleitoral, Yeda prometeu implantar um “novo jeito de governar” no Rio Grande do Sul. Uma das marcas desse “novo jeito” seria a transparência na gestão. E a transparência acabou se tornando uma palavra maldita para a governadora. A situação patética da secretaria criada para tratar desse tema ficou escancarada com a decisão da Associação dos Procuradores do Estado de ingressar com uma representação junto ao Ministério Público Estadual, pedindo o fechamento da pasta. E o mais grave é que a falta de transparência atinge tanto os atos de governo quanto os atos privados da governadora, como é o caso da compra da casa. Mais ainda: a chefe do Executivo é acusada de integrar uma quadrilha instalada no Palácio Piratini e não processa os autores da acusação. Esse é o quadro atual.
IHU On-Line – O que os últimos acontecimentos do Executivo gaúcho apontam?
Marco Weissheimer – Os últimos acontecimentos apontam para uma situação de impasse institucional. Há um pedido de instalação de uma CPI na Assembléia Legislativa, que já tem 17 assinaturas confirmadas. Faltam apenas duas. A base do governo sabe que, diante da gravidade das denúncias, uma CPI poderia abreviar o fim do atual mandato. Além disso, no caso do PMDB, pesa sobre o partido a investigação da Operação Solidária [6], que envolve, entre outros, o deputado federal Eliseu Padilha [7]. Ao mesmo tempo, aguarda-se uma manifestação do Ministério Público Federal, que está investigando graves denúncias de desvio de recursos públicos e fraudes em licitações. Nada importante será aprovado na Assembléia enquanto esse impasse durar. O governo está paralisado e sua base parlamentar arrasta o Parlamento para a mesma situação.
IHU On-Line – O que Lair Ferst está representando nesse momento para o governo do Rio Grande do Sul?
Marco Weissheimer – Lair Ferst simboliza o fracasso de uma articulação política marcada por inúmeras denúncias de corrupção e irregularidades que teriam sido praticadas desde a campanha eleitoral. Há indícios de que o esquema operado no Detran veio a público, em larga medida, em função do desentendimento entre seus integrantes quanto à partilha de valores. As gravações reveladas durante o CPI do Detran mostraram isso. É importante lembrar, além disso, que Ferst é mais um ex-aliado de Yeda a se tornar fonte de denúncias contra o governo. Elas começaram com o vice-governador Paulo Feijó (DEM) [8], prosseguiram com o ex-secretário da Segurança, Ênio Bacci [9], e, mais tarde, com a ex-secretária da Transparência, Mercedes Rodrigues, e com o ex-ouvidor da Segurança, Adão Paiani [10]. O fogo amigo tem sido o “modus operandi” deste governo. Lair Ferst é mais um exemplo disso.
IHU On-Line – Como o senhor vê a presença da oposição e da militância no Rio Grande do Sul, neste momento?
Marco Weissheimer – A oposição ao governo Yeda vem fazendo sua parte, dentro e fora do âmbito parlamentar. Na Assembléia Legislativa, foi a oposição que realizou a CPI do Detran que ajudou a trazer a público uma série de irregularidades e crimes cometidos contra o Estado e os cofres públicos. Um novo pedido de CPI está protolocado para investigar as conexões entre a Operação Rodin e a Operação Solidária, que apura fraudes em licitações que podem ter lesado o Estado em cerca de R$ 300 milhões, segundo estimativas iniciais das autoridades. Fora do parlamento, temos um ressurgimento do movimento estudantil, especialmente em Porto Alegre, e uma articulação crescente entre movimento sindical e movimentos sociais. Após um período de considerável letargia, quando imperava uma suposta “pacificação do Rio Grande do Sul”, as ruas voltaram a ser local de debate e ação. Isso é muito bom.
IHU On-Line – Qual é o principal problema que este governo precisa enfrentar?
Marco Weissheimer – Essa é uma pergunta difícil, pois implica falar do ponto de vista do governo, o que é um mistério. Um dos principais problemas que paira sobre o Palácio Piratini é a acusação de que há uma quadrilha instalada na estrutura do Estado. Uma acusação que parte tanto da oposição quanto de ex-integrantes do governo, como é o caso do Ênio Bacci e do Adão Paiani. Na medida em que a governadora não processa os autores dessa gravíssima acusação, a sombra da suspeita permanece no ar. O fracasso da experiência da Secretaria da Transparência só reforça a impressão de que se trata de um governo eivado de procedimentos não muito republicanos. Assim, um dos principais problemas deste governo é a falta da transparência. No entanto, a solução para ele parece ser incompatível com o chamado “novo jeito de governar”.
IHU On-Line – Que perspectiva política podemos ter para este um ano e meio que ainda restam ao governo Yeda?
Marco Weissheimer – Os últimos acontecimentos e a própria história deste governo indicam um agravamento da crise política e institucional. Do ponto de vista político, o Estado encontra-se paralisado, esperando a manifestação do Ministério Público Federal e de outras instituições que investigam as múltiplas denúncias contra Yeda. Já há vários indícios de que essas investigações estão construindo provas robustas contra os acusados de cometer crimes. A governadora já perdeu todo o seu primeiro escalão neste processo. A saída de Carlos Otaviano significou a saída de um dos últimos nomes de peso deste governo. Fragilizado de modo crescente, ele não tem força para aprovar qualquer projeto importante na Assembléia. Neste contexto, o cenário mais otimista para Yeda é que consiga chegar se arrastando até o fim do mandato. Não muito mais do que isso.
IHU On-Line – Qual é o desenho econômico atual do Rio Grande do Sul?
Marco Weissheimer – O que posso fazer é apontar alguns indícios de que as coisas não vão muito bem. A crise econômica internacional e a seca que atingiu o Estado no primeiro semestre, por si só, já seriam motivo de preocupação. Aliadas a uma política que se concentrou fundamentalmente em cortar gastos de custeio e investimentos em políticas de desenvolvimento e de inclusão social, traz um resultado que começa a mostrar sua cara.
Em maio, o Rio Grande do Sul teve o pior desempenho do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego, divulgado pelo Ministério do Trabalho. Registramos a maior diferença, entre todos os estados brasileiros, entre demissões e contratações. O saldo negativo foi de 4.076 mil postos de trabalho: foram 88.309 demissões e 84.233 contratações. Em nível nacional, no mesmo mês, foram criados 131.557 mil novos empregos, um crescimento de 0,41% em relação a abril.
Também em maio, a taxa de desemprego cresceu na Região Metropolitana de Porto Alegre. Segundo o levantamento realizado pela Fundação Seade/Dieese, o número de ocupados caiu de 18 mil pessoas de abril para maio. Deste total, nove mil ficaram desempregados e outros nove mil simplesmente deixaram de procurar trabalho. A taxa de desemprego passou de 12,1% para 12,6% e o número total de desempregados passou de 245 mil para 254 mil. Além disso, houve redução do rendimento médio dos trabalhadores que registrou uma queda de 1,5% em abril.
Por fim, a Secretaria Estadual da Fazenda informou que a arrecadação de ICMS teve o pior resultado do ano no mês de junho. Neste período, o Estado registrou uma perda de R$ 149 milhões com o ICMS. As arrecadações tributárias foram de R$ 1,25 bilhão, contra R$ 1,33 bilhão de despesas. Resultado este, é importante lembrar, no contexto de uma política de corte de gastos e investimentos e de arrocho salarial contra o funcionalismo público. Sem uma política de desenvolvimento e com um governo desacreditado politicamente, a economia gaúcha parece estar indo muito mal das pernas.
Notas:
[1] Lair Ferst é casado com a ex-Miss Brasil Deise Nunes. Foi um dos coordenadores da campanha de Yeda Crusius, em 2006, e era apontado como um nome forte para ocupar um futuro secretariado de Yeda. Hoje, o lobista é apontado como um dos pivôs da crise no atual governo estadual, pois entregou ao MPF acusações envolvendo a campanha de Yeda e o início da administração.
[2] A Operação Rodin investiga a existência de fraude na contratação de empresas para a realização de provas teóricas e práticas para a aquisição de habilitação de motorista no Rio Grande do Sul. Essa fraude rendeu ao RS um prejuízo na ordem de 40 milhões de reais.
[3] Mercedes Rodrigues foi procuradora-geral da prefeitura de Porto Alegre e já disputou a mesma prefeitura em 1992 pelo PSDB. Integrou o governo Yeda durante três meses, onde foi secretária de Transparência. Um dos motivos alegados por Mercedes seria a falta de interesse do governo com a sua pasta.
[4] Carlos Otaviano Brenner de Moraes também foi secretário da Transparência do governo Yeda. Deixou o cargo em julho de 2009. O pedido de renúncia ao cargo foi entregue à governadora Yeda Crusius no Palácio Piratini. A relação com a governadora se deteriorou depois que Otaviano sugeriu o afastamento da assessora direta da governadora, Walna Menezes, por ter o nome envolvido na polêmica do sistema de escutas do estado.
[5] Walna Vilarins Meneses foi secretária da governadora Yeda Crusius e foi convocada para prestar esclarecimentos sobre sua relação com investigados da Operação Solidária e, por isso, foram quebrados os sigilos fiscal, telefônicos, bancários e telemáticos dela. Seu advogado obteve do Tribunal Regional Federal da 4ª Região um atestado de que “nada consta” contra a sua cliente.
[6] A Operação Solidária é uma investigação que apura desvios de recursos em obras de infra-estrutura na Região Metropolitana. As escutas que lançam suspeitas sobre José Otávio e Padilha fazem parte de um compêndio com 59 páginas de transcrição de grampos telefônicos capturados com autorização da Justiça. Ao todo, 21 números de celulares foram monitorados.
[7] O secretário-geral do PSDB no RS, Eliseu Padilha, é apontado como “número 1” nas investigações da Operação Solidária. Foi prefeito de Tramandaí, e, desde 1995, é deputado federal. Ocupou o Ministério dos Transportes, no governo FHC, a partir de 1997.
[8] Paulo Affonso Girardi Feijó é o atual vice-governador do Rio Grande do Sul. É filiado aos Democratas. Antes de se tornar vice-governador, Feijó militava nos movimentos empresariais do Estado. Em junho de 2008, divulgou gravações lícitas, porém não consentidas, do então Chefe da Casa Civil do RS, Cézar Busatto. Nas gravações, Busatto admite a existência de corrupção em órgãos estaduais como o Banrisul e o Detran, que seriam usados como fontes para financiamento de campanha.
[9] Ênio Bacci é deputado federal pelo PDT-RS. Foi acusado de cometer crimes contra a honra do delegado Alexandre Vieira, durante uma entrevista concedida em abril de 2007 para a Rádio Gaúcha. Na época, Bacci era secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Sua demissão deflagrou oficialmente o rompimento do partido com o Piratini.
[10] Adão Paiani foi ouvidor geral da Segurança do governo Yeda. Denunciou o uso desse sistema de escuta, por parte de agentes do Estado para espionar e chantagear adversários políticos do governo Yeda. Depois das denúncias, a Executiva Regional do PSDB decidiu expulsá-lo da sigla.
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"A transparência acabou se tornando uma palavra maldita para a governadora". Entrevista especial com Marco Weissheimer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU