Indicador, lançado nesta quarta, vai monitorar esforços de transparência e controle da cadeia da carne para mais de 100 frigoríficos instalados na Amazônia.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 27-04-2022.
Com a expansão da pecuária na Amazônia e a conexão cada vez maior entre mercados, fica difícil saber se a carne que você compra está associada à destruição da floresta tropical. Pensando nessa realidade, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto O Mundo que Queremos desenvolveram uma ferramenta que pretende ajudar o consumidor a fazer escolhas mais conscientes quando o assunto é a aquisição de produtos de origem bovina.
Chamado de Radar Verde, a ferramenta, lançada nesta quarta-feira (27), reunirá dados de transparência e controle da cadeia de produção de 113 frigoríficos instalados na Amazônia e das 50 maiores redes de supermercados do Brasil, segundo ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Além disso, também será possível acessar indicadores dos três maiores supermercados locais de cada estado da Amazônia Legal.
Para compilar os dados de transparência e controle da cadeia, os frigoríficos e supermercados receberão um questionário, que embasará a análise realizada pelos parceiros na iniciativa. Além da resposta às perguntas deste questionário, as empresas terão de enviar evidências que comprovem a política descrita.
A partir dessas informações, os parceiros do Radar Verde vão disponibilizar uma avaliação de cada frigorífico e supermercado, indicando ao consumidor se as políticas contra o desmatamento implementadas são eficientes, em uma escala que vai de “muito alta” a “muito baixa”.
A expectativa é que, já no segundo semestre de 2022, os dados referentes à política atual das empresas estejam disponíveis ao consumidor e que, anualmente, eles sejam atualizados.
Os desenvolvedores da ferramenta explicam que o Radar Verde não pretende funcionar como um ranking, mas como fonte de consulta sobre a avaliação anual de cada empreendimento, mostrando aos consumidores o quanto as empresas e frigoríficos estão engajados no combate ao desmatamento na Amazônia e no aprimoramento de suas técnicas de rastreio e auditoria. As comparações se darão entre os resultados individuais conquistados a cada ano.
A pecuária é o maior vetor de desmatamento na Amazônia. Somente nas últimas três décadas, o rebanho bovino no bioma cresceu 258%, chegando, atualmente, a cerca de 89 milhões de cabeças de gado.
Para se ter uma ideia do que esses números significam basta compará-los com o total produzido no Brasil: em 1975, o gado criado na floresta tropical representava 9% do total nacional, em 2020 esse número saltou para 43%.
Para alcançar tal crescimento, no entanto, muita árvore foi derrubada. Entre 1988 e 2021, 470 mil km² foram desmatados na Amazônia, segundo medições do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Cerca de 90% dessas áreas foi convertida em pasto, segundo estudo do Imazon e do Projeto Amazônia 2030, sendo que mais de 90% da destruição aconteceu de forma ilegal.
“A pecuária na Amazônia está se tornando fundamental no Brasil e estamos expandindo de forma extensiva, ou seja, demandando muito pasto para pouco gado”, Ritaumaria Pereira, diretora-executiva do Imazon.
Nos limites da Amazônia Legal existem atualmente 178 plantas frigoríficas instaladas, sendo que 174 delas estão ativas. Desse total, 56% está atuando sob as regras de acordos pela sustentabilidade da cadeia da pecuária, como o TAC da Carne, assinado com o MPF e que proíbe a compra de carne de fornecedores envolvidos com desmatamento ilegal, trabalho escravo ou que tenham criações dentro de áreas protegidas.
Segundo Ritaumaria, depois da assinatura do TAC, o desmatamento ligado à pecuária na Amazônia caiu em até 85%. Os níveis de destruição da floresta, no entanto, continuam aumentando: somente em 2021, foram 13.235 km² de vegetação derrubados na Amazônia, de acordo com o INPE.
“Mesmo pós 13 anos do TAC, os problemas perduram em relação à pecuária e ao desmatamento […] Se o frigorífico que assinou TAC deixa de comprar de determinado fazendeiro porque ele não cumpre as premissas do TAC, o que não assinou está atuando na mesma área e ele acaba comprando. É uma concorrência desleal, porque o TAC não chegou a todos os frigoríficos”.
Considerando que, do total desmatado entre 2016 e 2020, 93% se sobrepõem a zonas de compras de frigoríficos, pode-se inferir que muito dessa cadeia da carne precisa se adequar aos critérios dos acordos de sustentabilidade. É aí que o consumidor entra, pressionando frigoríficos e redes varejistas.
“O desmatamento não tem sido combatido pelos stakeholders que deveriam estar envolvidos nessa questão. Quem são eles: os varejistas, que continuam vendendo carne com origem controversa, e os financiadores, que continuam dando crédito para os desmatadores. Esse projeto tem a beleza de fazer um deslocamento de responsabilidade para os consumidores, que eram cegos nesse processo. Na medida que essa transparência, eles vão poder fazer essa opção de serem coniventes ou responsáveis em relação às questões do desmatamento”, disse Fábio Alperowitch, representante do setor de investimentos da cadeia da pecuária.
A ideia por trás da iniciativa do Imazon e do Mundo que Queremos é que o Radar Verde estimule o engajamento de frigoríficos e supermercados em exigir maior controle e transparência de seus fornecedores.
“O que esperamos é que a partir dos indicadores que serão tornados públicos os varejistas pressionem os frigoríficos, notadamente aqueles que não fazem o monitoramento da origem da matéria-prima, e também esperamos que o consumidor pressione o varejo para que adote políticas mais sustentáveis em relação às compras de carne”, disse Rafael da Silva Rocha, procurador da República no Amazonas.