É imprescindível a emergência de uma civilização social e ecológica baseada numa nova estrutura energética e num conjunto de valores e estilos de vida pós-consumistas, escreve Michael Löwy, diretor de pesquisa em sociologia no Centre nationale de la recherche scientifique, em artigo publicado por A Terra é Redonda, 22-12-2021. Tradução de Fernando Lima das Neves.
A civilização capitalista contemporânea está em crise. A acumulação ilimitada de capital, a mercantilização de tudo, a exploração implacável do trabalho e da natureza e a catástrofe ecológica daí resultante comprometem as bases de um futuro sustentável, pondo em perigo, assim, a própria sobrevivência da espécie humana.
O sistema capitalista, uma máquina de crescimento econômico movida por combustíveis fósseis desde a Revolução Industrial, é responsável pelas mudanças climáticas e pela mais ampla crise ecológica do planeta. Sua lógica irracional de expansão e acumulação sem fim leva o planeta à beira do abismo.
O “capitalismo verde” – a estratégia de redução do impacto ambiental ao mesmo tempo em que mantém as instituições econômicas dominantes – oferece uma solução? A inverossimilhança de tal cenário de reforma política é ilustrada da maneira mais espantosa pelo fracasso de um quarto de século de conferências internacionais – as COP – em lidar com as mudanças climáticas. As forças políticas comprometidas com a “economia de mercado” capitalista que criaram o problema não podem ser a fonte da solução.
A recente COP 26 (Glasgow, 2021), reunindo governos de todo o planeta, ilustra perfeitamente a impossibilidade de uma solução para a crise dentro dos limites do sistema. Em vez de medidas concretas nos próximos 5-10 anos – uma condição necessária, segundo os cientistas, para evitar um aquecimento global superior a 1,5°C –, obtivemos promessas miríficas de “neutralidade de carbono” para 2050, ou mesmo (Índia), 2070… No lugar de compromissos precisos e quantificados de suspensão imediata da exploração de novas fontes de energia fóssil (carvão, petróleo), obtivemos promessas vagas de “redução” de seu consumo.
Definitivamente, o defeito fatal do capitalismo verde reside no conflito entre a microracionalidade do mercado capitalista, com seu cálculo míope de lucros e perdas, e a macroracionalidade da ação coletiva para o bem comum. A lógica cega do mercado resiste a uma rápida transformação energética para se afastar da dependência dos combustíveis fósseis: ela está em contradição intrínseca com a racionalidade ecológica. Não se trata de acusar os “maus” capitalistas ecocidas, em oposição aos “bons” capitalistas verdes; a culpa é de um sistema ancorado numa concorrência implacável e numa corrida ao lucro no curto prazo que destrói o equilíbrio da natureza.
Uma política ecológica que funcione no quadro das instituições e regras dominantes da “economia de mercado” não conseguirá enfrentar os profundos desafios ambientais com os quais somos confrontados. Os ecologistas que não reconhecem que o “produtivismo” decorre da lógica do lucro estão condenados ao fracasso – ou, pior ainda, a serem absorvidos pelo sistema. Os exemplos abundam. A falta de uma posição anticapitalista coerente levou a maioria dos partidos verdes europeus – especialmente na França, Alemanha, Itália e Bélgica – a tornarem-se meros parceiros “ecorreformistas” da gestão neoliberal, ou social-liberal, do capitalismo pelos governos.
Bem mais do que uma reforma ilusória do sistema, é imprescindível a emergência de uma civilização social e ecológica baseada numa nova estrutura energética e num conjunto de valores e estilos de vida pós-consumistas: o ecossocialismo. A realização desta visão não será possível sem um planejamento e controle públicos dos “meios de produção”, ou seja, das instalações, máquinas e infraestruturas.
O núcleo do ecossocialismo é o conceito de planejamento ecológico democrático, em que a própria população, e não o “mercado”, ou os banqueiros e industriais, ou um Politburo burocrático, que toma as principais decisões em relação à economia. No início da transição para este novo modo de vida, com seu novo modo de produção e consumo, alguns setores da economia devem ser suprimidos (por exemplo, a extração de combustíveis fósseis envolvidos na crise climática) ou reestruturados, enquanto novos setores são desenvolvidos.
Em última análise, tal visão é inconciliável com o controle privado dos meios de produção. Em particular, para que o investimento e a inovação tecnológica sirvam o bem comum, a tomada de decisão deve ser retirada dos bancos e empresas capitalistas que dominam atualmente, e colocada em domínio público. Será então a própria sociedade, e não uma pequena oligarquia de proprietários ou uma elite de tecnoburocratas, que decidirá democraticamente que linhas de produção devem ser priorizadas, e que recursos devem ser investidos na educação, saúde ou cultura. As grandes decisões sobre as prioridades de investimento – como o fechamento de todas as centrais elétricas a carvão ou a orientação dos subsídios agrícolas para a produção biológica – serão tomadas por votação popular direta. Outras decisões menos importantes serão tomadas por órgãos eleitos em nível nacional, regional ou local.
Ao contrário do que alegam os apologistas do capitalismo, o planejamento ecológico democrático proporciona, no final das contas, mais liberdade, e não menos, por várias razões. Em primeiro lugar, oferece uma liberação das “leis econômicas” reificadas do sistema capitalista que acorrentam os indivíduos ao que Max Weber chamava de uma “gaiola de ferro”. Em segundo, o ecossocialismo sugere um aumento substancial do tempo livre. O planejamento e a redução do tempo de trabalho são as duas etapas decisivas para aquilo a que Marx chamava “o reino da liberdade”. De fato, um aumento significativo do tempo livre é uma condição para a participação dos trabalhadores na discussão e gestão democrática da economia e da sociedade. Finalmente, o planejamento ecológico democrático representa o exercício por toda uma sociedade de sua liberdade de controlar as decisões que afetam seu destino. Se o ideal democrático não confere poder de decisão política a uma pequena elite, por que o mesmo princípio não se aplicaria às decisões econômicas?
Sob o capitalismo, o valor de uso – o valor de um produto ou serviço para o bem-estar – existe apenas a serviço do valor de troca, ou valor de mercado. Assim, na sociedade capitalista, muitos produtos são socialmente inúteis ou concebidos para se tornarem rapidamente inutilizáveis (“obsolescência programada”): o único critério é a maximização do lucro. Em contrapartida, numa economia ecossocialista planejada, o valor de uso seria o único critério de produção de bens e serviços, com consideráveis consequências econômicas, sociais e ecológicas.[1]
O planejamento se concentraria nas grandes decisões econômicas, e não em decisões de pequena escala que pudessem afetar restaurantes locais, mercearias, pequenas lojas ou empresas artesanais. É importante notar que tal planejamento é compatível com a autogestão dos trabalhadores de suas unidades de produção. A decisão, por exemplo, de transformar uma fábrica de produção de automóveis numa fábrica de produção de ônibus e de bondes modernos seria tomada pela sociedade em seu conjunto, mas a organização interna e o funcionamento da empresa seriam geridos democraticamente por seus trabalhadores. Muito já se discutiu sobre o caráter “centralizado” ou “descentralizado” do planejamento, mas o mais importante é o controle democrático em todos os níveis – local, regional, nacional, continental ou internacional. Por exemplo, os problemas ecológicos planetários, como o aquecimento global, devem ser tratados em escala mundial e, por conseguinte, exigem alguma forma de planejamento democrático mundial. Esta tomada de decisão democrática integral é o oposto do que é geralmente descrito, muitas vezes de forma desdenhosa, como um “planejamento central”, pois as decisões não são tomadas por um “centro” qualquer, mas decididas democraticamente pela população envolvida, na escala apropriada.
Um debate democrático e pluralista teria lugar em todos os níveis. Através de partidos, plataformas ou outros movimentos políticos, propostas variadas seriam submetidas ao povo, e os delegados seriam eleitos em conformidade. Contudo, a democracia representativa deve ser complementada – e corrigida – pela democracia direta, em que as pessoas escolhem – em nível local, nacional e, mais tarde, mundial – entre as grandes opções sociais e ecológicas. Os transportes públicos devem ser gratuitos? Os proprietários de automóveis privados devem pagar impostos especiais para subsidiar os transportes públicos? A energia solar deve ser subsidiada para competir com a energia fóssil? A semana de trabalho deve ser reduzida para 30 horas, 25 horas ou menos, com a consequente redução da produção?
Que garantia existe de que as pessoas tomarão decisões ecologicamente corretas? Nenhuma. O ecossocialismo aposta que as decisões democráticas se tornarão cada vez mais ponderadas e esclarecidas à medida que a cultura muda e a influência do fetichismo da mercadoria é quebrado. Uma sociedade tão nova não pode ser imaginada sem que a população atinja, pela luta, a autoeducação e a experiência social, um elevado nível de consciência socialista e ecológica. Em todo caso, as alternativas à democracia – o poder do capital financeiro ou uma ditadura ecológica de “especialistas” – não são muito mais perigosas?
A transição do progresso capitalista destrutivo para o ecossocialismo é um processo histórico, uma transformação revolucionária permanente da sociedade, da cultura e das mentalidades. A realização desta transição conduz não só a um novo modo de produção e a uma sociedade igualitária e democrática, mas também a um modo de vida alternativo, a uma nova civilização ecossocialista, para além do reino do dinheiro, para além dos hábitos de consumo artificialmente produzidos pela publicidade, e para além da produção ilimitada de mercadorias inúteis e/ou nocivas ao meio ambiente. Tal processo de transformação depende do apoio ativo da grande maioria da população a um programa ecossocialista. O fator decisivo no desenvolvimento da consciência socialista e da consciência ecológica é a experiência coletiva de luta, de confrontos locais e parciais à mudança radical da sociedade global como um todo.
A questão do decrescimento econômico tem dividido os socialistas e os ecologistas. O ecossocialismo, contudo, rejeita o quadro dualista do crescimento contra o decrescimento, do desenvolvimento contra o anti-desenvolvimento, porque ambas as posições partilham uma concepção puramente quantitativa das forças produtivas. Uma terceira posição soa mais favorável à tarefa a cumprir: a transformação qualitativa da economia.
Um novo paradigma de desenvolvimento implica pôr fim ao flagrante desperdício de recursos sob o capitalismo, alimentado pela produção em grande escala de produtos inúteis e nocivos. A indústria de armamento é, certamente, um exemplo dramático disso, porém, de modo mais geral, o principal objetivo de muitos dos “bens” produzidos – com sua obsolescência programada – é gerar lucros para as grandes empresas. O problema não é o consumo excessivo em abstrato, mas o tipo de consumo que prevalece, baseado no desperdício massivo e na busca ostentatória e compulsiva de novidades promovidas pela “moda”. Uma nova sociedade orientaria a produção para a satisfação de necessidades autênticas, incluindo água, alimentação, vestuário, habitação e serviços básicos tais como saúde, educação, transportes e cultura.
É evidente que os países do Sul, onde estas necessidades estão longe de ser satisfeitas, devem perseguir um maior “desenvolvimento” clássico – estradas de ferro, hospitais, sistemas de esgoto e outras infraestruturas. Contudo, mais do que imitarem a forma como os países ricos construíram seus sistemas de produção, estes países podem perseguir o desenvolvimento de uma forma muito mais respeitosa em relação ao ambiente, especialmente pela rápida introdução de energias renováveis. Enquanto muitos países pobres precisarão aumentar sua produção agrícola para alimentar populações famintas e em pleno crescimento, a solução ecossocialista consiste em promover métodos agroecológicos baseados em unidades familiares, cooperativas ou fazendas coletivas em grande escala, e não métodos destrutivos do agronegócio industrializado envolvendo aplicação intensiva de pesticidas, produtos químicos e OGMs.[2]
Ao mesmo tempo, a transformação ecossocialista poria fim ao odioso sistema de endividamento que o Sul enfrenta hoje em dia em razão da exploração de seus recursos pelos países industriais avançados, bem como por países em rápido desenvolvimento como a China. Em vez disso, podemos vislumbrar um fluxo importante de assistência técnica e econômica do Norte para o Sul, baseado num sentido profundo de solidariedade e no reconhecimento de que os problemas planetários exigem soluções planetárias.
Mas como distinguir as necessidades autênticas das necessidades artificiais e contraproducentes? Em grande medida, estas últimas são estimuladas pela manipulação mental da publicidade. Nas sociedades capitalistas contemporâneas, a indústria publicitária invadiu todas as esferas da vida, moldando tudo, da comida que comemos e das roupas que vestimos aos esportes, cultura, religião e política. A publicidade promocional tornou-se omnipresente, infestando insidiosamente nossas ruas, paisagens e meios de comunicação tradicionais e digitais, dando forma a hábitos de consumo ostentatório e compulsivo.
Além disso, a própria indústria publicitária é uma fonte de considerável desperdício de recursos naturais e de tempo de trabalho, paga, afinal de contas, pelo consumidor, para um ramo da “produção” que está em contradição direta com as necessidades socioecológicas reais. Embora indispensável à economia de mercado capitalista, a indústria publicitária não teria lugar numa sociedade em transição para o ecossocialismo; seria substituída por associações de consumidores que supervisionam e divulgam informações sobre bens e serviços. A modificação de hábitos de consumo é um desafio educacional permanente que se inscreve num processo histórico de mudança cultural.
Uma das premissas fundamentais do ecossocialismo é que, numa sociedade sem o fetiche da mercadoria e sem a alienação capitalista, o “ser” precede o “ter”. Em vez da procura sem fim por bens, as pessoas buscarão dispor de mais tempo livre, assim como de realizações pessoais através de atividades culturais, esportivas, recreativas, científicas, eróticas, artísticas e políticas. Nada indica que a ganância compulsiva decorre de uma “natureza humana” intrínseca, como sugere a retórica conservadora. Pelo contrário, é induzida pelo fetichismo da mercadoria inerente ao sistema capitalista, pela ideologia dominante e pela publicidade.
Ernest Mandel resume bem este ponto crítico: “A acumulação contínua de mais e mais bens […] não é de modo algum uma característica universal ou mesmo predominante do comportamento humano. O desenvolvimento de talentos e inclinações por si mesmos; a proteção da saúde e da vida; o cuidado das crianças; o desenvolvimento de ricas relações sociais […] tornam-se motivações maiores uma vez satisfeitas as necessidades materiais básicas”.[3]
Certamente, mesmo uma sociedade sem classes enfrenta conflitos e contradições. A transição para o ecossocialismo enfrentaria tensões entre as exigências da proteção ambiental e a satisfação das necessidades sociais; entre os imperativos ecológicos e o desenvolvimento de infraestruturas de base; entre hábitos de consumo popular e a escassez de recursos; entre impulsos comunitários e cosmopolitas. As lutas entre aspirações concorrentes são inevitáveis. Por conseguinte, a avaliação e equilíbrio desses interesses deve se tornar a tarefa de um processo de planejamento democrático, livre dos imperativos do capital e da busca pelo lucro, a fim de encontrar soluções por meio de um debate público transparente, plural e aberto. Tal democracia participativa em todos os níveis não significa que não haverá erros, mas permite aos membros da coletividade social autocorrigir seus próprios erros.
A sobrevivência da sociedade civilizada, e talvez de uma grande parte da vida no planeta, está em jogo. Uma teoria ou um movimento socialista que não inclui a ecologia como elemento central de seu programa e estratégia é anacrônica e ineficaz.
As mudanças climáticas são a expressão mais ameaçadora da crise ecológica planetária, representando um desafio sem precedente histórico. Se permitirmos que as temperaturas mundiais aumentem mais de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, os cientistas preveem consequências cada vez mais graves, tais como uma elevação do nível do mar tão importante que poderia submergir a maioria das cidades marítimas, de Daca no Bangladesh a Amsterdã, Veneza ou Nova Iorque. A desertificação em grande escala, a perturbação do ciclo hidrológico e da produção agrícola, o aumento da frequência e da intensidade dos fenômenos meteorológicos e a extinção de espécies são algumas das ameaças. Já estamos em 1,1°C. A partir de qual aumento de temperatura – 4,5°C ou 6°C – chegaremos a um ponto de virada para além do qual o planeta não poderá suportar a vida civilizada, ou mesmo de tornar-se inabitável?
É particularmente inquietante constatar que os efeitos das mudanças climáticas acumulam-se a um ritmo muito mais rápido do que o previsto pelos climatologistas, que, como quase todos os cientistas, tendem a ser muito prudentes. A tinta de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas mal secou quando o aumento do impacto climático o tornou muito otimista. Enquanto o foco costumava estar no que ocorrerá num futuro distante, a atenção está voltada cada vez mais para o que estamos enfrentando agora e nos anos vindouros.
Alguns socialistas reconhecem a necessidade de integrar a ecologia, mas se opõem ao termo “ecossocialismo”, argumentando que o socialismo já inclui a ecologia, o feminismo, o antirracismo e outras frentes progressistas. Contudo, o termo ecossocialismo, ao sugerir uma mudança decisiva nas ideias socialistas, é portador de um significado político importante. Primeiramente, reflete uma nova compreensão do capitalismo como um sistema baseado não apenas na exploração mas também na destruição – a destruição massiva das condições de vida no planeta. Em segundo lugar, o ecossocialismo alarga o significado da transformação socialista para além de uma mudança de propriedade, para uma transformação civilizacional do aparelho produtivo, dos padrões de consumo e de todo o modo de vida. Em terceiro, o novo termo enfatiza a visão crítica que tem das experiências do século XX realizadas em nome do socialismo.
O socialismo do século XX, nas suas tendências dominantes (a socialdemocracia e o comunismo de estilo soviético), era, na melhor das hipóteses, desatento ao impacto humano sobre o meio ambiente e, na pior, claramente desdenhoso. Os governos adotaram o aparelho produtivo capitalista ocidental num esforço frenético de “desenvolvimento”, sem perceber os consideráveis custos negativos da degradação ambiental.
A União Soviética é um exemplo perfeito disso. Nos primeiros anos após a Revolução de Outubro, viu-se desenvolver uma corrente ecológica, e certo número de medidas para proteger o meio ambiente foram de fato adotadas. Mas, no final dos anos 1920, com o processo de burocratização stalinista em curso, um produtivismo ambientalmente insensível foi imposto na indústria e na agricultura por métodos totalitários, enquanto que os ecologistas foram marginalizados ou eliminados. O acidente de Chernobyl em 1986 é um emblema dramático das consequências desastrosas no longo prazo.
Mudar quem possui a propriedade sem alterar a forma como essa propriedade é gerida é um beco sem saída. O socialismo deve colocar a gestão democrática e a reorganização do sistema produtivo no centro da transformação, assim como um firme compromisso de gestão ecológica.
A luta por um socialismo verde a longo prazo exige a luta por medidas concretas e urgentes a curto prazo. Sem ilusões sobre as perspectivas de um “capitalismo limpo”, o movimento por uma mudança profunda deve tentar reduzir os riscos para as pessoas e o planeta, ao mesmo tempo em que ganha tempo para construir apoio para uma mudança mais fundamental. Em particular, a batalha para forçar os poderes constituídos a reduzir radicalmente as emissões dos gases de efeito estufa continua sendo uma frente essencial, assim como os esforços locais para passar aos métodos agroecológicos, energia solar cooperativa e gestão comunitária de recursos.
Estas lutas concretas e imediatas são importantes em si, pois as vitórias parciais são essenciais na luta contra a deterioração ambiental e o desespero diante do futuro. No longo prazo, estas campanhas podem contribuir para aumentar a consciência ecológica e socialista e promover o ativismo a partir de baixo. Tanto a conscientização como a auto-organização são condições prévias e fundamentos decisivos para a transformação radical do sistema mundial. A ampliação de milhares de esforços locais e parciais num movimento sistêmico global abre caminho para a transição para uma nova sociedade e um novo modo de vida.
O ecossocialismo considera-se parte de um movimento internacional: uma vez que as crises ecológicas, econômicas e sociais mundiais não conhecem fronteiras, a luta contra as forças sistêmicas por trás destas crises também deve ser globalizada. Há muitas intersecções significativas entre o ecossocialismo e outros movimentos, especialmente os esforços para associar o ecofeminismo ao ecossocialismo como movimentos convergentes e complementares.[4] O movimento pela justiça climática reúne o antirracismo e o ecossocialismo na luta contra a destruição das condições de vida das comunidades discriminadas. Nos movimentos indígenas, alguns líderes são ecossocialistas, enquanto muitos ecossocialistas consideram, por sua vez, o modo de vida indígena, baseado na solidariedade comunitária e no respeito pela Mãe Natureza, como uma inspiração para a perspectiva ecossocialista. Do mesmo modo, o ecossocialismo encontra uma voz nos movimentos camponeses, sindicais e outros.
O poder das elites dominantes é inegável e as forças da oposição radical permanecem fracas. Mas elas se desenvolvem e representam nossa única esperança de parar o curso catastrófico do “crescimento” capitalista.
Walter Benjamin definiu as revoluções não como a locomotiva da história, ao modo de Marx, mas como a tentativa da humanidade de puxar o freio de emergência antes do comboio cair no abismo. Nunca antes tivemos tanta necessidade de agarrar esta alavanca e estabelecer novos caminhos em direção a um destino diferente. A ideia e a prática do ecossocialismo podem ajudar a inspirar este projeto histórico global.
[1] Joel Kovel, Ennemi de la nature: La fin du capitalisme ou la fin du monde? (New York, Zed Books, 2002), 215.
[2] Via Campesina, uma rede mundial de movimentos camponeses, que há muito tempo defende este tipo de transformação agrícola. Ver: https://viacampesina.org/en/.
[3] Ernest Mandel, Power and Money: A Marxist Theory of Bureaucracy (Londres, Verso, 1992), 206.
[4] Ver: Ecofeminism as Politics de Ariel Salleh (New York: Zed Books, 1997), ou o recente número de Capitalism, Nature and Socialism (29, n. 1: 2018) sobre “Ecofeminism against Capitalism”, com ensaios de Terisa Turner, Ana Isla e outros.