16 Dezembro 2021
Evento virtual reuniu especialistas em torno de questões relativas à identidade política dos evangélicos. “O progressismo é naturalmente cristão. E cristianismo é naturalmente progressista”, provocou a socióloga Ana Raquel Couto.
A reportagem é de Tiago Pereira, publicada por Rede Brasil Atual, 15-12-2021.
“Evangélicos no Brasil não são iguais”, defende a socióloga e pesquisadora Ana Raquel Couto. “São experiências plurais, diversas e muito capilarizadas”, acrescenta. Ela e outros estudiosos debateram as questões relativas à identidade evangélica no evento virtual “Evangélicos à esquerda no Brasil hoje”, promovido pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) nesta terça-feira (14). De acordo com os especialistas, a visão do evangélico como intrinsecamente conservador seria muito mais uma narrativa construída por determinadas denominações, mas que não reflete a diversidade inerente a esses grupos.
Trata-se também de uma concepção deturpada bastante presente na opinião pública, que busca fazer uma correlação direta entre o conservadorismo doutrinário e a posição política desses grupos. Além disso, mais do que essas questões doutrinais, esses grupos também levariam em conta questões objetivas e materiais na hora de decidirem o voto.
Em oposição a esse senso comum, é possível, sim, combinar os ensinamentos cristãos a uma perspectiva política progressista, mais identificada com a esquerda, defendeu a socióloga.
“Como o pastor Ariovaldo diz, o progressismo é naturalmente cristão. E cristianismo é naturalmente progressista”, afirmou. Essa concepção, segundo ela, “vem da própria visão do ser humano como integral, constituído de corpo, alma e espírito”. Nesse sentido, “é preciso também atentar para as necessidades mais básicas do ser humano, como a fome”.
Nessa abordagem mais arrojada dos ensinamentos cristãos, defendida por ela, muda também a própria visão de humanidade. A “unidade”, defendida por leituras mais ortodoxas, dá lugar à “comunidade”, baseada na pluralidade e da diversidade. Nesse sentido, valores como “justiça” e “equidade” também fazem parte do ideário do evangélico progressista. Mais do que isso, para esses grupos, a própria desigualdade seria considerada como “fruto e consequência do pecado”, algo a ser combatido e revertido.
O jornalista Gilberto Nascimento, autor do livro O Reino (Companhia das Letras), sobre a história de Edir Macedo e Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), também destacou que há “muito preconceito” e “desinformação” a respeito dos evangélicos no Brasil. Ele citou pesquisa do instituto Datafolha que apontou empate quase absoluto entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (35%) e Jair Bolsonaro (34%) na preferência dos evangélicos. “Não há uma votação esmagadora para a direita ou setores mais conservadores“.
Ele também destacou algumas situações que mostram a diversidade política entre os “cristãos não católicos”. Por um lado, André Mendonça, o ministro “terrivelmente evangélico“, que teve sua indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) aprovada pelo Senado, é presbiteriano. Tal denominação, incluída pelos estudiosos entre os “protestantes históricos”, estaria mais inclinada ao ideário progressista. Por outro lado, entre os pentecostais tradicionais, mais associados ao campo conservador, estão nomes como a da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e da ex-candidata à presidência Marina Silva (Rede-AP).
Para Nascimento, conservadores “de fato” são os neopentecostais. “Não conheço líderes de esquerda nem na IURD, nem da Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor RR Soares. Muito menos na Igreja Mundial do Poder de Deus (do apóstolo Valdomiro Santiago)”. Seus líderes comandam a pregação contra a chamada “ideologia de gênero”, e que também resistem aos avanços conquistados pela comunidade LGBTQIA+. “Várias dessas lideranças são aliadas de Bolsonaro. E são eles que causam muito de toda essa polêmica, que ajudam a alimentar essa confusão”, disse ele.
No entanto, até mesmo entre essas lideranças neopentecostais, a atuação política é muito mais “pragmática” do que ideológica, de acordo com o jornalista.
“Há muito mais interesses em questões específicas. Como a concessão de verbas de publicidade para emissoras religiosas, anistia a dívidas das igrejas. Elas são isentas de impostos, mas muitas foram punidas pela Receita, com multas milionárias por conta de artifícios e arranjos para justificar transações financeiras suspeitas. Na hora de apoiar Bolsonaro, eram essas questões que estavam em jogo”.
O historiador Zózimo Trabuco, autor do livro À direita de Deus, à esquerda do povo: Protestantismo, esquerdas e minorias – 1974-1994 (Sagga Editora), diz que não são de hoje os esforços de diferentes grupos na tentativa de conformar o que seria uma genuína identidade evangélica. Mas “sempre escapou pelos dedos daqueles que tentavam definir”. Ele fez uma breve retrospectiva da aproximação de grupos evangélicos com a esquerda.
Essa identificação entre a esquerda e setores protestantes ocorreu, principalmente, durante a ditadura, com denominações que se opunham ao regime comandado pelos generais. Foi também nesse momento que surgiram iniciativas como o Movimento Evangélico Progressista (MEP). Ele também destacou o papel central da Teologia da Missão Integral na conformação da identidade desses grupos.
Trabuco ressaltou, ainda, que os evangélicos estão na política “desde sempre”, ainda que a atuação partidária dos grupos conservadores tenha ganhado relevância a partir do surgimento da Bancada Evangélica durante a Assembleia Constituinte. E também destacou que a disputa pelos evangélicos aumenta “nos momentos de maior confrontação da sociedade, que são os momentos eleitorais”.
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Religião em debate: ‘Evangélicos são plurais, conservadorismo é mito’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU