12 Novembro 2021
Em meio às discussões da COP26 sobre aquecimento global, levantamento inédito aponta que a multinacional apresenta ao mercado falsas soluções para combater a crise climática.
A reportagem é de Débora Rolando (Alter Conteúdo), publicada por Terra de Direitos, 10-11-2021.
Na semana em que está acontecendo a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), a Terra de Direitos lança o estudo “Sem licença para destruição: Cargill e as falsas soluções para crise climática”, que aponta diversas ações de greenwashing praticadas pela empresa no Tapajós (PA). A empresa transnacional, voltada ao agronegócio e presente na Região Norte do Brasil, opera um terminal portuário em Santarém há quase 20 anos, impactando fortemente o meio ambiente e as comunidades tradicionais da região, que se uniram para cobrar do Governo do Pará compensações e mitigações da instalação do empreendimento.
O estudo evidencia que a Cargill, empresa com maior capital privado do mundo, além de não respeitar as comunidades e povos tradicionais brasileiros, adota uma postura de “maquiagem verde”, ao propagar discursos e estratégias para a construção de uma empresa com imagem sustentável, como ao exigir que seus fornecedores adotem o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta que na verdade auxilia o avanço do agronegócio no país, ao mesmo tempo em que ocultam a rastreabilidade da sua produção e propagam falsa bioeconomia nas suas atividades, além de defender a Moratória da Soja.
“O compromisso mundial com o Acordo de Paris, políticas de proteção às florestas, a busca pelo desmatamento zero e a adoção de cadeias de produção “sustentável” da soja, são mecanismos que apenas escondem sob uma falsa fachada verde a atuação violenta e predatória da companhia”, destaca Pedro Martins, assessor Jurídico da Terra de Direitos. A Cargill oculta, por exemplo, os impactos socioambientais causados com a instalação dos seus portos, onde os pescadores artesanais observaram a diminuição de peixes e a necessidade de ir cada vez mais longe em busca do pescado, por conta da movimentação das grandes balsas e navios que atracam nos portos.
Além da instalação de terminais portuários, a companhia abriu as portas para a expansão do agronegócio de maneira ampla na região. Junto com os portos, chega uma série de empreendimentos que compõem o complexo logístico conhecido como Arco Norte. A Ferrogrão - uma ferrovia que ligará a cidade de Sinop, no Mato Grosso, ao distrito de Miritituba, no Tapajós (PA), é um dos exemplos mais emblemáticos. Apoiado pela Cargill, o projeto da Ferrogrão, se concretizado, impactará terras indígenas e unidades de conservação.
“O debate sobre a crise climática, para além de negociar acordos de mitigação das mudanças climáticas, precisa reconhecer o papel de indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais na proteção do meio ambiente, assim como tensionar o posicionamento dos líderes mundiais diante da atuação das indústrias e das empresas que se dizem sustentáveis. Soluções ambientais que não considerem os modos de vida das comunidades e povos tradicionais não são possibilidades reais de conter o aquecimento global e garantir o futuro do planeta ”, completou.
A soja produzida e exportada do Brasil pela Cargill é escoada por meio de um porto construído em cima de um sítio arqueológico e território sagrado indígena em Santarém, no Pará. Além disso, a obra foi feita desrespeitando a legislação ambiental brasileira, com a conivência dos órgãos ambientais e do próprio Sistema de Justiça. Desde novembro do ano passado a empresa opera normalmente sem licença ambiental.
A Cargill também adota uma postura de falsa bioeconomia ao promover soluções que costumam restringir o acesso das populações tradicionais aos seus territórios e promove desequilíbrios ecológicos, ao optar por iniciativas mercadológicas, sem considerar a coletividade e a complexidade da sociobiodiversidade da região. São pacotes tecnológicos e sistemas de produção de altos insumos, difundidos para substituir a floresta nativa por monocultivo de variedades geneticamente uniformes (soja e milho), com o objetivo de atender a indústria de alimentos e depois serem falsamente propagados como sistemas ambientalmente adequados.
Um dos principais pilares da imagem de empresa sustentável da Cargill, no Brasil, está sustentado na Moratória da Soja, um pacto ambiental firmado entre atores públicos e privados para diminuir o desmatamento na Amazônia, em 2006. Por meio da moratória as empresas - inclusive a Cargill - se comprometeram a não adquirir soja de áreas desmatadas da Amazônia a partir daquela data. Reiteradamente a empresa tem destacado o “sucesso” da moratória, indicando que após esse pacto as taxas de desmatamento anual na Amazônia caíram 80%. No entanto, um olhar mais apurado revela os limites - e as maquiagens - desse acordo. A Moratória foi estabelecida em um período em que o próprio poder público centrou forças em combater o desmatamento na Amazônia, como por meio da criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e do o lançamento do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (DETER) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ambos em 2004.
O monitoramento das áreas desmatadas para a Moratória da Soja também pode ser questionado. Na prática, ele é realizado em áreas com cobertura do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) em municípios com mais de 5 mil hectares de soja. O monitoramento da moratória também não contempla fornecedores indiretos, que abrem brechas para uma espécie de “lavagem da soja”. Ou seja, a soja produzida em áreas desmatadas entra na cadeia de produção da Cargill por meio de revendedores que estão em acordo com a moratória.
Dentro da política de combate ao desmatamento da Cargill, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um dos principais instrumentos impulsionados pela companhia. Um registro eletrônico previsto no Código Florestal Brasileiro aprovado em 2012, o CAR é obrigatório para todas as propriedades rurais do país e fornece informações desde a identificação do proprietário e o tamanho total do imóvel até informações ambientais, como de área de preservação permanente e reserva legal que estão dentro do imóvel. Em tese, o CAR seria uma base de dados de georreferenciamento estratégica para o controle e monitoramento do desmatamento. Na prática, tem sido apropriado pelos ruralistas para violar direitos territoriais de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Isso porque, ao exigir o CAR dos produtores, a Cargill não analisa, entre outros pontos, se a propriedade rural está sobreposta a territórios indígenas, quilombolas e tradicionais.
O registro no CAR de terras griladas, inclusive, tem sido utilizado como ferramenta para comprovar posse e reivindicar a regularização de terras – um processo que pode ser facilitado caso o Senado Federal aprove o Projeto de Lei 2633/2020, conhecido como PL da Grilagem.
Enquanto a demarcação da terra indígena não avança, as famílias sofrem com o avanço da soja e a utilização de agrotóxicos. Segundo relato dos indígenas, o principal igarapé da comunidade foi assoreado por conta das lavouras e as famílias não utilizam mais a água por medo da contaminação pelos agrotóxicos. As plantações e árvores nas casas das famílias também estão sendo mais atacadas por insetos e pragas, que agora se concentram nas áreas indígenas, onde não se utiliza veneno agrícola. Além disso, os indígenas frequentemente são vítimas de ataques dos fazendeiros.
Para ter acesso aos estudos completos, clique aqui.
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Estudo revela as falsas soluções da Cargill para conter o avanço das mudanças climáticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU