08 Março 2009
Depois de muita luta, a Conferência Nacional de Comunicação foi finalmente anunciada. Embora ela traga esperanças para aqueles que se mobilizaram em prol de um novo marco regulatório da comunicação, ela é também um momento de os movimentos sociais e os empresários discutirem seus interesses, que são bastante distintos. É o que defende a professora Ivana Bentes. Nesta entrevista, realizada por telefone, ela reflete sobre as discussões que devem ser realizadas durante a conferência, pensa nos atores e nos temas que deverão ser centrais nesse encontro. Ela analisa, ainda, a mudança que a sociedade está vivendo nesse momento com as possibilidades apresentadas pelos novos meios de comunicação e como a mídia precisa pensar a crise e repensar seu papel dentro da situação delicada que a economia mundial vive. “A comunicação é importante demais para ficar sendo discutida apenas por profissionais da comunicação. Ela é estratégica hoje para prática da democracia no país. O campo da comunicação é tão importante quanto o campo da saúde”, comenta.
Ivana Bentes Oliveira é comunicadora social, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, onde também realizou seu mestrado e doutorado. Atualmente, é professora e coordenadora dos cursos de comunicação da universidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O ministro Luiz Dulci anunciou no Fórum Social Mundial, em Belém, que o governo Lula irá convocar a I Conferência Nacional de Comunicação. Por que o governo resistiu tanto em convocar a Conferência?
Ivana Bentes – Há pressões políticas de todos os lugares: das corporações, da radiodifusão etc. A comunicação, desde muito tempo, não tem uma relação de diálogo muito estreito com os movimentos sociais ligados à área. Ao mesmo tempo, essa demanda social se tornou um pouco incontornável. Para você ter uma ideia, no campo da saúde, já foram realizados mais de 20 conferências (ao longo de diferentes governos). E foi de uma dessas conferências nacionais do campo da saúde que saiu a proposta do SUS e outras políticas públicas. Nós esperamos que a Conferência de Comunicação vá pelo mesmo caminho, ou seja, uma Conferência de Comunicação não irá resolver todas as questões de assimetrias, de tecnologias, por exemplo, mas é um começo.
IHU On-Line – Que papel o Fórum da Mídia Livre teve em relação à convocação dessa Conferência?
"Há um contingente de criadores e produtores de mídia que extrapola a ideia dos profissionais de comunicação"
Ivana Bentes – Na verdade, há uma série de instituições que já estão há muito tempo batalhando pela conferência, como a Intervozes. Desde o ano passado, estamos tentando chamar a atenção para essa questão da mídia livre, que é essa nova configuração no campo da comunicação a partir do momento em que cada um de nós se torna uma unidade móvel produtora de informação. E não é só isso: há ainda a questão do direito à comunicação. O Fórum de Mídia Livre foi um espaço onde uma série de movimentos convergiu e que já estava exigindo a Conferência de Comunicação. O Fórum de Mídia Livre foi bacana porque mobilizou muita gente dentro das universidades (tanto pública quanto privadas) e pessoas que se importam e estão fazendo mídia e que não necessariamente estão dentro das corporações. Há um contingente de criadores e produtores de mídia que extrapola a ideia dos profissionais de comunicação.
O Fórum de Mídia Livre está dentro do espírito da conferência porque também quer mobilizar a sociedade como um todo. Eu sempre digo: a comunicação é importante demais para ficar sendo discutida apenas por profissionais da comunicação. Ela é estratégica hoje para prática da democracia no país. O campo da comunicação é tão importante quanto o campo da saúde. Há uma série de questões que se acumularam sem serem resolvidas. Chegamos a um momento em que não é só uma questão de exigência. O governo está respondendo a uma demanda dos movimentos sociais, mas, ao mesmo tempo, a uma demanda das próprias corporações, porque as empresas de telecomunicações estão em disputa com as empresas de radiodifusão. Há uma redefinição do próprio negócio. Essa dupla pressão da sociedade e dos próprios empresários – que talvez não tenham tanto interesse em pensar a mídia livre – fez com que chegasse o momento em que o governo se desse conta de que a lei sobre a comunicação no Brasil está defasada.
IHU On-Line – Quais são os grandes atores e os grandes temas que estarão no centro da Conferência?
Ivana Bentes – Eu acho que uma das principais questões é a reformulação da Lei Geral das
Comunicações, que é essa lei defasada da década de 1970, que precisa ter um novo marco regulatório. Há uma série de questões que não estão nem reguladas, como a questão da convergência das mídias. É claro que não queremos discutir isso do ponto de vista do empresário que quer regular o seu negócio. Queremos discutir isso do ponto de vista do comum, da sociedade que deve se apropriar dessa distribuição de comunicação. Então, eu penso que um marco regulatório será decisivo para poder, minimamente, dar conta dessas mudanças tecnológicas, como a televisão digital – que tem uma demanda dos movimentos por canais – e a criminalização da comunicação comunitária – a questão do rádio se tornou muito preocupante, por exemplo. Esse movimento para legalizar uma prática social, de legitimar essas práticas livres e da apropriação da sociedade desses meios de comunicação que sempre ficaram na mão de interesses privados, será algo também bastante forte. Temos muitos atores aí dentro da conferência: movimentos sociais, universidades, empresários do campo da comunicação. Estarão em jogo interesses muito distintos, o que irá gerar uma discussão pesada.
A comunicação hoje está ligada a muitos negócios estratégicos politicamente, mas a sociedade não quer mais aparecer na televisão, mas sim ter um canal de televisão. Isso é absolutamente legítimo e temos um governo que poderá dar conta – ou pelo menos colocar em “praça pública” – dessas disputas de interesses. Então, a conferência, antes de mais nada, não será apenas um momento de convergência, mas de disputa política muito grande. A sociedade e os movimentos sociais, assim como as pessoas que trabalham nesse meio, precisam estar muito cientes de todos os lobs e pressões que irão acontecer nesse momento. A questão, para resumir, mais importante é a mudança do marco regulatório, mas mais importante do que regular é legitimar as práticas sociais que já existem.
"Estarão em jogo interesses muito distintos, o que irá gerar uma discussão pesada"
IHU On-Line – Quem faz a “cabeça do brasileiro” hoje? Ainda é a Rede Globo?
Ivana Bentes – Eu vejo que, a grande mídia está cada vez mais perdendo espaço para os novos meios. Então, pós-internet, a situação mudou muito. Há uma geração que vê muito menos televisão ou não vê TV, ou seja, há a possibilidade desse consumidor se tornar um produtor de informação – fora do que é classificado comunitário. Aumentou o potencial e o poder social se expandiu. Isso é preocupante para as corporações que monopolizavam o negócio da comunicação e da informação. A internet ganhou uma importância e um espaço muito grande, mas ainda não é o suficiente, ou seja, precisa se expandir mais. A TV aberta está absolutamente privatizada, mas os novos meios nos dão a possibilidade de radicalizar a democratização desse campo da comunicação. Essa é a questão hoje, embora os grandes atores ainda estejam fortes e ainda consigam pautar algumas discussões políticas – para o pior e para o melhor.
A Rede Globo ainda é um centro de produção de pautas e muitas vezes é extremamente comprometida com interesses políticos que talvez não sejam os mais interessantes. A gente vive nesses dois pólos, nessa oscilação. Passamos por uma mudança em que, pela primeira vez, temos essa possibilidade política e tecnológica da diluição desse poder e formar novas redes, ou seja, muitos se comunicando com muitos. As corporações estão se preparando para as mudanças, mas não tenho dúvida que esse momento é de ruptura com esse sistema de centralização. Isso não basta, claro, por isso precisamos tanto de um novo marco regulatório.
"A TV aberta está absolutamente privatizada, mas os novos meios nos dão a possibilidade de radicalizar a democratização desse campo da comunicação"
IHU On-Line – Diante dessa crise econômica, qual é a responsabilidade da mídia, em sua opinião?
Ivana Bentes – Primeiro: não fazer terrorismo com a crise. A crise não pode virar a justificativa para uma série de cortes e benefícios sociais. Eu penso que a crise deve ser politizada, não que o Brasil esteja blindado – porque ela já está aí –, mas a mídia precisa ser mais responsável em relação à analise do que vem a ser a crise. A mídia sempre exaltou o mercado como infalível. No entanto, esse mercado está produzindo sofrimento e a mídia colocou em dúvida o modelo de uma série de dogmas e crenças que ela mesma ajudou a construir. É muito interessante como a crise financeira coloca em xeque a própria mídia que ajudou a sustentar as crenças no mercado. A mídia precisa, antes de tudo, entender como foi parte de uma sustentação de um pensamento que, simplesmente, foi colocado em xeque. Ela é muito boa para nós repensarmos modelo de sociedade, de mercado financeiro e entender que não existe mercado sem política. Devemos discutir o mercado financeiro como discutimos outras questões políticas. Desse modo, a sociedade precisa aprender a discutir economia de novo. Isso porque a economia é importante demais para ficar na mão apenas de especialistas.
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Conferência Nacional de Comunicação. Conquista e desafios. Entrevista especial com Ivana Bentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU