26 Agosto 2008
Um grupo de defensores dos direitos dos animais e adeptos ou simpatizantes do vegetarianismo se reunirá no próximo dia 30-08-2008 em frente ao Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, no Rio Grande do Sul, durante a Expointer [1], para protestar contra a indústria de produção de animais. Segundo o coordenador da Sociedade Vegetarianos do Brasil – Grupo Porto Alegre (SVBPoa), Rafael Jacobsen, algumas das ações realizadas nas duas edições anteriores serão reeditadas, além de fazer algumas performances para “tentar mostrar para as pessoas como é estar do outro lado, dentro da pele do animal”. Em entrevista realizada por telefone à IHU On-Line, Jacobsen falou da organização desta manifestação, porém ampliou o debate também acerca do vegetarianismo e dos direitos dos animais. “As pessoas não precisam ter medo de abdicar da exploração animal para se alimentar e viverem bem”, afirma ele, que é adepto do vegetarianismo há dez anos.
Rafael Bán Jacobsen é físico, pianista, poeta e escritor. Em 1998, lançou seu primeiro livro individual, Tempos & costumes (Porto Alegre: Alcance, 1997), recebendo o Prêmio Açorianos de Destaque em Narrativa Longa. É coordenador da SVBPoa.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Rafael, este é o terceiro ano que vocês promovem uma manifestação contra a Expointer. Como foram as outras manifestações? Conseguiram mobilizar pessoas para a campanha sobre vegetarianismo?
Rafael Jacobsen – Estamos virando clientes da Expointer. No ano passado, vários grupos que reivindicam os direitos dos animais e são a favor do vegetarianismo se articularam e foram até a entrada do Parque Assis Brasil, onde estendemos faixas, distribuímos panfletos de conscientização para a população e fizemos algumas performances. Por exemplo, colocamos alguns ativistas dentro de bandejas como se estivessem oferecendo carne humana no lugar de carne animal. Nós fizemos também exposições de imagens para que as pessoas pudessem ver como funcionam os bastidores dessa indústria da produção de animais.
IHU On-Line – E que resultados tiveram essas manifestações?
Rafael Jacobsen – A abordagem é sempre amigável, pacífica. Nós conversamos com as pessoas que estão chegando ao parque e, por incrível que pareça, notamos uma grande receptividade do público com relação à questão dos animais. Muitas pessoas dizem que até aquele momento não tinham parado para pensar ou enxergar sob a ótica que propomos. Percebemos que há receptividade por parte do público e que esse é um terreno que precisa ser mais explorado. O que falta para as pessoas é, muitas vezes, a informação de toda a dor, de todo sofrimento e de toda coisificação de vidas animais, que é promovida por toda essa indústria sistematicamente não apenas na Expointer, mas o ano todo e em todos os lugares.
IHU On-Line – Vocês podem contar o que está sendo preparado para as manifestações deste ano?
Rafael Jacobsen – Nada muito diferente do usual. Vamos fazer novas performances para tentar mostrar para as pessoas como é estar do outro lado, dentro da pele do animal, e vamos investir ainda mais na informação. Distribuiremos vídeos gratuitos mostrando como funciona toda essa indústria.
IHU On-Line – Grandes empresas e instituições voltadas à produção de animais para qualquer tipo de consumo e, por conseqüência, apóiam a Expointer, tem trocado farpas com vocês. Como vocês lidam com isso?
Rafael Jacobsen – Nós costumamos sempre dizer que essa é uma batalha parecida com a que foi travada entre Davi e Golias. Com certeza, a Expointer é um emblema do que é toda a indústria da criação e da matança industrial de animais. É um mecanismo muito poderoso, rola muito dinheiro por trás. Muitas pessoas de poder participam disso. Quem nunca ouviu falar em políticos que têm fazendas, com muitas cabeças de gado? Há também um maquinário muito forte de marketing participando disso. E o vegetarianismo infelizmente não dispõe desses meios. É um trabalho de formiguinha mesmo, todos os ativistas buscam trabalhar o tempo inteiro norteando suas ações para que, em alguns momentos especiais durante o ano, como a Expointer, os esforços sejam canalizados e algum resultado efetivo possa ser atingido. Por isso, é importante lembrar que todos aqueles que acreditam nessa causa ou que simpatizem com ela não abdiquem de participar de alguma forma também.
IHU On-Line – Você acredita num mundo consciente em relação ao uso que faz dos animais?
Rafael Jacobsen – Na verdade, a curto prazo, não. Esta sociedade ainda está muito calcada na exploração animal. Se você procurar, verá que em quase tudo o que se produz, seja alimentos ou vestimentas, há algum animal sofrendo, sendo morto ou sendo explorado. Certamente, o mundo não terá uma consciência a favor dos animais em pouco tempo, imaginar isso é uma utopia. Porém, eu tenho percebido um crescimento muito grande no mundo, do interesse por essas questões. Enquanto o maquinário dessa indústria continua trabalhando, o importante é ver que mais e mais ativistas e vegetarianos estão surgindo. Isso me traz esperança de que num futuro mais distante essa causa possa ter uma vitória significativa.
IHU On-Line – Que alternativas o vegetarianismo propõe?
Rafael Jacobsen – O vegetarianismo é uma coisa muito simples. Trata-se essencialmente de tirar a carne do nosso cardápio. Isso pode parecer muito complicado se nós pararmos para imaginar a retirada da carne do cardápio-padrão das pessoas: arroz, uma saladinha meio pobre, talvez feijão e um grande bife. Normalmente uma refeição é definida pela carne que você vai comer e os acompanhamentos, como, por exemplo: “Hoje vou comer frango, ou hoje vou comer gado, ou hoje vou comer peixe e o resto é o resto, é o que acompanha”. Na verdade, a idéia que o vegetarianismo propõe é trocar essa formatação mental das pessoas. O vegetariano precisa buscar novos sabores, novas fontes de nutrientes. A culinária vegetariana é baseada na variedade de grãos, de cereais, de legumes, de frutas, de verduras e outros elementos que, combinados, podem ser a base de preparação de pratos dos mais variados. As pessoas não precisam ter medo de abdicar da exploração animal para se alimentar e viver bem.
IHU On-Line – Como é, para vocês, um mundo onde os animais são tratados de forma decente?
Rafael Jacobsen – Esse é o mundo a que todos nós deveríamos ter direito. Um mundo onde os animais não sejam utilizados como são hoje para satisfazer os interesses de uma única espécie sobre o globo é muito mais interessante sob vários aspectos, porque o vegetarianismo, está provado, é melhor para a saúde do ser humano. Várias doenças crônicas, como diabete e doenças cardiovasculares, são prevenidas com uma dieta vegetariana. Ou seja, seria um mundo melhor não só para os animais, mas para todos nós também. Além disso, há toda a questão ambiental envolvida, pois a criação de animais produz mais gás carbônico, consome muita água e grãos que poderiam ser utilizados pelo homem. Então, seria um mundo muito bom não só para os animais, mas para todos os homens também.
IHU On-Line – Em algum país ou comunidade o vegetarianismo já é uma idéia mais avançada?
Rafael Jacobsen – De fato, existem alguns lugares pontuais onde o vegetarianismo é uma prática, uma filosofia de vida mais presente. Há eventos peculiares, como algumas comunidades da Índia, em que o vegetarianismo é regra. Porém, há um país como o nosso, com muitas pessoas diferentes, onde há uma tradição vegetariana bem antiga, que é a Inglaterra. A sociedade vegetariana de lá já tem mais de 100 anos. Neste país, 10% da população já é vegetariana e aqui no Brasil a população vegetariana não chega nem a 1%, segundo algumas projeções, pois não existem dados oficiais. Lá, os vegetarianos fazem barulho; eles se fazem sentir na sociedade. Por força de lei, em todos os restaurantes da Inglaterra há sempre uma opção de prato vegetariano, que obviamente não pode ser algo como uma salada de alface e tomate apenas, mas sim uma refeição vegetariana. Esperamos que um dia, num futuro próximo, isso ocorra aqui também.
IHU On-Line – É difícil ser vegetariano no Brasil?
Rafael Jacobsen – Não é difícil e está cada vez menos difícil. As pessoas pensam que, para se tornarem vegetarianas, é preciso fazer uma grande mudança na sua vida, mas não é. Se você for um vegetariano que tem uma boa base de alimentos naturais, é simples. Mas, se você quiser procurar por produtos mais específicos para o público vegetariano, encontra também. Cada vez mais surgem alimentos desse gênero que nos dão a opção de substituir até os laticínios e os ovos, os quais também são produzidos numa indústria cruel.
IHU On-Line – Você já percebe evoluções no Brasil em relação aos direitos dos animais?
Rafael Jacobsen – Com certeza. Por exemplo, na década de 1970 quem falasse em Direito Ambiental seria considerado louco. Hoje em dia, Direito Ambiental é uma disciplina nos cursos de Direito. Ele foi construído por alguns ambientalistas na década de 1980. Atualmente, talvez ainda para a grande maioria soe um pouco estranho falar em direito dos animais, mas essa área está avançando em passos largos. De 2000 para cá, pesquisadores sérios das áreas de Direito, Filosofia e outros já publicaram muitos materiais articulando sobre esse tema, que também está mais presente na mídia. Isso é bastante sintomático, em minha opinião.
IHU On-Line - O que você acha das idéias de Peter Singer sobre os direitos dos animais?
Rafael Jacobsen – O Peter Singer [2]é um filósofo que adota um viés utilitarista e não vê o mal em si de matar o animal para comer, por exemplo. Ele centra bastante sua argumentação na questão do sofrimento. Singer diz que o que importa é minimizar a dor e o sofrimento, então provavelmente ele não veria grandes problemas em comer de vez em quando a carne de uma galinha criada solta ou de um boi feliz. Ou seja, ele não vê o mal intrínseco na utilização do animal. De minha parte, como indivíduo, faz muito mais sentido outra postura. Eu reconheço e admiro o Peter Singer, pois ele foi pioneiro, abrindo o debate acerca dos direitos dos animais. Porém, acredito que já se avançou bastante nessa concepção, e os pensadores de hoje já estão além dessa idéia de minimizar a dor e o sofrimento. Os animais já estão sendo reconhecidos com indivíduos que possuem direitos inerentes a eles. Não importa como eu viole esses direitos; com ou sem dor, uma coisa seria tão antiética quanto a outra.
IHU On-Line - Quais são as principais diferenças entre os direitos dos animais e a vida e o bem-estar dos animais?
Rafael Jacobsen – Essa diferença é bem grande de fato. Hoje, se fala muito em bem-estar animal, que tem como pressuposto o seguinte: podemos nos utilizar dos animais para nossos fins, sejam eles para alimentação, entretenimento, para fazer pesquisas médicas e científicas etc., desde que, durante esse processo de utilização, nós visemos mantê-los com o mínimo de conforto, sem que passem necessidades ou fome e que não façamos com que eles passem uma dor além do necessário. É como se fosse muito fácil fazer esse mal além do necessário. Essa é mais ou menos a visão do bem-estar animal.
Agora, direitos dos animais é algo bem diferente. Ao caracterizarem os animais como sujeitos de direitos, os articuladores dessa área não conseguem conviver com a idéia de que possamos utilizar os animais, mesmo que não se cause dor e mantenha o seu bem-estar para o interesse do homem. Para quem encara a situação sob a perspectiva dos direitos dos animais, essa prática jamais seria aceitável, assim como é inaceitável fazer isso com qualquer outro sujeito de direito, como o homem.
IHU On-Line – Pessoalmente, quando foi e como você se tornou vegetariano?
Rafael Jacobsen – Eu me tornei vegetariano há dez anos. Durante minha infância, ajudei minha mãe a recolher cães e gatos de rua e convivendo com esses animais, procurando lares para eles fui criando uma grande empatia por eles. O problema é que minha empatia não se estendia para os animais que eu comia diariamente. Eu não conseguia associar uma coisa à outra. Até que um dia a minha ficha começou a cair e comecei a questionar qual é a real diferença entre a dor do cachorro e a do porco, por exemplo. Comecei a perceber que alguma coisa estava errada na minha atitude de proteger uns e simplesmente passar por cima de outros como se os animais presentes no meu prato nada significassem. Assim começou a mudança que foi muito importante na minha vida.
IHU On-Line - Quais os desafios da população mundial para obter esta ética na alimentação, levando em conta que grande parte da população vive na miséria?
Rafael Jacobsen – A questão da miséria é muito interessante se você for analisar sob a ótica do vegetarianismo. Por que existe tanta escassez de alimentos? Não temos espaço no mundo para produzir comida para todo mundo? Até o presente momento, há comida para os quase sete bilhões de pessoas no mundo. Não teremos no futuro, mas por enquanto ainda temos. Além da questão política da distribuição, um grande problema que vejo é a própria questão da pecuária, pois para cada quilo de carne produzido é gasto de sete a 20 quilos de grãos por dia. Esse é um desperdício energético muito grande. Esses grãos poderiam ser utilizados para fins mais nobres, como para acabar com a miséria. Fazer essa transformação é melhor do que engordar gado.
Quem come carne em fartura? São as pessoas que dispõem de recursos. Estão desviando os grãos que poderiam ir para os mais necessitados para alimentar o gado, que será consumido pelos menos necessitados. Seria um grande desafio mudar toda essa concepção de alimentação. Precisamos entender que comer carne não é um luxo – está muito mais para lixo – e que devemos aproveitar melhor nossas terras e recursos. Também precisamos aprender a ser generosos, e o vegetarianismo indica esse caminho.
Notas:
[1] A Expointer é uma feira agropecuária de destaque nacional realizada no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, no Rio Grande do Sul. É considerada a maior exposição de animais da América Latina. A primeira edição ocorreu em 24 de fevereiro de 1901, em Porto Alegre.
[2] Peter Albert David Singer é um filósofo e professor australiano. É professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Atua na área de ética prática, tratando questões de Ética de uma perspectiva utilitarista.Seu livro Libertação Animal (publicado originalmente em 1975) foi de uma importante influência formativa no moderno movimento de direitos dos animais. Singer é um grande defensor dos animais, apoiando plenamente a causa da libertação animal, um dos muitos motivos que o fez adotar a dieta vegetarina.
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Expointer: um símbolo da matança industrial de animais. Entrevista especial com Rafael Jacobsen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU