16 Fevereiro 2022
Antes de uma conferência de alto nível sobre o sacerdócio, o proeminente canonista jesuíta Pe. Gianfranco Ghirlanda alertou para os riscos das mídias sociais e o apego excessivo às devoções externas, enfatizando a importância do serviço.
A reportagem é de Elise Ann Allen, publicada em Crux, 14-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Falando ao Crux, Ghirlanda disse que a vida espiritual de um padre é essencial para seu ministério, e o maior perigo que ele vê para uma vida espiritual saudável é aquilo que o Papa Francisco chamou de “mundanismo espiritual”.
O mundanismo espiritual, disse ele, significa “esconder-se atrás de formas externas de devoção, correção litúrgica, ortodoxia radical, de modos sempre corretos, de estar sempre em ordem, mas para proteger a própria busca de segurança e benefício pessoal”.
Trata-se de uma obsessão pelos detalhes externos, como as abotoaduras extravagantes nas mangas de uma camisa, e de uma atitude espiritual que “pode levar ao carreirismo, perdendo de vista o fato de que o ministério é um serviço aos outros e não a si mesmo”, disse ele.
Ex-reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, administrada pelos jesuítas, e renomado conselheiro do Vaticano para assuntos canônicos, Ghirlanda falou antes de um grande seminário vaticano sobre o sacerdócio, agendado para os dias 17 a 19 de fevereiro e intitulado “Rumo a uma teologia fundamental do sacerdócio”.
O próprio Ghirlanda proferirá uma conferência sobre a “Vida santa dos clérigos: perspectiva teológico-canônica” no último dia do seminário, que será aberto pelo Papa Francisco, que falará sobre “Fé e sacerdócio hoje”.
O seminário irá explorar vários aspectos da vida sacerdotal, incluindo o voto do celibato.
O cardeal canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos do Vaticano, disse que o seminário ouvirá várias perspectivas sobre o celibato sacerdotal e sobre o sacerdócio casado. No entanto, no passado, ele defendeu o voto como um dom para a Igreja e como um ato de fé, e disse que a discussão no seminário não se limitará apenas a esse tema.
Em sua entrevista ao Crux, Ghirlanda alertou para o perigo que a “eficiência” representa para a vida espiritual de um padre, dizendo que ela se torna um problema quando um padre está “exercendo o ministério como se os efeitos positivos dependessem dos seus próprios esforços e dos meios aplicados, esquecendo-se de que só se é eficaz pela ação da graça, embora combinada com tudo o que o sacerdote põe à disposição”.
“É perder de vista que tudo deve ser feito como se dependesse de nós, conscientes de que tudo depende de Deus”, disse ele, citando a passagem bíblica: “Quando tiverem cumprido tudo o que lhes mandarem fazer, digam: Somos servos inúteis”.
Ghirlanda também alertou para o uso indevido das mídias sociais na era digital, dizendo que elas “podem distrair muito um padre” e podem “tirar muito tempo, desnecessariamente”.
“Não quero demonizar as mídias sociais, porque, quando bem usadas, também podem ser um instrumento apostólico muito válido”, disse ele, mas podem levar à “armadilha” daquela que ele chamou de curiosidade doentia.
A tela, disse ele, “gera uma curiosidade que nunca é satisfeita e, portanto, gera outra curiosidade sobre notícias, informações etc., que nem sempre é necessária”, enquanto uma vida espiritual saudável requer um tempo longe do mundo digital voltado para a oração e a meditação sobre as Escrituras e a vida de Jesus.
“Às vezes, a intrusão das redes sociais elimina” esse espaço de “silêncio interior” necessário a uma oração genuína, disse ele.
Ghirlanda apontou para a natureza hiperpolitizada, polêmica e muitas vezes tóxica do debate público hoje, especialmente no mundo online, e observou que a própria Igreja não está imune a isso.
“A Igreja e, portanto, os padres vivem na história e em uma sociedade específica. Infelizmente, o espírito da divisão e da polêmica também penetra na Igreja”, disse.
As polarizações, disse ele, “são criadas onde todos acreditam que têm a verdade absoluta e não estão dispostos a ouvir os outros”.
Isso, disse Ghirlanda, é aquilo que o Papa Francisco chamou de “autorreferencialidade”, que é uma atitude na qual “eu encontro a verdade apenas em mim mesmo e não preciso de nenhuma verificação externa, de nenhuma objetificação”.
“Isso fecha todo diálogo, leva a uma atitude polêmica e excludente em relação aos outros que não pensam como eu”, o que não é saudável para a vida e o ministério sacerdotais, disse ele.
Na visão de Ghirlanda, o sinal mais forte de uma vida espiritual saudável para um padre “é o serviço, é passar a vida inteira a serviço dos outros, não reservando nada para si mesmo”.
“É claro que isso não é fácil, e a busca de implementação é para toda a vida”, disse ele, dizendo que um verdadeiro espírito de serviço “é aquele ‘abandonar tudo’ que Jesus pede e que esperamos conseguir realizar pelo menos no fim da vida.”
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Canonista alerta os padres para o ‘mundanismo espiritual’: preocupação excessiva com correção litúrgica, ortodoxia radical, vestimentas, carreirismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU