01 Agosto 2007
Nada como uma simples caminhada pelo centro de Buenos Aires, um passar de olhos pelos jornais argentinos ou um “zappear” nas TVs e rádios do país para constatar que a “corrida” presidencial já começou e avança rapidamente. O governo Kirchner caminha para a conclusão, enquanto outros aspiram ocupar a cadeira principal da Casa Rosada. A favorita, com cerca de 50% da intenção de votos, é a esposa do atual presidente, Cristina Fernández de Kirchner. Esta conjuntura levou a IHU On-Line, através da jornalista Sonia Montaño, a entrevistar Washington Uranga sobre a realidade política da Argentina. Durante a conversa, Uranga fala sobre os acertos e desacertos ocorridos na política do país, das relações entre o governo e a sociedade civil e entre o governo e a Igreja católica.
Washington Uranga, é jornalista, docente e pesquisador na área da Comunicação. É diretor de pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires. Exerce a docência tanto na graduação como na pós-graduação em comunicação nas Universidades de Buenos Aires, La Plata, Catamarca, Cuyo, Patagonia Austral e Comahue (Argentina) e Andina Simón Bolívar (Bolivia). É colunista do jornal Página 12 e diretor de Fortalecimento de Espaços Associativos no Ministério de Desenvolvimento Social.
Confira a entrevista.
IHU On-Line- Qual é a sua avaliação do governo Kirchner?
Washington Uranga - A emergência está superada em função de uma situação econômica altamente favorável. Levamos quatro anos de crescimento permanente, em torno de 8% de crescimento anual. Isto elevou os níveis de qualidade de vida, mas a conta pendente nesse sentido está relacionada à distribuição da renda. Está superada a emergência, mas não a crise. Continua havendo muita gente em situação de pobreza. Desapareceu a situação de agitação nas ruas, ou pelo menos, boa parte dela, mas há agora outras demandas. As pessoas antes buscavam por comida, hoje exigem qualidade nos serviços, qualidade no trabalho. Antes se pedia inclusão, agora qualidade na inclusão. Numa sociedade capitalista, vamos ter sempre, estruturalmente, desempregados. Embora o desemprego tenha diminuído, há ainda muitos problemas na qualidade dos empregos. É o que podemos dizer em relação ao nível econômico do governo atual.
IHU On-Line- O que ficou pendente na gestão de Nestor Kirchner?
Washington Uranga - A reforma política. Da crise de 2001 para cá, uma das questões fortemente levantadas era o lema “que se vayan todos!”. Certamente, esse era um registro exagerado, porque nenhuma sociedade troca, de um dia para outro, todas as suas lideranças. Mas, concretamente, não se foi ninguém e as lideranças políticas foram recicladas em todo os níveis. Portanto, não houve uma reforma política, por causa do estilo do presidente Kirchner. O presidente não tem intermediários, trabalha diretamente com as pessoas. Assim, não há intermediação política, e sim uma vinculação direta, o que não ajuda os níveis de participação.
IHU On-Line - É possível traçar semelhanças entre os governo de Kirchner, na Argentina, e Hugo Chávez, na Venezuela?
Washington Uranga - Não, Kirchner está muito longe de Chávez. Tanto em relação às ideologias, como em relação às trajetórias. Isso fica claro, por exemplo, na renúncia à reeleição de Kirchner, que evita o desgaste político, transferindo o poder no momento de maior auge. O presidente tem cerca de 70% da aprovação do povo argentino, atualmente.
IHU On-Line- Atualmente, como está o movimento dos piqueteiros (1)?
Washington Uranga - Muitos deles foram absorvidos pela estrutura de governo.
IHU On-Line - Que releitura se pode fazer hoje do lema “que se vayan todos”?
Washington Uranga - Esse lema foi uma explosão de uma sociedade que não agüentava mais aquela situação de crise. Foi um desborde do momento, mas não foi algo elaborado. Hoje restam grupos residuais dos piqueteiros que, numericamente, não são muito significativos. Embora, muitas de suas exigências ainda sejam válidas. Naquele momento, os piqueteiros alcançaram uma ressonância na sociedade que hoje não têm.
IHU On-Line- Em sua opinião, quais são os principais acertos do presidente?
Washington Uranga - Há um grande acerto na política de direitos humanos, pois é a mais valente e clara desde o retorno da democracia. Seria injusto não reconhecer o papel de Raúl Alfonsín (2), nesse sentido, porque ele sentou os militares no banquinho em 1983, em condições mais difíceis que as atuais. Hoje, os militares não têm o poder que tinham na década de 1980.
IHU On-Line - Há um caminho já aberto para a candidatura de Cristina Kirchner?
Washington Uranga - Cristina Kirchner vai fazer uma etapa mais institucional. O que Néstor diz é que Cristina vai aprofundar as mudanças que, nesta etapa, não puderam ser feitas em função do fim da crise. Se será assim ou não, não sei. Ao que tudo indica, na campanha, o presidente vai falar e Cristina vai sorrir. Ela fez toda a campanha ao senado pela província de Buenos Aires quase sem falar e suponho que vai continuar dessa forma. E nem necessita falar, porque a intenção de voto está em torno do 50%. O candidato que segue, Roberto Lavagna (3), não tem mais do 10%. Há uma distância tão grande que ganha quase que por inércia.
IHU On-Line - Como a necessidade da efetivação da Reforma Política na Argentina tem se manifestado?
Washington Uranga - Neste momento, não há partidos políticos. Os partidos políticos tradicionais da Argentina – Partido Justicialista (PJ) e União Cívica Radical (UCR) – não existem, pois estão absolutamente desmembrados. O PJ é quase uma estrutura residual porque as diferentes vertentes e seus principais dirigentes estão no chamado “Frente para la Victoria”, que não é um partido, mas sim a expressão eleitoral do presidente. A Frente não funciona como partido porque não tem estrutura orgânica. O presidente se relaciona individualmente com os dirigentes e a “Frente para la Victória” hoje abriga membros da UCR. De fato, o candidato a vice-presidente, Julio Cobos (4), atual governador da província de Mendoza, é da UCR. Portanto, fica desmembrada a estrutura do radicalismo.
Outros radicais vão acompanhar a candidatura de Roberto Lavagna, que foi ministro de Economia do Governo Duhalde (5), e é justicialista. O candidato a vice de Lavagna é o senador Gerardo Morales (6), atual presidente da UCR. Temos mais de uma fórmula justicialista-radical, desta vez, na oposição. Então, a reforma política implica em olhar para isso tudo e se perguntar que tipo de estrutura está se formando. Além disso, devemos pensar nas formas de participação cidadã. O que estamos dizendo quando falamos em democracia representativa? Devemos pensar sobre isso porque as coisas podem piorar e, se não for pensada a reforma política, rapidamente podemos chegar a uma situação de crise análoga à de 2001.
IHU On-Line - A prática do piquete parece ser uma das vozes reivindicatórias mais freqüentes na Argentina atual.
Washington Uranga - Sim. Está associada à falta de níveis de participação. A visibilidade da demanda consiste em cortar as ruas o que torna o fato mais midiático. É um claro exemplo de que não há outros canais pelos quais se possam encaminhar as demandas.
IHU On-Line - Quem está preocupado com a reforma política no país, hoje?
Washington Uranga - É uma preocupação do que fazem a análise. Não creio que esteja na agenda dos políticos. Os políticos pensam bastante a curto prazo. Estão pensando nas eleições de outubro, nas listas, onde vai ficar cada um na campanha.
IHU On-Line - E como você vê o atual cenário latino-americano?
Washington Uranga - Muito favorável em termos de possibilidade de mudança. Acho que se está desperdiçando uma oportunidade que não será repetida facilmente no processo de integração, em termos geopolíticos. Se não houver integração sul-americana, não há estímulos para a região. Não há suficiente consciência política para aproveitar este momento, e acho que Argentina e Brasil são altamente responsáveis disso. O pequeno espaço do Mercosul reproduz as mesmas situações de dominação aos sócios menores que há no mundo. É mais uma lógica de integração de mercados do que uma lógica de integração política.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tem, pela sua própria personalidade, uma necessidade de liderança, que não lhe vai ser concedida facilmente, especialmente pelos sócios maiores. Chávez tenta impor isso pela sua persuasão e pelo poder econômico que lhe oferece o petróleo. Argentina e Brasil necessitam da Venezuela e vice-versa, mas precisamos chegar a um acordo para se buscar a integração. Paraguai tem jogado ao lado do Brasil por necessidade e, curiosamente, Uruguai e Argentina, apesar de suas brigas “papeleiras”, parecem se aproximar. Precisamos seguir trabalhando no Mercosul, juntamente com Chile, Equador, Bolívia, respeitando as características de cada país. Bolívia apresenta outras características. Dá a sensação de que, na Bolívia, Evo Morales está querendo fazer o governo dos povos originários, mas com uma deixa de revanche. Tenho muitos amigos na Bolívia que lutaram por este governo, junto às comunidades aborígines e que hoje foram segregados por não serem aborígines.
IHU On-Line - E o conflito entre Uruguai e Argentina por causa das papeleiras?
Washington Uranga - Esse conflito fala de uma enorme incapacidade de construção política. Nunca teríamos chegado à situação que chegamos se os nossos dirigentes tivessem mínima capacidade de construção política. É um enfrentamento absolutamente estéril e muito daninho. Há muitos interesses e nem todos estão sobre a mesa. Se Bótnia se instalou em Fray Bentos (Uruguai), é porque antes tentou instalar-se em Gualeguaychú, Entre Rios (Argentina), mas não chegaram a um acordo econômico. Alguns dos que se apresentam hoje com a bandeira ambientalista na verdade estão se queixando de não terem sido favorecidos. Mas não incluo neste comentário aqueles que desde Gualeguaychú demandam controles ambientais: esse tema está acima de qualquer discussão. É absolutamente necessário que se estabeleçam todos os parâmetros dos controles ambientais. O que não aceito é a consigna “não às papeleiras”, não à contaminação ambiental. Não às papeleiras é uma consigna autoritária que não respeita as necessidades de outro país, porque é um “não às papeleiras em Fray Bentos”, mas não é um "não" às papeleiras em Tucumán, em Corrientes ou no Chaco. Alguns dos chamados ambientalistas de Gualeguaychú têm investimentos turísticos, que acreditam que as papeleiras são uma contaminação visual e podem ameaçar seus negócios turísticos. Outra coisa são as assimetrias. Se o debate fosse entre Argentina e Brasil, o debate seria outro. Se fosse entre Paraguai e Brasil, o Paraguai também perderia. Há assimetrias inegáveis.
IHU On-Line - Voltando à conjuntura argentina, como estão as relações entre a Igreja e o governo, tão estreitas em outros tempos?
Washington Uranga - A Igreja é uma sociedade complexa semelhante à sociedade em seu conjunto. Está atravessada pelos mesmos conflitos, é uma sociedade sobreposta à sociedade. Não é possível falar de relações entre a Igreja e o governo sem especificar melhor. Podemos falar na hierarquia. Como o presidente da Conferência Episcopal Argentina é Jorge Mario Bergoglio (7), porque seus pares acharam que devia ser e foi votado para isso, podemos falar especificamente da relação Bergoglio – Kirchner. Mas acho que não falto à verdade se digo que o cardeal Bergoglio não representa o conjunto do episcopado nesta situação. De fato, há muitas relações entre a Igreja e este governo, muitos espaços de colaboração importantes, fundamentalmente no campo dos direitos sociais. Cáritas é uma das organizações mais fortes não-governamentais e é uma nas quais o governo mais investe dinheiro, porque sabe de sua eficácia.
IHU On-Line - Como são, então, as relações entre Kirchner e Bergoglio?
Washington Uranga - O cardeal Bergoglio é jesuíta, ou seja, suas manifestações são do tipo “estou de acordo mas me reservo algumas coisas”. Ele tem uma trajetória, uma vinculação com as raízes históricas do peronismo mais ortodoxo. Não foge de um certo traço populista. Tem um olhar sobre o social, mas também foi objeto de sérias críticas em relação a sua atuação no tempo da ditadura, quando era provincial dos jesuítas.
IHU On-Line - Inclusive seu colega do jornal Página 12, Horacio Verbitsky, retratou isso em um livro chamado El silencio (Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2005)...
Washington Uranga - Mas esse é um outro olhar. O olhar de Horacio é tão especulativo, tão conspirativo, que constrói uma personagem com Bergoglio, que vira uma espécie de monstro. De certa forma, a Verbitsky serve construir essa personagem a partir de Bergoglio porque se apóia, em parte, numa certa demonização da Igreja. Mas Bergoglio não é um monstro, e sim um homem que lida com a política, com o poder e faz política sem reconhecer que o faz. Deve ser uma das pessoas que têm maior nível de diálogo com as lideranças políticas de nosso país e que tem uma personalidade muito parecida com a do presidente. Isso faz com que nenhum dos dois aceite aparecer recuando diante do outro. Acho que o cardeal sobredimensiona ou tenta sobredimensionar o poder real que tem a Igreja neste país. O presidente, por sua vez, deixa claro que não aceita nenhuma imposição do que denomina como corporações, sejam os militares, os sindicatos ou a Igreja. Então, assim, o diálogo se faz muito difícil. Sei que a assembléia episcopal lhe pediu ao cardeal Bergoglio que fale com o presidente e este encontra todas as formas de dizer que tentou, mas faltaram alguns pré-requisitos.
Considera que isso deixa Kirchner numa posição privilegiada. Uma outra coisa é que boa parte do episcopado sente-se na salvaguarda moral da institucionalidade e sente que o presidente está concentrando demasiado poder, desconhecendo o poder legislativo e o judiciário. No legislativo, na verdade, o governo tem maioria automática. A reforma da Suprema Corte de Justiça faz com que ela muitas vezes vá contra as decisões do poder executivo, mas é verdade que o presidente governa com mão forte e centralização. Isto não agrada a Bergoglio e à boa parte dos bispos. Então, as diferenças entre o presidente e o arcebispo passam por isto e, insisto, passam por questões de personalidade. Um deles diz “que venha na Casa Rosada” e o outro “que venha ao arcebispado”; ficam a poucos metros um do outro... Por outro lado, o cardeal aproveita quando as câmeras e os microfones estão sobre ele para mandar recados que incomodem ao governo e, como o este se maneja muito com as manchetes dos jornais, é evidente que não chamam ao cardeal para esclarecer o comentário, e sim o presidente, que lhe responde publicamente. Faz-se uma bola de neve à toa. Mas em outros âmbitos o diálogo entre setores da Igreja e do governo são normais. Eu falo seguidamente com o cardeal e sei que ele fala com todos os dirigentes políticos, mas também com alguns ministros, embora nem os ministros nem o cardeal dizem.
IHU On-Line - A igreja argentina não teve muito contato com a Teologia da Libertação?
Washington Uranga - Em termos estritos, acho que aqui nunca houve Teologia da Libertação. O que há é uma reflexão teológica que iniciou com a Comissão Episcopal de Pastoral (Coepal), depois de Medellín, que leva adiante a reflexão sobre Medellín, e sobre o encontro de San Miguel, realizado na Argentina pós-Medellín. A cabeça teológica mais importante de tudo isso é Lucio Gera, hoje de idade avançada. Houve também o grupo chamado de “Sacerdotes do Terceiro Mundo”, que nunca se caracterizou por um forte pensamento teológico. Tinha uma reflexão teológica que apontou muito as relações entre cultura e teologia, muito apoiada na idéia de religiosidade popular e todos eles vêm de uma tradição peronista. Alguns optaram por não seguirem uma teologia da libertação e sim o que chamaram de teologia da cultura, que aparece um pouco na Conferência de Puebla, fazendo uma leitura transversal, também pela influência que Gera teve nessa conferência. Os mais próximos da Teologia da Libertação, como Enrique Dussel (8), não tiveram muita influência neste país. Atualmente, existe um seminário, que vem se realizando nos últimos 20 anos, chamado de Seminário de Teologia para Leigos, que reúne duas mil pessoas e é um espaço ecumênico e de diálogo de todo esse assunto. Tem também o grupo de “sacerdotes na opção pelos pobres”, que é continuação dos “sacerdotes do terceiro mundo”. Coisas vivas e permanentes alimentam a Igreja de um espaço não institucional.
IHU On-Line - Atualmente, está sendo julgado um padre - Cristian Von Wernich - envolvido na tortura durante o governo militar argentino. Quais são as repercussões do fato?
Washington Uranga - Cristian Von Wernich (9) é também um símbolo de parte do que foi a Igreja Argentina. O golpe militar foi realizado em 24 de março de 1976. Na noite do 23 de março, houve uma reunião na sede da Conferência Episcopal, da qual participou o então presidente da Conferência Episcopal, Aldolfo Tortolo, algum outro bispo e Victorio Bonamín, vigário geral do exército junto aos chefes das forças armadas que deram o golpe. Só esse fato marca o tipo de cumplicidade quase institucional que a hierarquia da Igreja teve com a ditadura. Se continuarmos revisando, encontraremos homilias do vigário do exército falando do “batismo de sangue” para descrever a repressão e o terrorismo de Estado que se realizavam nesse momento. Von Wernich é uma expressão de tudo isso. Uma expressão do que eram as capelanias militares.
Ele foi capelão da polícia de Buenos Aires, quando ela esteve sob o comando do general Ramón Camps (10), um dos maiores torturadores e violadores dos direitos humanos. Segundo todas as testemunhas que estão prestando depoimento, o papel de Von Wernich foi o de usar sua condição de sacerdote para obter informação para os organismos de repressão e tentar convencer as pessoas a dar informação, convencê-las do seu “dever” de dar informação para que os deixassem de torturar. Seguramente, Von Wernich, neste julgamento, será condenado à cadeia perpétua por delitos de lesa-humanidade. A Igreja de 25 anos atrás teria o defendido, mas a instituição hierárquica de hoje guarda silêncio e diz que vai aceitar o que decidir a justiça. Para a Igreja, esse julgamento tem um altíssimo nível de exposição que ela gostaria de evitar, mas sabe que é necessário que seja assim. Nove ex-militares estão sendo submetidos a julgamento e, no processo, vão aparecer testemunhas e, seguramente, mais homens da Igreja vão aparecer.
IHU On-Line - Mas a igreja argentina tinha feito um pedido de perdão pelo seu papel durante o governo militar...
Washington Uranga - Sim, houve esse pedido de perdão, mas muito tímido. Não o lembro textualmente, mas foi algo assim como “não somos responsáveis institucionalmente, mas alguns de nossos filhos pecaram”, “pedimos perdão pelo pecado de nossos filhos, mas não pecamos institucionalmente...”. É, como para terminar logo o assunto, uma espécie de reconhecimento vago, do tipo “em toda família há gente má...”
IHU On-Line - Como avalia a recente Conferência Episcopal realizada em Aparecida?
Washington Uranga - A distância, é muito difícil, porque Aparecida não figurou na agenda da Argentina nem antes nem depois. Acho que esse fato está relacionado a uma influência decrescente da Igreja na Argentina e no Continente. Ainda não consigo avaliar o que significou e significará Aparecida para América Latina. Sem dúvida que na igreja argentina vai passar sem pena nem glória, mas também porque aqui não há uma pastoral orgânica que permita avançar.
IHU On-Line - E sua impressão sobre o atual papado?
Washington Uranga - Ratzinger sempre teve um olhar eurocêntrico. Está totalmente convencido de que os fiéis podem vir de outra parte, mas que a segurança da Igreja está na Europa. A doutrina é européia, mas as pessoas podem vir de outros lados, então os “fiéis” devem aderir a esse olhar eurocêntrico. Isso se aplica a tudo. Aplica-se, por exemplo, quando ele traz o relativismo como um problema central. É central para a comunidade européia e pós-moderna, e não o é para América Latina e para África, onde está a maioria dos católicos. Acho que este é um papado de transição, mas que vai marcar a fogo o que tivemos como avanço com o Concílio Vaticano II.
Notas:
(1) Os piqueteros são ativistas mais ou menos organizados, que pertencem ao movimento social iniciado por trabalhadores desempregados na Argentina ao longo da década de 1990, pouco antes da crise econômica provocada pela política econômica de câmbio fixo, dando início a uma grande recessão que levaria à queda do governo de Fernando de la Rúa.
(2) Raúl Ricardo Alfonsín é um advogado e político argentino, que foi presidente de seu país de 1983 a 1989. É uma das figuras mais importantes da história de seu partido, a Unión Cívica Radical.O governo de Alfonsín é reconhecido por sua contribuição institucional, devido a ele ter restabelecido a plena vigência das instituições republicanas e dos direitos e garantias constitucionais. Por outra parte, os máximos responsáveis pelas violações aos direitos humanos durante o regime militar (a chamada Guerra Suja, que resultou em milhares de desaparecidos políticos) foram julgados e condenados pela justiça. Cedendo a pressões de setores militares e a contradições internas de seu partido, Alfonsín impediu o julgamento de outros responsáveis de graves violações aos direitos humanos, promulgando as leis de "Ponto Final" (um mecanismo de prescrição antecipada) e a de "Obediência Devida" (que retirava a culpa de responsáveis por atrocidades cometidas baseando-se na teoria de que haviam atuado sob ordens dos respectivos comandantes em chefe das forças armadas).
(3) Roberto Lavagna é um economista argentino. Ex-ministro da Economia argentino, Lavagna, que ocupou o cargo do começo de 2002 até novembro de 2005, liderou a recuperação econômica argentina após a pior crise de sua história. Deixou o cargo devido a um forte enfrentamento com o presidente Néstor Kirchner.
(4) Julio César Cleto Cobos, político argentino da União Cívica Radical, ocupou o cargo de governador da Província de Mendoza entre os anos 2003 e 2007. Depois de ser eleito como governador em 2003, ele adota uma posição de boas relações e muita participação com o presidente justicialista Néstor Kirchner. Isto lhe custou más relações com seus colegas do partido político radical, os quais começaram a chamá-lo radical "K".
(5) Eduardo Alberto Duhalde Maldonado é um advogado argentino, membro do Partido Justicialista. Ocupou a vice-presidência da Argentina durante o primeiro mandato de Carlos Saúl Menem, renunciando ao posto para assumir o governo da Província de Buenos Aires. Foi presidente interino da Argentina de 2 de janeiro de 2002 até a posse de Néstor Kirchner, em 25 de maio de 2003.
(6) Gerardo Rubén Morales é um político argentino, membro da União Cívica Radical.
(7) Jorge Mario Cardeal Bergoglio é um religioso da Companhia de Jesus. É o arcebispo da Arquidiocese de Buenos Aires desde 28 de fevereiro de 1998.
(8) Enrique Dussel é um filósofo latino-americano nascido em Mendoza, na Argentina. Exilou-se no México, em 1975, expoente do Marxismo na América Latina.
(9) Cristian Federico Von Wernich é um padre católico argentino. Foi acusado de participar da Guerra Suja como colaborador das torturas cometidas pelos polícias contra os prisioneiros políticos.
(10) Ramón Juan Camps foi um general argentino que comandou a polícia da província de Buenos Aires durante o regime militar.
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"Neste momento não há partidos políticos na Argentina". Entrevista especial com Washington Uranga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU