Pensar diante do abismo do fim do mundo

Por: Ricardo Machado | 05 Abril 2022

 

No poema Autotomia, Wisława Szymborska faz uma figuração que é muito rica quando levamos em conta o novo regime climático a que estamos submetidos. Ela escreve: “O abismo não nos divide. O abismo nos circunda.” Embora o poema não tenha, exatamente, a ver com o fim do mundo, a força desta síntese nos situa diante dos nossos desafios mais urgentes, que é a sobrevivência da espécie humana no planeta Terra.

 

É verdade, também, que o debate sobre o fim do mundo remonta à antiguidade e é rico em descrições e previsões, de diferentes povos, em diferentes circunstâncias. Talvez a novidade atual seja a da necessidade de pensarmos o fim do mundo desde dentro – afinal, não há outra alternativa – do abismo climático cavado por nossa própria espécie.

 

Se antes as especulações apocalípticas orbitavam a ordem das previsões místicas, hoje são modelos científicos e matemáticos de análise climática que alertam sobre as condições de vida no planeta que habitamos. Mesmo que essas projeções estejam sujeitas ao imponderável – o que pode retardar ou acelerar esses processos –, o fato concreto é que o tema do fim mundo se transformou numa preocupação acadêmica e tem mobilizado, cada vez mais, a comunicação midiática.

 

Pensar o fim do mundo passa, sobretudo, por deslocar o homem do centro do universo, de modo que se compreende que não há o humano e o mundo, mas o humano no mundo, em uma correlação de reciprocidade assimétrica, cabendo a nós o lado menor da equação. A saída do delírio antropocêntrico em direção a um estado de consciência mais real sobre as coisas requer que percebamos o planeta como um ente capaz de modular os modos como o compreendemos. O que muda, essencialmente, são os pontos de vista sobre o mundo, mas neste momento tornou-se quase incontornável a tarefa de imaginar a perspectiva do mundo sobre nós próprios, algo que os modelos meteorológicos e os climatologistas não dão boas pistas.

 

Para debater estas e outras questões, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU realiza o Ciclo de Estudos Decálogo sobre o fim do mundo. A seguir apresentamos as conferências e os participantes já confirmados no evento. Clique para fazer sua inscrição.

 

Perspectivismos

 

A conferência de abertura - O mundo é um grande olho que vemos e que nos vê - contará com a presença de Miguel Ángel Quintero, que abordará, justamente, essa reciprocidade perspectiva entre a nossa espécie e o planeta que habitamos e como isso coloca em causa epistemologias radicalmente ocidentalizantes.

 

 

 

Em convergência a este debate, Mauro Almeida apresentará a conferência Verdades pragmáticas em mundo irreconciliavelmente diverso, no qual o antropólogo propõe formas de cotejar saberes distintos em busca de práticas diversas, mas convergentes no que tange a pensar e viver em um mundo ferido.

 

 

 

 

Ecologias

Eben Kirksey, pesquisador do Alfred Deakin Institute, na Austrália, apresentará o Manifesto a favor da antropologia multiespécies e das ecologias emergentes, no qual busca estudar e analisar as interações humanas com animais, plantas, fungos e micróbios.

 

 

 

É interessante retomarmos, conceitualmente, o significado do termo “ecologia”, que se refere, em suma, à relação dos seres vivos entre si e com o meio em que vivem, considerando aspectos biológicos, ambientais, mas também subjetivos. Anna Tsing é uma das maiores autoridades mundiais quando se trata de pensar estas questões na atual conjuntura, tema que é o mote central de sua conferência Atlas selvagem: novas ecologias no antropoceno.

 

 

 

 

Destruição e construção

O final de fevereiro mostrou, de forma contumaz, a força avassaladora da guerra em diferentes pontos do planeta. Ucrânia, Síria, Iêmen e Somália, na mesma semana, sofreram ataques de forças militares da Rússia, Israel, Arábia Saudita e EUA, respectivamente. Ainda que a mobilização midiática se centre no conflito no leste europeu, o imperativo da guerra se impõe nesses estranhos tempos de “paz”. As implicações filosóficas deste contexto são o tema de debate de Anselm Jappe na conferência A guerra e a sociedade da autodestruição.

 

 

 

Por outro lado, na dialética que é parte inextrincável das existências terrestres (ou terranas, como diria Bruno Latour), Alexsandro Elias Arbarotti apresenta a conferência Fragmentos de uma história futura: caminhos para construção de mundos possíveis, tecendo o pano da humanidade com suas pulsões de morte, mas também de vida.

 

 

 

 

Cosmopolíticas e natureza

 

Em um mundo em que nem as dimensões políticas nem as teológicas estão restritas à espécie humana, repensar o estatuto dessas disciplinas à luz do antropoceno, torna-se, inadiável. A autora do livro A cosmopolítica dos animais (São Paulo: n-1, 2021), Juliana Fausto, fará a conferência Cosmopolíticas dos animais: por uma concepção política para além do humano, que perpassa uma discussão profunda sobre como a dimensão propriamente política do antropoceno é, antes de tudo, cosmopolítica.

 

 

 

Na esteira do debate teológico, o exegeta bíblico André Wénin apresenta a conferência Um mundo sem a fratura entre o ser humano e a natureza. Uma exegese a partir do Gênesis, no qual retoma o primeiro livro do pentateuco em perspectiva com a atualidade.

 

 

 

 

Imaginação política no antropoceno

 

Talvez a principal tarefa diante do fim do mundo, ao menos enquanto ele não chega, seja – para além do que propõe Ailton Krenak em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo (São Paulo: Cia das Letras, 2019) – pensar outros mundos possíveis. De algum modo essa discussão orbita a conferência Ciência e ficção: especulação e imaginação para resistir no Antropoceno, de Renato Sztuman, que inter-relaciona dois aspectos aparentemente contraditórios, mas atinentes aos domínios do conhecimento humano: a ciência e a ficção.

 

 

 

Se por um lado já virou consenso que é mais fácil ver o fim do mundo que o fim do capitalismo ocidental, por outro nada garante que esse aforismo macabro não possa ser superado. E, para pensar alternativas, o economista e músico senegalês Felwine Sarré apresenta a conferência Afrotopia, Ética e Economia. "Habitar o mundo" no Antropoceno, nesta que é a conferência de encerramento do ciclo.

 

 

 

O evento ainda contará com a conferência de Mateus Uchôa, intitulada Multinaturalismo. Da política do conceito a um novo conceito de política, na qual abordará desdobramentos filosóficos implicados em uma perspectiva fenomenológica e metafísica em que a centralidade do ser humano, como ente superior a todas as espécies, é radicalmente deslocada.

 

 

Sobre o evento – Decálogo sobre o fim do mundo

 

A proposta do Ciclo de Estudos Decálogo sobre o fim do mundo é discutir, de modo transdisciplinar, os desafios que o novo regime climático do planeta impõe às nossas formas de pensar, conceber e habitar o mundo. Dividido em dez conferências, a programação do ciclo retoma questões políticas, filosóficas e teológicas sobre a vida no antropoceno, considerando o ocaso e, em certo sentido, o fim/esgotamento da Modernidade.

No centro da crise, o sentido e a autorreferencialidade do ser humano em um mundo em que cada vez mais somos governados pelo que nos habituamos chamar de natureza. Trata-se, portanto, de um debate que leva em conta o deslocamento da política para a dimensão cosmopolítica. Repensar a condição humana diante do novo regime climático e a ameaça da sexta extinção em massa, justamente da espécie humana, pode ser o ponto inicial da discussão aqui proposta.

 

Veja a programação completa e os conferencistas

 

12 de abril | O mundo é um grande olho que vemos e que nos vê

Prof. Dr. José Ángel Quintero Weir

José Ángel Quintero Weir é membro do povo Añuu e professor na Universidade Autônoma Indígena UAIN – Wainjirawa.

 

5 de maio | Verdades pragmáticas em mundo irreconciliavelmente diverso

Prof. Dr. Mauro Almeida – Unicamp

Mauro Almeira é doutor em Antropologia Social (University of Cambridge, 1993), Mestre em Ciência Política (Universidade de São Paulo, 1979) e graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Membro permanente do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas. Áreas de pesquisa: Amazônia, reservas extrativistas, comunidades tradicionais, e teoria antropológica. Participou da criação da reserva extrativista do Alto Juruá e do planejamento da Universidade da Floresta (Universidade Federal do Acre - Campus Floresta). Publicou artigos em Current Anthropology, Journal for Latin-American Anthropology e outras revistas especializadas. É coautor do livro "A Enciclopédia da Floresta. O Alto Juruá: prática e conhecimentos das populações”, com Manuela Carneiro da Cunha.


9 de maio | Manifesto a favor da antropologia multiespécies e das ecologias emergentes

Dr. Eben Kirksey – Alfred Deakin Institute – Austrália

Eben Kirksey é um antropólogo americano que escreve sobre ciência e justiça. Ele é mais conhecido por seu trabalho pioneiro em "etnografia multiespécies" – uma abordagem para estudar as interações humanas com animais, plantas, fungos e micróbios. Eben tem uma curiosidade insaciável sobre natureza e cultura. Investigar algumas das histórias mais importantes do nosso tempo – relacionadas à biotecnologia, meio ambiente e justiça social – o levou à Ásia, ao Pacífico e às Américas. Quando estourou a controvérsia sobre os primeiros bebês geneticamente modificados do mundo, Eben falou sobre ética no palco principal da Cúpula Internacional sobre Edição do Genoma Humano em Hong Kong. Mais tarde, ele viajou para a China continental, onde aprendeu sobre as esperanças queer e os desejos impuros que animaram esse experimento com o CRISPR-Cas9. Atualmente é Professor Associado (Pesquisa) no Alfred Deakin Institute em Melbourne, Austrália, onde estuda The Promise of Multispecies Justice, a virada química nas humanidades e a circulação de vírus em mundos multiespécies.


17 de maio | Atlas selvagem: novas ecologias no antropoceno

Profa. Dra. Anna Tsing – University of California – EUA

Anna Tsing é professora de Antropologia na Universidade da Califórnia, Santa Cruz. Tsing estudou na Universidade de Yale (B.A., 1973) e na Universidade de Stanford (M.A., 1976; Ph.D., 1984). Ao receber seu doutorado, atuou como professora assistente visitante na Universidade do Colorado, Boulder (1984-86), e como professora assistente na Universidade de Massachusetts, Amherst (1986-89), antes de ingressar no corpo docente da UC Santa Cruz. Ela também foi professora visitante na Universidade de Chicago, na Universidade de Harvard e na Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Em 1994-1995, ela foi membro do Institute for Advanced Study em Princeton. Anna Tsing é membro da American Anthropological Association, da American Ethnological Society e da Association for Asian Studies. É autora do célebre livro Arts of Living on a Damaged Planet: Ghosts and Monsters of the Anthropocene (Minnesota: University of Minnesota Press, 2017).

 

18 de maio | A guerra e a sociedade da autodestruição

Prof. Dr. Anselm Jappe – L'Accademia di Belle Arti "Mario Sironi" – Sassari – Itália

Anselm Jappe é um filósofo e ensaísta nascido na Alemanha. Fez seus estudos em Itália e em França, onde vive atualmente. Além de inúmeros artigos na revista alemã Krisis, é autor do livro Guy Debord sobre a vida e a obra do pensador e ativista francês (publicado no Brasil pela editora Vozes). Recentemente publicou o livro As Aventuras da Mercadoria (pela Editora Antígona de Lisboa) que reconstrói a trajetória filosófica e política da crítica do valor.

 

24 de maio | “Fragmentos de uma história futura”: caminhos para construção de mundos possíveis 

Dr. Alexsandro Elias Arbarotti – École des Ponts ParisTech – França 

Alexsandro Elias Arbarotti é pós-doutorando no Laboratoire Eau, Environnement et Systèmes Urbains (Leesu) na École des Ponts ParisTech. Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos com bolsa da FAPESP (2018); Bolsista de Estágio de Pesquisa no Exterior (FAPESP) no Laboratoire Dynamiques sociales et recomposition des espaces (França, 2016). Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (2014); graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2011); graduado em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (2004). Pesquisador do Centro de Pesquisa e Estudos Agrários (CPEAA) e membro do Grupo de Pesquisa Ruralidades, Ambiente e Sociedade (RURAS/ UFSCar).


20 de junho | Cosmopolíticas dos animais: por uma concepção política para além do humano

Profa. Dra. Juliana Fausto - Puc Rio

Juliana Fausto possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atualmente é pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Paraná, com bolsa PNPD/CAPES, onde atua como professora visitante, ministrando disciplinas nos níveis de Graduação e Pós-Graduação em Filosofia.

 

29 de junho | Um mundo sem a fratura entre o ser humano e a natureza. Uma exegese a partir do Gênesis

Prof. Dr. André Wénin - Université catholique de Louvain - Bélgica

André Wénin é graduado em filologia clássica, é biblista exegeta, teólogo, doutor em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Atualmente é professor da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, professor visitante em teologia bíblica na Universidade Gregoriana, em Roma, e secretário da Rede de Investigação em Análise Narrativa de Textos Bíblicos – RRENAB (Réseau de recherche en analyse narrative des textes bibliques).


19 de julho | Ciência e ficção: especulação e imaginação para resistir no Antropoceno

Prof. Dr. Renato Sztutman – USP

Renato Sztutman é professor do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo. É mestre e doutor em Antropologia Social pela USP, área de etnologia indígena. Realizou pós-doutorado, em 2015, no Departamento de Filosofia da Universidade de Paris Ouest Nanterre. É pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios (CEstA-USP) e do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (LISA-USP). Foi editor responsável, entre 2013 e 2017, da Revista de Antropologia (Depto. de Antropologia da USP). Foi um dos fundadores e coeditou, entre 1997 e 2007, a revista Sexta-Feira. Seus principais temas de pesquisa são: cosmopolíticas ameríndias, fronteiras entre antropologia e filosofia, antropologia e cinema.

 

20 de julho | Afrotopia, Ética e Economia. "Habitar o mundo" no Antropoceno

Prof. Dr. Felwine Sarr - Université Gaston Berger

Felwine Sarré possui doutorado em Economia pela Universidade de Orléans (França), é professor na Universidade de Gaston Berger, em Saint Louis (Senegal), na qual, em 2011, ficou responsável pela faculdade de Economia e Gestão e criou o Centro de Investigação em Civilizações, Religião, Arte e Comunicação (CRAC), onde ensina Economia Política, Economia do Desenvolvimento, Econometria, Epistemologia e História das Ideias Religiosas. É editor do Journal on African Transformation, editado pelo CODESRIA - Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África e pela UNECA - Comissão Econômica das Nações Unidas para a África. É autor dos livros Dahij (Gallimard 2009), 105 Rue Carnot (Mémoire d’Encrier 2011), Méditations Africaines (Mémoire d’Encrier 2012), Afrotopia (Philippe Rey 2016), entre outros.

 

Data a definir | Multinaturalismo. Da política do conceito a um novo conceito de política

Prof. Dr. Mateus Uchôa - Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA-CE

Mateus Uchôa é bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). É também mestre em Artes pelo PpgArtes da UFC. É doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na linha de Estética e Filosofia da Arte com pesquisa sobre os mundos animais e os limites do anthropos. Tem interesse em Filosofia da Natureza; Pluralismo Ontológico; Pensamento Ameríndio; Multinaturalismo; Estudos Multiespécies; Virada Ontológica na Antropologia; Estética e Pensamento Decolonial; Ecologia e Experiência Sensível; Cosmopolíticas e Questão Ambiental no Antropoceno. Atualmente realiza pesquisa sobre pensamento indígena a partir da etnologia de Eduardo Viveiros de Castro, e também da obra “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, com ênfase na articulação de ideias ameríndias com questões da filosofia especulativa contemporânea. Tem experiência no ensino de Filosofia Geral; História da Filosofia Moderna; Antropologia Filosófica; Filosofia da História; Estética. Foi professor substituto (nos períodos de 2013-2015 e 2018-2020) dos cursos de bacharelado e de licenciatura em Filosofia da Universidade Estadual Vale do Acaraú e coordenador do Grupo de Estudos De(s)coloniais - GEDES/UVA.

 

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